"... A fé cria, de certo modo, o seu objecto. E a fé em Deus consiste em criar Deus e, como é Deus quem nos dá a fé n'Ele, é Deus que se está a criar a si mesmo, continuamente, em nós próprios."
Miguel de Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida.
A Demoniac by Joseph Middeleer, 1893.
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Tuesday, February 21, 2006
Friday, February 17, 2006
Miguel de Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida
"Aumentando o amor, esta ânsia ardorosa de ir mais longe e mais fundo vai-se estendendo a tudo o que se vê, a tudo o que se vai compadecendo de tudo. À medida que vais penetrando em ti mesmo, e mais fundo desces em ti mesmo, vais descobrindo a tua própria futilidade, que não és tudo o que não és, que não és o que gostarias de ser, que, em suma, não és mais do que uma ninharia. E ao tocares no teu próprio nada, ao não sentires o teu fundo permanente, ao não atingires nem a tua própria infinitude nem, mesmo, a tua eternidade, tendo lástima de todo o coração a ti próprio, inflamas-te em doloroso amor por ti mesmo, matando o que se chama amor-próprio, e não é mais do que uma espécie de deleite sensual de ti mesmo, algo assim como a carne da tua alma a gozar-se a si mesma.
O amor espiritual a si mesmo, a compaixão que uma pessoa adquire para consigo própria, poderá, porventura, chamar-se de egotismo; mas é o que de mais oposto existe ao vulgar egoísmo. Porque deste amor ou compaixão de ti próprio, deste intenso desespero, porque, do mesmo modo que não eras antes de nasceres, também depois de morreres não serás, passas a ter compaixão, isto é, a amar todos os teus semelhantes e irmãos, em aparência miseráveis sombras que desfilam do seu nada ao seu nada, chispas de consciência que brilham um momento nas infinitas e eternas trevas. E dos demais homens, teus semelhantes, passando pelos que são mais semelhantes a ti, pelos que contigo convivem, vais-te compadecer de todos os que vivem, e até daquilo que, porventura, não vive, mas existe. Aquela longínqua estrela que brilha durante a noite, lá no alto, há-de apagar-se algum dia, e tornar-se-á pó, e deixará de brilhar e de existir. E, como ela, todo o céu estrelado. Pobre céu!
E se é doloroso ter de deixar de ser algum dia, mais doloroso seria, talvez, continuar a ser sempre o mesmo, e só o mesmo, sem poder ser outro ao mesmo tempo, sem poder ser ao mesmo tempo tudo o resto, sem poder ser tudo.
Se olhares para o universo do modo mais próximo e profundo que puderes olhar, que é em ti próprio; se sentires, e não só comtemplares, todas as coisas na tua consciência, onde todas elas deixaram a sua dolorosa marca, atingirás as profundezas do tédio da existência, o poço da vaidade das vaidades. E é assim como chegarás, a compadecer-te de tudo, ao amor universal.
Para amares tudo, para teres compaixão de tudo, do humano e extra-hunamo, do que vive e não vive, é necessário que sintas tudo dentro de ti mesmo, que personalizes tudo. Porque o amor personaliza tudo quanto ama, tudo aquilo de que se compadece. Só nos compadecemos, isto é, só amamos, o que se nos assemelha, e assim aumenta a nossa compaixão, e com ela o nosso amor pelas coisas, à medida que descobrimos as semelhanças que têm connosco. Ou, melhor, é o nosso próprio amor, que por si só tende a crescer, o que nos revela essas semelhanças. Se consigo compadecer-me e amar a pobre estrela que um dia desaparecerá do céu, é porque o amor, a compaixão, me faz sentir nela uma consciência, mais ou menos obscura, que a leva a sofrer por não ser mais do que uma estrela e por ter de deixar de o ser, um dia. Pois toda a consciência o é de morte e de dor.
Consciência, conscientia, é conhecimento partilhado, é consentimento, e con-sentir é con-padecer.
