Tuesday, January 24, 2006

Pequenas transcrições d`A lenda de Bagger Vance, um filme de Robert Redford

Bagger – O truque é encontrar o seu swing...
Junuh – O que foi que disse?
Bagger – Perdeu o seu swing... temos de encontrá-lo. Está algures... em harmonia com tudo o que existe. Com tudo o que existiu. Com tudo o que existirá.

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Bagger a Hardy:
- Dentro de cada um de nós existe um swing próprio, autêntico. Algo com que nascemos, que é só nosso, que não se pode ensinar ou aprender. Algo que não podemos esquecer. Mas ao longo do tempo, o mundo pode privar-nos desse swing. Fica enterrado dentro de nós, sob o peso das desculpas que arranjamos para o que devíamos ter feito. Algumas pessoas até se esquecem de como era o seu swing...

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Ainda Bagger Vance, a propósito de um jogador de golfe excepcional, para Junuh:
- Repare como ele pratica o seu swing. É como se estivesse à procura de algo. E depois encontra. Assegura-se que alcançou o estado de espírito desejado. Sente que está concentrado. Tem muitos tipos de pancadas por onde escolher... Mas só há uma pancada que está em perfeita harmonia com o "Campo". Uma pancada que é a sua... autêntica pancada. E essa pancada vai escolhê-lo. Há uma pancada perfeita ali adiante à nossa espera. Só temos de deixar-lhe o caminho livre. Deixá-la escolher-nos... Repare nele. Ele está no "Campo". Vê aquela bandeira? É um dragão que tem que abater... Mas se olhar com atenção, verá o local onde as marés, as estações e a rotação da terra... todas se unem. E tudo o que existe torna-se num todo. Tem que percorrer esse local com a alma, Junuh.

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Bagger e Junuh:
Bagger – Estou a falar num jogo que não se ganha, joga-se.
Junuh – Tu não compreendes.
Bagger – Não preciso de compreender... Não há um único ser na terra que não carregue um fardo sem saber porquê. Não é o único... Mas já carrega esse fardo há bastante tempo. Está na altura de libertar-se dele.
Junuh – Não sei como!
Bagger – Pode escolher: desistir ou recomeçar.
Junuh – Recomeçar?
Bagger – Caminhar.
Junuh – Onde?
Bagger – Voltar ao que sempre foi. E depois quedar-se ali. Quieto. Muito quieto. E recordar.
Junuh – Foi há muito tempo.
Bagger – Não, foi há instantes. Mas já é tempo de abandonar os seus fantasmas. Tempo de optar.
Junuh – Não consigo.
Bagger – Consegue sim. Lembre-se que não está sozinho. Eu estou aqui. Sempre estive... Agora jogue o jogo. O seu jogo. Aquele que só você pode jogar. Aquele que lhe foi dado quando veio a este mundo... Lembre-se do seu swing...

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Wednesday, January 04, 2006

Estaremos a seguir uma via espiritual, quando nos centramos em nós próprios?

Não me parece que cada um de nós seja uma ilha. Tal como dizia Heinlein, somos quanto muito bocadinhos de continentes. Nós não vivemos isolados, interagimos constantemente com outros e com o mundo à nossa volta. E as nossas acções tem que ser pensadas em função do mundo em que vivemos, temos que estar conscientes de que as nossas acções vão necessariamente provocar uma reacção nos outros, da qual somos em parte responsáveis.

Um caminho em que estamos voltados para nós próprios é certamente um caminho legitimo, mas será espiritual?

Bem, vou citar o Dalai-Lama no livro Ética para o Novo Milénio:

"Penso que há uma importante distinção a fazer entre religião e espiritualidade. Considero que religião diz respeito à crença numa forma de salvação específica a cada tradição, um aspecto dessa religião consiste na crença numa realidade metafísica ou sobrenatural que inclua, por exemplo, a noção de céu ou de nirvana. Ligam-se a ela os ensinamentos religiosos ou dogmas, os rituais, a oração, etc. Considero que espiritualidade diz respeito ao cuidado a ter com as qualidades do espírito humano como o amor e a compaixão, a paciência, a tolerância, o perdão, o contentamento, o sentido de responsabilidade e da harmonia, que trazem felicidade para si e para os outros. O ritual e a oração, bem como o nirvana e a salvação, estão directamente ligados à fé religiosa mas estas qualidades interiores não. Por conseguinte, não há razão para que um indivíduo não as desenvolva, mesmo num grau elevado, sem depender de qualquer sistema religioso ou metafísico. É a razão pela qual afirmo, por vezes, que talvez possamos dispensar a religião. Mas o que não podemos dispensar são estas qualidades espirituais básicas.

Aqueles que praticam uma religião podem, e com razão, dizer que tais qualidades ou virtudes, são frutos de um esforço religioso genuíno e que, por conseguinte, a religião tem tudo a ver com esse desenvolvimento e com o que se pode chamar de prática espiritual. Mas deixem-me ser claro neste ponto. A crença religiosa implica uma prática espiritual. Porém, parece que há muita confusão, tanto entre crentes como não crentes, sobre em que consiste a prática espiritual. A característica comum a todas as qualidades que descrevi como "espirituais" é o interesse pelo bem-estar dos outros. Quando pensamos nessas qualidades, descobrimos que cada uma delas se define graças a uma preocupação implícita pelo bem-estar alheio. Mais ainda: aquele que tem compaixão, amor, paciência, tolerância, perdão, etc., reconhece, pelos menos até certo ponto, o impacte potencial das suas acções nos outros e modela o seu comportamento em função disso. Por conseguinte, a prática espiritual, de acordo com esta descrição, implica agirmos com a preocupação do bem-estar alheio. Mas implica também transformarmo-nos a nós próprios de forma a estarmos mais facilmente dispostos a fazê-lo. Falar de prática espiritual em termos que não estes não tem significado."

Sim, creio que o caminho passa por transformarmo-nos a nós próprios no sentido de agirmos cada vez mais com a preocupação do bem estar alheio, mesmo sabendo que o mundo é uma ilusão, mesmo tendo percepção de que a realidade tal como a vemos não existe.

Bom, mas já que falo numa realidade ilusória, deixem-me dizer que mesmo que teorizemos que o mundo material é ilusão, creio que isso apenas nos permite concluir que se há uma realidade que está para lá da ilusão, será uma realidade vazia de matéria. Não creio que possamos dizer que a realidade última é o vazio, como se teoriza por exemplo na Magia do Caos, não me parece que isso faça sentido. Terá que ser vazia de matéria, concordo. Mas isso é diferente.

A Magia do Caos aponta-nos um caminho onde tudo nos é permitido. Contudo, parece-me que num caminho onde tudo nos é permitido, porque tudo é ilusório, glorificamos o ego. E não será o ego também uma ilusão, uma vez que é apenas sustentado pelo mundo ilusório? Mas se a realidade última fosse o vazio, também a consciência seria uma ilusão, não?... Eu acho que não, porque a consciência, tal como o amor e a compaixão, são na sua essência realidades vazias de matéria, ou seja, na sua essência não pertencem ao universo da realidade ilusão.

Termino este post com outra questão: já pensaram que talvez seja o caminho em si que importa e não a meta? Talvez a meta apenas faça sentido por nos induzir à caminhada. Talvez seja este o meio de fazer a tal jangada que outros nos diziam ser tudo o que precisávamos para chegar à outra margem. Pergunto eu: uma jangada de consciência, à custa do ego? Uma jangada de não-matéria, à custa da matéria?