Friday, December 09, 2005

Magia e Rituais


Mircea Eliade dizia referindo-se à criação/necessidade do ritual pelo homem primitivo, que ao transformar até os actos mais insignificantes em cerimónias, em rituais onde se repete um arquétipo realizado in illo tempore pelos antepassados ou pelos deuses, o homem primitivo esforça-se por passar além, por se projectar para lá do tempo, na eternidade. E é também neste sentido que eu entendo os rituais.

Eu acredito que na religião a ritualização visa acima de tudo libertar-nos do espaço/tempo profano. É como se existisse uma linha temporal paralela, o tal espaço/tempo sagrado, onde um ritual é a continuação imediata de outro ritual, ainda que separado no espaço/tempo profano. No espaço/tempo sagrado estamos num tempo fora do tempo e num espaço fora do espaço, comunicamos com milhões de seres humanos, em diferentes momentos da história do mundo... é outra realidade.

Creio, no entanto, que na actualidade se torna mais difícil alcançar realmente este espaço/tempo sagrado (qualquer que seja o método), basicamente porque nós valorizamos demasiado o conceito de espaço/tempo. Medimos a rotação da terra e somos levados a acreditar que esta nossa noção de espaço-tempo é tudo o que existe. Mas estes conceitos ganharam consistência com as leis de Newton, isto é, como conceitos são relativamente recentes. Assim, pode muito bem ser tudo o que existe para nós agora, mas certamente não era tudo o que existia na mente do homem primitivo. E a mim interessa-me sobretudo a visão inocente do homem primitivo, profundamente integrado com a natureza. O homem primitivo que vivenciava uma experiência religiosa, isto é, projectava-se numa dimensão espaço/tempo sagrada, pela simples contemplação de um símbolo. O símbolo revelava-lhe por si e em si mesmo toda a sua sacralidade. Se encaramos isso num contexto de espaço/tempo sagrado, nós em qualquer instante da actualidade, ao contemplarmos um símbolo, estaríamos na mesma realidade do homem que produziu esse símbolo e, desse modo, seríamos capazes de o entender integrados na realidade da sua criação.

O problema é encontrar essa realidade nua e pura, que existe para lá dos conceitos. Porque, repito, quer queiramos quer não, mesmo espaço e tempo não passam de conceitos, são abstracções da realidade, esquemas desenvolvidos pelo intelecto para representar a realidade e não a realidade per se. Definições. Definimos uma coisa e partimos do princípio que tudo está representado, conhecido. Isso apenas nos limita. Não limita a realidade, limita a nossa compreensão dessa mesma realidade. Por isso é que eu falo insistememente na busca da inocência, na procura da visão que vê para lá dos rótulos e dos conceitos...

O que eu sinto muitas vezes, sobretudo na abordagem wicca, é que os símbolos ganham outra vida, já não são um meio mas um fim em si mesmo. Mesmo os próprios conceitos de Deus e Deusa são em si mesmo limitadores quando nos prendemos a eles em demasia, uma vez que na verdade representam uma realidade desconhecida, sem nome... e nunca nos podemos esquecer disso. Deus e Deusa são conceitos que nunca conheceremos e, partir do princípio que sabemos tudo sobre esses conceitos afasta-nos ainda mais da realidade para onde esses símbolos nos deveriam canalizar. Contudo, muitos pagãos ou wiccans falam de deuses quase como se fossem personagens de um romance – são elementos arquétipos que necessariamente temos que encontrar e vivenciar em nós... mas certamente nada será literal nem tão conhecido como nos fazem crer.

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