O amor personaliza tudo o que ama. Só é possível apaixonarmo-nos por uma ideia personalizando-a. E quando o amor é tão grande e tão vivo e tão forte e transbordante que tudo ama, então, ele tudo personaliza, e descobre que o Todo total, o Universo, também é Pessoa. Tem uma Consciência, Consciência que, por sua vez, sofre, se compadece e ama, isto é, é consciência. E esta Consciência do Universo, que o amor descobre personalizando tudo o que ama, é o que chamamos Deus. E assim a alma compadece-se de Deus e sente que Ele se compadece dela, ama-o e sente-se amada por Ele, dando abrigo à sua miséria no seio da miséria eterna e infinita, que é, ao eternizar-se e tornar-se infinita, a própria felicidade.
Deus é, pois, a personalização do Todo, é a Consciência eterna e infinita do Universo. Consciência presa da matéria e esforçando-se por se libertar dela. Personalizamos o Todo para nos salvarmos do Nada, e o único mistério verdadeiramente misterioso é o mistério da dor.
A dor é o caminho da consciência, e é por ela que os seres vivos atingem a consciência de si. Porque ter consciência de si mesmo, ter personalidade, é saber-se e sentir-se distinto dos outros seres, e só se consegue sentir essa distinção com o choque, com a dor maior ou menor, com a sensação do próprio limite. A consciência de si mesmo não é mais do que a consciência da própria limitação. Sinto-me eu mesmo ao sentir que não sou os outros; saber e sentir até onde sou é saber onde deixo de ser, e a partir de onde não sou.
E como saber que se existe não sofrendo nem muito nem pouco? Como voltar sobre si, lograr consciência reflexa, senão através da dor? Quando se tem prazer, esquecemo-nos de nós próprios, de que existimos, entramos noutra coisa, alienamo-nos. E só nos ensimesmamos, voltamos a nós próprios, a sermos nós, na dor."
p.s. Já agora, deixo o link para o lugar dos meus sonhos e devaneios: Clareirazinha. :)
O amor espiritual a si mesmo, a compaixão que uma pessoa adquire para consigo própria, poderá, porventura, chamar-se de egotismo; mas é o que de mais oposto existe ao vulgar egoísmo. Porque deste amor ou compaixão de ti próprio, deste intenso desespero, porque, do mesmo modo que não eras antes de nasceres, também depois de morreres não serás, passas a ter compaixão, isto é, a amar todos os teus semelhantes e irmãos, em aparência miseráveis sombras que desfilam do seu nada ao seu nada, chispas de consciência que brilham um momento nas infinitas e eternas trevas. E dos demais homens, teus semelhantes, passando pelos que são mais semelhantes a ti, pelos que contigo convivem, vais-te compadecer de todos os que vivem, e até daquilo que, porventura, não vive, mas existe. Aquela longínqua estrela que brilha durante a noite, lá no alto, há-de apagar-se algum dia, e tornar-se-á pó, e deixará de brilhar e de existir. E, como ela, todo o céu estrelado. Pobre céu!
E se é doloroso ter de deixar de ser algum dia, mais doloroso seria, talvez, continuar a ser sempre o mesmo, e só o mesmo, sem poder ser outro ao mesmo tempo, sem poder ser ao mesmo tempo tudo o resto, sem poder ser tudo.
Se olhares para o universo do modo mais próximo e profundo que puderes olhar, que é em ti próprio; se sentires, e não só comtemplares, todas as coisas na tua consciência, onde todas elas deixaram a sua dolorosa marca, atingirás as profundezas do tédio da existência, o poço da vaidade das vaidades. E é assim como chegarás, a compadecer-te de tudo, ao amor universal.
Para amares tudo, para teres compaixão de tudo, do humano e extra-hunamo, do que vive e não vive, é necessário que sintas tudo dentro de ti mesmo, que personalizes tudo. Porque o amor personaliza tudo quanto ama, tudo aquilo de que se compadece. Só nos compadecemos, isto é, só amamos, o que se nos assemelha, e assim aumenta a nossa compaixão, e com ela o nosso amor pelas coisas, à medida que descobrimos as semelhanças que têm connosco. Ou, melhor, é o nosso próprio amor, que por si só tende a crescer, o que nos revela essas semelhanças. Se consigo compadecer-me e amar a pobre estrela que um dia desaparecerá do céu, é porque o amor, a compaixão, me faz sentir nela uma consciência, mais ou menos obscura, que a leva a sofrer por não ser mais do que uma estrela e por ter de deixar de o ser, um dia. Pois toda a consciência o é de morte e de dor.
