Monday, May 30, 2011

Voltando ao conceito de paganismo

Em tempos, escrevi num fórum uma resposta emotiva, reagindo a um post que apresentava fotografias de galos sacrificados, restos de velas e mais não sei o quê, que tinham vindo num jornal local, e que apresentava aquilo como vestígios do paganismo. Bem, essa é uma das razões porque muitos grupos ligados a cultos ancestrais têm reservas na utilização de expressões como pagão ou paganismo.

Assim, permitam-me trazer de volta essa antiga resposta de um fórum e dizer, aqui no meu blog, o que o meu paganismo não é:

«Peço desculpa, mas não posso deixar de manifestar a minha indignação.

No teu post escreveste: “De vez em quando aparece nos jornais locais o descontentamento de alguns por descobrirem sob os penedos imponentes restos de "mezinhas" e "bruxedos".” E acrescentas que “o paganismo ainda não desapareceu”.

Eu, que sou pagã, que uso o termo bruxa com orgulho, já chorei de dor ao ver a profanação de lugares sagrados, com esses restos de mezinhas e supostos bruxedos.

Se olharmos para os mais famosos grimoires - o grupo de Honorius, o Sepher Raziel e os códices ingleses do Lemegeton – o que encontramos é:

1. Profanação dos mistérios da religião (quer do cristianismo, quer das antigas religiões);
2. Um sacrifício de sangue caracterizado com pormenores monstruosos e a consequente profanação do espaço, da natureza. (Que é sempre muitíssimo mau, mas quando a profanação é feita a antigos lugares sagrados, é crime!)

Sei bem que muitas vezes a profanação não é intencional, mas nem assim deixa de ser uma profanação.

Outra coisa: se tens dúvidas quanto às invocações que fazem, por favor, lê meia dúzia dos grimoires medievais (de onde derivam sempre este tipo de coisas). Verás, de imediato, que se trata de literatura cristã. Sim, cristã!

Vou dar um exemplo retirado do famoso Grimoire de Honorius. Não vou colocar a razão do pedido, nem os preparativos... o ritual propriamente dito começa assim:

“Após o nascer do sol, deverá recitar de joelhos a seguinte oração: «Meu Soberano Salvador Jesus Cristo, Filho do Deus perfeito! Tu que para a salvação de toda a humanidade sofreste a morte na cruz; Tu que, antes de seres abandonado aos Teus inimigos, por um impulso de inefável amor, instituíste o Sacramento do Teu Corpo; Tu que concedeste a nós, miseráveis criaturas, o privilégio de fazer comemorações diárias; concede a este Teu humilde servo, toda a força e capacidade para a boa aplicação desse poder que lhe foi concedido contra a horda dos espíritos rebeldes. Tu que és o seu verdadeiro Deus, e se eles tremerem à expressão do Teu Nome, sobre esse Santo Nome eu chamarei, gritando Jesus Cristo! Jesus, sê a minha ajuda, agora e para sempre! Amen.»
De seguida deve ser morto um galo preto, a primeira pena da sua asa esquerda deve ser arrancada e preservada para a utilização em devido tempo. Os olhos devem ser arrancados, o mesmo quanto à lingua e ao coração; esses devem ser secos ao sol e depois reduzidos a pó. Os restos devem...”

Creio que já chega.

Isto não é de modo nenhum paganismo. É disparate, demência e crime. E, acredita, é algo muito parecido com o que eu acabei de transcrever, retirado deste ou de outro das centenas de grimoires medievais, que esteve na origem dos rituais cujos vestígios mostras.

Para terminar, quero ainda dizer que eu acredito que a Magia no seu significado belo e original foi (e é) sinónimo de sabedoria. Mas a verdadeira Magia certamente não possui nenhuma ligação causal com os vestígios que aparecem nas tuas fotografias.»

O que é então o meu paganismo? Bem, sobre isto já muito escrevi por aqui, basta ver alguns dos posts dentro do tópico Caminhos. Ainda assim, gostaria de voltar a alguns conceitos, mostrando aquilo que significam para mim, mesmo que seja através as mesmas ideias, já tantas vezes expressas, quer neste blog quer noutros lugares. Volto a repetir que não se trata de definições, é apenas aquilo que estes conceitos significam para mim.

