Tuesday, November 18, 2008

Voltando ao Paganismo

Começo por falar, novamente, do filme O Sabor da Cereja, de Kiarostami. Foi um filme que me marcou bastante, há uns anos atrás, pela temática da depressão profunda. Apresenta-nos um homem completamente desligado. Um homem que deixou de sentir a natureza, a passagem das estações, a própria vida... O filme começa, então, por nos mostrar esse homem num carro, às voltas numa estrada de terra batida, numa paisagem árida. Bom, com um bocadinho de boa vontade, podemos concluir que o personagem anda às voltas num deserto. Que procura? Na verdade, procura muitas coisas...

Há dois momentos no filme que quero relembrar: o instante em que nos contam a história do suicida que se afasta de casa de madrugada, pára junto a uma árvore e sobe para prender a corda com que irá enforcar-se. Ao prender a corda, sente nas mãos algo macio, com um cheiro intenso, apercebe-se que é fruta e leva-a à boca. Cerejas (ou amoras). E o homem deixa-se estar um bocadinho, a saborear as cerejas... entretanto, o sol começa a nascer. E é esse o momento de revelação, o momento em que os sentidos que pareciam estar entorpecidos, voltam em pleno. E com o presente, com o agora, acordamos. Ao acordarmos, a sensação de que a vida é absolutamente maravilhosa é inevitável.

Não foi o mundo que se modificou, foi a nossa visão do mundo...

Mostram-nos que é sempre a vida que se revela. Aquilo que nos salva e que nos devolve a nós próprios é algo que sempre esteve lá, algo que nunca perdemos verdadeiramente... a própria vida, feita de pequeninos instantes.

O segundo momento do filme que quero relembrar é o fim. O filme tem um final verdadeiramente assombroso e, na minha opinião, perfeito. O filme acaba precisamente mostrando-nos imagens da equipa de realização, do actor a confraternizar... e não será um pouco assim também na vida? Não estaremos de certa forma a representar também um papel, do qual muitas vezes já não sabemos sair é certo, mas ainda assim e só um papel...

Talvez só estejamos verdadeiramente vivos quando estamos realmente no presente, sem passados e sem futuros. Sem máscaras e sem personagens... agora.

É isso que eu gostaria que fizéssemos nos nossos rituais: permitirmo-nos estar lá, estar lá completamente... como só as crianças sabem estar. Deixarmos de lado todas as máscaras e olharmos de novo com a visão inocente das crianças. Eu sempre disse que a minha via do paganismo era a via da Inocência. Quando recuperamos a inocência, a fé surge novamente. E para voltar a acreditar com a fé inabalável das crianças não é preciso aprender nada novo... mas, talvez seja preciso desaprender algumas das convicções que fomos adquirindo ao longo da vida e que, acima de tudo, nos limitam.

Muitas vezes pensamos que se acreditarmos na beleza da vida acabamos desiludidos, temos medo de sofrer... e esquecemo-nos que, mesmo temendo tudo e fechados na nossa concha, podemos sofrer de milhares de modos diferentes.

Ao longo da vida, a rotina vai-se instalando e o mundo perde as cores de outrora. Não é? Não necessariamente. Depende de nós, daquilo que estamos dispostos a fazer para continuarmos inteiros.

Falemos, por exemplo, do último ritual de Lua Cheia. Pensam que alguma das pessoas que esteve nesse ritual entrou em transe? Não entrou! Nem pouco mais ou menos. Mas, também nem sequer era isso que se pretendia. Tentamos sentir a noite. Esquecemos isso de sermos seres à parte, e caminhamos descalços na terra molhada e fria, deixando que as nossas energias voltassem à terra e que da terra nos viessem energias novas. Que mais? Expressamos na noite os nossos desejos mais profundos. Falamos, dissemos alto e bom som o que realmente queríamos, qual a mudança profunda que necessitávamos. Têm ideia de quão difícil isso é?... De quanto precisamos nos libertar para simplesmente não nos acharmos apenas ridículos?...

Nos nossos rituais certamente não andamos no chão a rebolar e a espumar. Nada disso! Pretende-se tão só que sejamos capazes de ser quem verdadeiramente somos... e assumir o arquétipo dos deuses, se for preciso. Quero dizer com isto, encarná-lo. E manifestá-lo face à necessidade de outrem. Por exemplo, se alguém me abraçar e eu sentir que mais do que a abraçar-me a mim, está a abraçar a Mãe, a Deusa, a trazer de volta esse arquétipo para a sua vida... Bem, que miserável ser limitado seria eu se não fosse capaz de, naquele preciso instante, encarnar esse arquétipo e abraçar com todo o meu ser?...

Que fique bem entendido que não estamos lá para receber, estamos lá para dar. Claro que também recebemos, recebemos na medida em que damos. Mas, que seja a dádiva que nos motiva... E, a pouco e pouco, as mudanças acontecem. Acreditem, acontecem. E se formos capazes de aceitar essas pequenas mudanças, o velho mundo pagão regressa...

Entendem agora o que fazemos? Nós estamos aqui para recriar os velhos templos do paganismo... e nós somos esses templos!...

Na próxima lua cheia, vamos assumir o velho espírito pagão que deu origem a uma das mais bonitas tradições de natal, a troca de presentes. Vamos assumir a mudança que começou para nós naquele instante da última lua cheia, na primeira lua do novo ciclo. E vamos fazer a energia circular. Muitas vezes, queremos provar o novo chá, mas esquecemo-nos de esvaziar a chávena. Se não esvaziarmos completamente a chávena, nunca estaremos a provar o novo chá. Assim, vamos libertar-nos de algumas coisas do passado, que já não nos fazem falta, que não usamos, mas que de algum modo ainda são importantes, enfim, vamos dá-las, e havemos de as dar com alegria. Para que a energia circule, para que na nossa vida comece a haver lugar para o novo... para podermos renascer verdadeiramente no próximo Solstício de Inverno, prontos para uma nova etapa, uma nova vida. Um pouco mais tarde, em Imbolc, acederemos imensas velas nas nossas casas para ajudar a luz do mundo a crescer e, ao mesmo tempo, alimentar a nossa renascida fé. E é assim que nós vivenciamos o tempo cíclico, que tentamos ser um com a roda do ano...

É este o nosso paganismo!

2 comments:

Suevo said...

Quando é a proxima lua cheia?

Maria said...

A Lua Cheia de Dezembro é dia 12 às 16:37. Assim, o jantar de Lua Cheia será no dia 11, quinta-feira.