Consciência, conscientia, é conhecimento partilhado, é consentimento, e con-sentir é con-padecer.
O amor personaliza tudo o que ama. Só é possível apaixonarmo-nos por uma ideia personalizando-a. E quando o amor é tão grande e tão vivo e tão forte e transbordante que tudo ama, então, ele tudo personaliza, e descobre que o Todo total, o Universo, também é Pessoa. Tem uma Consciência, Consciência que, por sua vez, sofre, se compadece e ama, isto é, é consciência. E esta Consciência do Universo, que o amor descobre personalizando tudo o que ama, é o que chamamos Deus. E assim a alma compadece-se de Deus e sente que Ele se compadece dela, ama-o e sente-se amada por Ele, dando abrigo à sua miséria no seio da miséria eterna e infinita, que é, ao eternizar-se e tornar-se infinita, a própria felicidade.
Deus é, pois, a personalização do Todo, é a Consciência eterna e infinita do Universo. Consciência presa da matéria e esforçando-se por se libertar dela. Personalizamos o Todo para nos salvarmos do Nada, e o único mistério verdadeiramente misterioso é o mistério da dor.
A dor é o caminho da consciência, e é por ela que os seres vivos atingem a consciência de si. Porque ter consciência de si mesmo, ter personalidade, é saber-se e sentir-se distinto dos outros seres, e só se consegue sentir essa distinção com o choque, com a dor maior ou menor, com a sensação do próprio limite. A consciência de si mesmo não é mais do que a consciência da própria limitação. Sinto-me eu mesmo ao sentir que não sou os outros; saber e sentir até onde sou é saber onde deixo de ser, e a partir de onde não sou.
E como saber que se existe não sofrendo nem muito nem pouco? Como voltar sobre si, lograr consciência reflexa, senão através da dor? Quando se tem prazer, esquecemo-nos de nós próprios, de que existimos, entramos noutra coisa, alienamo-nos. E só nos ensimesmamos, voltamos a nós próprios, a sermos nós, na dor."
p.s. Já agora, deixo o link para o lugar dos meus sonhos e devaneios: Clareirazinha. :)
Wednesday, February 15, 2006
Um pensamento de Aldous Huxley
"Estava eu sentado, perto do mar, a ouvir com pouca atenção um amigo meu que falava arrebatadamente de um assunto qualquer, que me era apenas fastidioso. Sem ter consciência disso, pus-me a olhar para uma pequena quantidade de areia que entretanto apanhara com a mão; de súbito vi a beleza requintada de cada um daqueles pequenos grãos; apercebia-me de que cada pequena partícula, em vez de ser desinteressante, era feito de acordo com um padrão geométrico perfeito, com ângulos bem definidos, cada um deles dardejando uma luz intensa; cada um daqueles pequenos cristais tinha o brilho de um arco-íris... Os raios atravessavam-se uns aos outros, constituindo pequenos padrões, duma beleza tal que me deixava sem respiração... Foi então que, subitamente, a minha consciência como que se iluminou por dentro e percebi, duma forma viva, que todo o universo é feito de partículas de material, partículas que por mais desinteressantes ou desprovidas de vida que possam parecer, nunca deixam de estar carregadas daquela beleza intensa e vital. Durante um segundo ou dois, o mundo pareceu-me uma chama de glória. E uma vez extinta essa chama, ficou-me qualquer coisa que nunca mais esqueci que me faz pensar constantemente na beleza que encerra cada um dos mais ínfimos fragmentos de matéria à nossa volta."
The Summer Moon – Bait Gatherers by Charles Lees (1800-1880).
The Summer Moon – Bait Gatherers by Charles Lees (1800-1880).