Magia

Para mim, a Magia é, acima de tudo, a Arte da integração com o mundo, um mago é aquele que se integra na natureza de um modo absoluto, como se fosse um lobo ou uma árvore. Só aquando da sua absoluta integração na natureza é que o mago é mago. Ao se integrar na natureza o mago reencontra-se, volta à realidade imanente, à sua verdadeira natureza. E transforma-se, transformando o mundo à sua volta, isto é, transforma o SEU mundo

Rituais

Na minha perspectiva, a ritualização visa acima de tudo libertar-nos do espaço/tempo profano. É como se existisse uma linha temporal paralela, que chamaríamos de espaço/tempo mágico ou sagrado, onde um ritual é solidário a qualquer outro ritual, ainda que separado no espaço/tempo profano. A utilização dos símbolos e de certas palavras é o meio pelo qual tento comunicar com o inconsciente, tentando a partir dali alcançar o inconsciente colectivo, ou a memória de espécie. E, através desta, o espaço/tempo sagrado.

Assim, penso que os rituais têm como objectivo devolver, ainda que por instantes, o homem à sua natureza intrínseca. Há muitas diferenças entre os rituais de natureza transcendente e de natureza imanente, residindo talvez a principal no facto de não haver uma verdadeira experiência imanente sem a intervenção dos sentidos...

Quatro Elementos

Para mim, Ar, Fogo, Água e Terra são diferentes manifestações da natureza, mas não a realidade de que derivam os seus nomes. São as quatro não-substâncias básicas que formam toda a substância (em diferentes proporções), toda a matéria, incluindo nós próprios. Quando os invocamos, invocamos o campo de todas as possibilidades onde podemos trabalhar a matéria-prima do universo e onde somos também nós seres criadores.

Citando Deepak Chopra: "A diferença entre uma coisa material e outra coisa material – por exemplo, a diferença entre um átomo de chumbo e um átomo de ouro – não se estabelece a nível da matéria. As partículas subatómicas, como os protões, os electrões, os quarks e os bosões que formam um átomo de ouro ou de chumbo são exactamente as mesmas. Além disso, embora lhes chamemos partículas, eles não são coisas materiais; constituem impulsos de energia e informação. Aquilo que torna o ouro diferente do chumbo é a organização e a quantidade desses impulsos de energia e informação.
Tudo na criação material se estrutura através de informação e energia. Todas as ocorrências quânticas constituem basicamente flutuações de energia e informação. E esses impulsos de energia e informação constituem a não-substância que forma tudo aquilo que consideramos substância ou matéria."

Deuses

Um dos mais belos pensamentos Taoistas diz o seguinte: "Aja com a força concentrada do masculino e conserve a suavidade alimentadora do feminino. Abrace a mágica e harmoniosa dança destes opostos e aprecie a sua dinâmica fusão no seu ser."

O modo como nos relacionamos com os deuses, quer trabalhando com eles internamente, na qualidade de arquétipos, quer atribuindo-lhes uma existência exterior a nós e cultuando-os, é sempre um processo pessoal, profundamente íntimo, sobre o qual não há muito a dizer.

O cristianismo relevou a face masculina de Deus e esqueceu a face feminina... e eu esforço-me por também cultura a Deusa. Contudo, para mim, mesmo Deus e Deusa são meros rótulos, sei bem que a natureza divina não é cognoscível.

Roda do Ano

Porquê viver a passagem do tempo, as estações, as mudanças no mundo e os ritmos cósmicos? Porquê valorizá-los? Antes de mais, porque acredito que, como seres da natureza, participamos das mudanças na própria natureza. Assim, é importante que sintamos o Inverno e o Verão, a chuva e o sol. É importante que tenhamos momentos determinados para reviver a primavera do mundo. É importante que sejamos capazes de nos regenerar e participar na regeneração do cosmos.

Festividades Celtas

Celebro as festas pagãs e de influência celta, misturando um certo e necessário revivalismo moderno, com uma verdadeira tradição, daqui, destas gentes e lugares. Uma tradição que, por assim dizer, faz parte da minha herança cultural

A tradição celta, por estar inscrita no quadro de uma civilização que rejeitava a escrita, é conhecida através de outras civilizações, não havendo acesso directo à fonte, à origem. E a interpretação que é feita é de acordo com a visão de alguém que vive no século XXI, outro tempo e outro mundo.

Assim, por mais que eu procure os sinais, que tente conhecer os antigos mitos, que procure em alguns rituais cristianizados o velho culto, tudo isso é sempre sujeito a uma interpretação, a minha interpretação, de acordo com o meu saber e o meu sentir. E nunca poderá ser mais do que isso.

Mas, quando recrio, à minha maneira, no meu tempo e no meu mundo, as festas celtas da roda do ano estou a fazer aquilo que posso para que antigas tradições voltem, por amor e respeito por uma antiga religião, mesmo que desse antigo culto só tenha um vislumbre e eu não seja capaz de o intuir ou compreender na sua totalidade.

Para terminar, resta dizer que quando talho o círculo na clareira de uma antiga floresta, debaixo de carvalhos sagrados, isso é apenas a minha religião.

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