Tuesday, February 14, 2006
Viagem Interior
Esta é a história do rabino Eisik, contada por Henrich Zimmer, e que eu encontrei num livro de Mircea Eliade. Vou transcrever:
"Esse piedoso rabino, Eisik de Cracóvia, teve um sonho que lhe mandava que fosse a Praga: aí, sob a grande ponte que leva ao castelo real, descobriria um tesouro escondido. O sonho repetiu-se três vezes, e o rabino decidiu-se a partir. Chegado a Praga, encontrou a ponte, mas guardada por sentinelas; Eisik não ousou investigar. Girando sempre pelos arredores, atraiu a atenção do capitão dos guardas; este perguntou-lhe amavelmente se perdera alguma coisa. Com ingenuidade, o rabino contou-lhe o seu sonho. O oficial explodiu em gargalhadas: «Realmente, homenzinho!», disse-lhe ele, «tu usaste os teus sapatos para percorrer todo este caminho simplesmente por causa de um sonho? Que pessoa, de posse da sua razão, acreditaria num sonho?» O próprio oficial ouvira uma voz em sonhos: «Falava-me de Cracóvia, ordenando-me que fosse lá e procurasse um grande tesouro na casa de um rabino cujo nome era Eisik, filho de Jekel. O tesouro devia ser descoberto num recanto poeirento, onde estava enterrado por detrás do fogão.» Mas o oficial não tinha qualquer fé nas vozes escutadas em sonhos: era uma pessoa de juízo. O rabino inclinou-se profundamente, agradeceu-lhe e apressou-se a regressar a Cracóvia. Cavou no canto abandonado da casa e descobriu o tesouro que pôs fim à sua miséria."
E agora os comentários de Heirich Zimmer: "Assim, o verdadeiro tesouro, o que põe fim à nossa miséria e às nossas provações, nunca está muito longe, não é preciso ir buscá-lo a um país longínquo, jaz enterrado nos recessos mais íntimos da nossa própria casa, isto é, do nosso próprio ser. Está atrás do fogão, o centro que fornece de vida e calor, que comanda a nossa existência, o coração do nosso coração, se soubermos cavar. Mas há então o facto estranho e constante de que é só após uma viagem piedosa a uma região longínqua, num país estrangeiro, sobre nova terra, que o significado dessa voz interior que guia a nossa procura poderá revelar-se-nos. E a esse facto estranho e constante junta-se outro: aquele que nos revela o sentido da nossa misteriosa viagem interior deve ser, ele mesmo, um estrangeiro, doutra crença ou de outra cultura."
"Esse piedoso rabino, Eisik de Cracóvia, teve um sonho que lhe mandava que fosse a Praga: aí, sob a grande ponte que leva ao castelo real, descobriria um tesouro escondido. O sonho repetiu-se três vezes, e o rabino decidiu-se a partir. Chegado a Praga, encontrou a ponte, mas guardada por sentinelas; Eisik não ousou investigar. Girando sempre pelos arredores, atraiu a atenção do capitão dos guardas; este perguntou-lhe amavelmente se perdera alguma coisa. Com ingenuidade, o rabino contou-lhe o seu sonho. O oficial explodiu em gargalhadas: «Realmente, homenzinho!», disse-lhe ele, «tu usaste os teus sapatos para percorrer todo este caminho simplesmente por causa de um sonho? Que pessoa, de posse da sua razão, acreditaria num sonho?» O próprio oficial ouvira uma voz em sonhos: «Falava-me de Cracóvia, ordenando-me que fosse lá e procurasse um grande tesouro na casa de um rabino cujo nome era Eisik, filho de Jekel. O tesouro devia ser descoberto num recanto poeirento, onde estava enterrado por detrás do fogão.» Mas o oficial não tinha qualquer fé nas vozes escutadas em sonhos: era uma pessoa de juízo. O rabino inclinou-se profundamente, agradeceu-lhe e apressou-se a regressar a Cracóvia. Cavou no canto abandonado da casa e descobriu o tesouro que pôs fim à sua miséria."
E agora os comentários de Heirich Zimmer: "Assim, o verdadeiro tesouro, o que põe fim à nossa miséria e às nossas provações, nunca está muito longe, não é preciso ir buscá-lo a um país longínquo, jaz enterrado nos recessos mais íntimos da nossa própria casa, isto é, do nosso próprio ser. Está atrás do fogão, o centro que fornece de vida e calor, que comanda a nossa existência, o coração do nosso coração, se soubermos cavar. Mas há então o facto estranho e constante de que é só após uma viagem piedosa a uma região longínqua, num país estrangeiro, sobre nova terra, que o significado dessa voz interior que guia a nossa procura poderá revelar-se-nos. E a esse facto estranho e constante junta-se outro: aquele que nos revela o sentido da nossa misteriosa viagem interior deve ser, ele mesmo, um estrangeiro, doutra crença ou de outra cultura."
Tuesday, February 07, 2006
Imanência versus Transcendência
Apontando directamente para o coração humano,
olhando profundamente para a verdadeira natureza do ser,
estamos a ser instantaneamente iluminados!
Na senda da espiritualidade, sigo o meu próprio caminho que, acima de tudo, se define pela tentativa de olhar cada coisa e ver a sua própria realidade. A sua realidade diferente, isto é, única e distinta do todo. Assim, o meu caminho é o caminho da procura da inocência. Da visão inocente. Mas quem vê inocentemente? Aquele que vê para lá dos rótulos. Aquele que vê a realidade intrínseca de cada coisa. Aquele que vê a realidade tanto na sua natureza transcendente, como na sua natureza imanente.
Sei bem que estamos mais habituados a lidar com um caminho espiritual que não procura a realidade inerente ao homem, mas sim a realidade que o transcende. A questão é: afinal o que é que nós vemos, se apenas nos concentrarmos no transcendente?
Os cristãos crêem que o mundo é uma criação de Deus. Pronto, temos todas as coisas devidamente rotuladas. Que pode, então, um cristão ver? Nada para além da própria criação. O cristão dá a cada elemento do mundo não o seu próprio e intrínseco valor, mas o valor que está subjacente ao facto de ser uma criação de Deus. Na realidade, tudo começa e acaba aí. O cristão vê, a cada instante, a transcendência. E mais nada.
O budismo faz algo muito parecido, embora sem a "ajuda" de Deus. Ao assumir que cada elemento é indissociável do todo, já não pode ver o elemento em si. Vê apenas a sua participação no todo. Vê também, a cada instante, a transcendência. E mais nada.
Vejamos o que nos diz a este respeito o Sutra Imutável: "Os fenómenos da vida podem comparar-se a um sonho, a um fantasma, a uma bolha de ar, a uma sombra, ao orvalho cintilante, ao brilho do relâmpago, e é assim que os devemos contemplar."
Na verdade, tanto os cristãos como os budistas procuram, não a realidade intrínseca ao próprio homem, mas a realidade que transcende o homem. Assim, podemos dizer que cheguem onde chegarem, nunca chegarão à verdadeira natureza humana, pois o seu caminho começa logo por transcender essa mesma natureza humana.
Assim, no cristianismo temos um êxtase onde o espírito se transcende a si próprio em Deus; no budismo temos um êxtase onde o espírito se transcende a si próprio em si. Mas, em ambos, temos a transcendência. A necessidade da transcendência...
O que está na origem da necessidade da transcendência? O conceito de imperfeição. O homem sendo imperfeito, necessita de se transcender para chegar à perfeição. Bom, mas e se o homem já for perfeito e apenas viver a ilusão da imperfeição?
Pois, se o homem já for perfeito, não precisa de se libertar da ilusão da imperfeição pelo caminho da transcendência, precisa do caminho da imanência. Isto é, do regresso à sua verdadeira natureza, à sua essência. Mas sem perder as suas qualidades humanas. Digamos que o homem atingiria então a perfeição, através do verdadeiro conhecimento da sua própria natureza humana, sem contudo perder essa mesma natureza.
Neste caso, teríamos a absoluta integração do homem com a natureza a que pertence, mas sempre como elemento humano. Preservaríamos a sua natureza humana. Dito de outra forma, o homem perfeito integra-se na natureza perfeita, mas integra-se mantendo a sua qualidade humana intrínseca que é, aliás, onde reside a sua perfeição.
O Homem, no seu estado humano perfeito, vê a perfeita natureza.
Este é o caminho da espiritualidade que vem com a vida, com a vida quotidiana concreta... A mão que abre a janela para deixar entrar a luz na casa e dentro de nós. O alimento que se cozinha amorosamente e amorosamente se recebe, como uma dádiva da vida. A espiritualidade que está em cada olhar, em cada sorriso, em cada rosto, quando vemos de facto cada rosto e cada sorriso e cada olhar. Quando os vemos por aquilo que são. Quando aquele olhar é para nós todo o universo. Quando vemos o divino na sua qualidade imanente.
Mas, por outro lado, sinto que também preciso da união com o cosmos, preciso fundir-me com o próprio Universo. E esse é o caminho da transcendência. Espalhamo-nos pelo universo e sentimos outro nível de espiritualidade. Encontramos o divino na sua qualidade transcendente.
Assim, sigo a via do meio, mas dou mais relevo à via imanente. Sigo o caminho que começa em todo o lado e a cada instante, e não termina em lugar nenhum. Todavia, conduz a um lugar verdadeiro...
p.s. este é um texto antigo, um dos primeiros posts que coloquei nos foruns do sapo. Aqui fica, de novo, devidamente reciclado. :)
olhando profundamente para a verdadeira natureza do ser,
estamos a ser instantaneamente iluminados!
Na senda da espiritualidade, sigo o meu próprio caminho que, acima de tudo, se define pela tentativa de olhar cada coisa e ver a sua própria realidade. A sua realidade diferente, isto é, única e distinta do todo. Assim, o meu caminho é o caminho da procura da inocência. Da visão inocente. Mas quem vê inocentemente? Aquele que vê para lá dos rótulos. Aquele que vê a realidade intrínseca de cada coisa. Aquele que vê a realidade tanto na sua natureza transcendente, como na sua natureza imanente.
Sei bem que estamos mais habituados a lidar com um caminho espiritual que não procura a realidade inerente ao homem, mas sim a realidade que o transcende. A questão é: afinal o que é que nós vemos, se apenas nos concentrarmos no transcendente?
Os cristãos crêem que o mundo é uma criação de Deus. Pronto, temos todas as coisas devidamente rotuladas. Que pode, então, um cristão ver? Nada para além da própria criação. O cristão dá a cada elemento do mundo não o seu próprio e intrínseco valor, mas o valor que está subjacente ao facto de ser uma criação de Deus. Na realidade, tudo começa e acaba aí. O cristão vê, a cada instante, a transcendência. E mais nada.
O budismo faz algo muito parecido, embora sem a "ajuda" de Deus. Ao assumir que cada elemento é indissociável do todo, já não pode ver o elemento em si. Vê apenas a sua participação no todo. Vê também, a cada instante, a transcendência. E mais nada.
Vejamos o que nos diz a este respeito o Sutra Imutável: "Os fenómenos da vida podem comparar-se a um sonho, a um fantasma, a uma bolha de ar, a uma sombra, ao orvalho cintilante, ao brilho do relâmpago, e é assim que os devemos contemplar."
Na verdade, tanto os cristãos como os budistas procuram, não a realidade intrínseca ao próprio homem, mas a realidade que transcende o homem. Assim, podemos dizer que cheguem onde chegarem, nunca chegarão à verdadeira natureza humana, pois o seu caminho começa logo por transcender essa mesma natureza humana.
Assim, no cristianismo temos um êxtase onde o espírito se transcende a si próprio em Deus; no budismo temos um êxtase onde o espírito se transcende a si próprio em si. Mas, em ambos, temos a transcendência. A necessidade da transcendência...
O que está na origem da necessidade da transcendência? O conceito de imperfeição. O homem sendo imperfeito, necessita de se transcender para chegar à perfeição. Bom, mas e se o homem já for perfeito e apenas viver a ilusão da imperfeição?
Pois, se o homem já for perfeito, não precisa de se libertar da ilusão da imperfeição pelo caminho da transcendência, precisa do caminho da imanência. Isto é, do regresso à sua verdadeira natureza, à sua essência. Mas sem perder as suas qualidades humanas. Digamos que o homem atingiria então a perfeição, através do verdadeiro conhecimento da sua própria natureza humana, sem contudo perder essa mesma natureza.
Neste caso, teríamos a absoluta integração do homem com a natureza a que pertence, mas sempre como elemento humano. Preservaríamos a sua natureza humana. Dito de outra forma, o homem perfeito integra-se na natureza perfeita, mas integra-se mantendo a sua qualidade humana intrínseca que é, aliás, onde reside a sua perfeição.
O Homem, no seu estado humano perfeito, vê a perfeita natureza.
Este é o caminho da espiritualidade que vem com a vida, com a vida quotidiana concreta... A mão que abre a janela para deixar entrar a luz na casa e dentro de nós. O alimento que se cozinha amorosamente e amorosamente se recebe, como uma dádiva da vida. A espiritualidade que está em cada olhar, em cada sorriso, em cada rosto, quando vemos de facto cada rosto e cada sorriso e cada olhar. Quando os vemos por aquilo que são. Quando aquele olhar é para nós todo o universo. Quando vemos o divino na sua qualidade imanente.
Mas, por outro lado, sinto que também preciso da união com o cosmos, preciso fundir-me com o próprio Universo. E esse é o caminho da transcendência. Espalhamo-nos pelo universo e sentimos outro nível de espiritualidade. Encontramos o divino na sua qualidade transcendente.
Assim, sigo a via do meio, mas dou mais relevo à via imanente. Sigo o caminho que começa em todo o lado e a cada instante, e não termina em lugar nenhum. Todavia, conduz a um lugar verdadeiro...
p.s. este é um texto antigo, um dos primeiros posts que coloquei nos foruns do sapo. Aqui fica, de novo, devidamente reciclado. :)
Wednesday, February 01, 2006
Festival das Luzes
Nesta noite de 1 para 2 de Fevereiro, celebro Imbolc, o primeiro festival da primavera. Neste festival, que se há-de prolongar já no dia 2, cultuo a promessa da primavera da vida, na natureza e em mim. Repara que a primavera ainda não aconteceu verdadeiramente, contudo já a celebro. Celebro a vida que renasce e que acredito vigorará cheia de força. Sim, celebro a promessa da primavera... celebro a minha capacidade de acreditar... :)
Neste sabbat das luzes, em honra da luz que cresce, acenderei algumas velas, acreditando que com esse gesto dou força à ainda jovem luz do mundo... e dou também força àquilo que quero que aconteça e ainda não aconteceu, dou força à minha fé... :)
Que mais? Olha, eu preparo uma atmosfera festiva com motivos alegres e até um pouco infantis, pois neste festival celebra-se o símbolo arquetípico da criança... que nasceu no solstício de inverno e agora brinca e cresce cheia de vida. :)
Claro que não esqueço uma sobremesa à base de leite ou natas, pois foi a lua do leite das ovelhas que deu origem e nome ao sabbat. :) E pronto, é só isso.
Em Imbolc, o ritual cumpre-se se formos capazes de celebrar a criança que há em nós, e se simplesmente nos lembrarmos da luz do mundo que cresce e da natureza que floresce... :)
Termino com uma frase de Richard Bach, em Fernão Capelo Gaivota:
Sonha o que te atreveres a sonhar.
Sê o que quiseres ser.
Vai onde quiseres ir.
Vive.
Neste sabbat das luzes, em honra da luz que cresce, acenderei algumas velas, acreditando que com esse gesto dou força à ainda jovem luz do mundo... e dou também força àquilo que quero que aconteça e ainda não aconteceu, dou força à minha fé... :)
Que mais? Olha, eu preparo uma atmosfera festiva com motivos alegres e até um pouco infantis, pois neste festival celebra-se o símbolo arquetípico da criança... que nasceu no solstício de inverno e agora brinca e cresce cheia de vida. :)
Claro que não esqueço uma sobremesa à base de leite ou natas, pois foi a lua do leite das ovelhas que deu origem e nome ao sabbat. :) E pronto, é só isso.
Em Imbolc, o ritual cumpre-se se formos capazes de celebrar a criança que há em nós, e se simplesmente nos lembrarmos da luz do mundo que cresce e da natureza que floresce... :)
Termino com uma frase de Richard Bach, em Fernão Capelo Gaivota:
Sonha o que te atreveres a sonhar.
Sê o que quiseres ser.
Vai onde quiseres ir.
Vive.