Apontando directamente para o coração humano,
olhando profundamente para a verdadeira natureza do ser,
estamos a ser instantaneamente iluminados!
Na senda da espiritualidade, sigo o meu próprio caminho que, acima de tudo, se define pela tentativa de olhar cada coisa e ver a sua própria realidade. A sua realidade diferente, isto é, única e distinta do todo. Assim, o meu caminho é o caminho da procura da inocência. Da visão inocente. Mas quem vê inocentemente? Aquele que vê para lá dos rótulos. Aquele que vê a realidade intrínseca de cada coisa. Aquele que vê a realidade tanto na sua natureza transcendente, como na sua natureza imanente.
Sei bem que estamos mais habituados a lidar com um caminho espiritual que não procura a realidade inerente ao homem, mas sim a realidade que o transcende. A questão é: afinal o que é que nós vemos, se apenas nos concentrarmos no transcendente?
Os cristãos crêem que o mundo é uma criação de Deus. Pronto, temos todas as coisas devidamente rotuladas. Que pode, então, um cristão ver? Nada para além da própria criação. O cristão dá a cada elemento do mundo não o seu próprio e intrínseco valor, mas o valor que está subjacente ao facto de ser uma criação de Deus. Na realidade, tudo começa e acaba aí. O cristão vê, a cada instante, a transcendência. E mais nada.
O budismo faz algo muito parecido, embora sem a "ajuda" de Deus. Ao assumir que cada elemento é indissociável do todo, já não pode ver o elemento em si. Vê apenas a sua participação no todo. Vê também, a cada instante, a transcendência. E mais nada.
Vejamos o que nos diz a este respeito o Sutra Imutável: "Os fenómenos da vida podem comparar-se a um sonho, a um fantasma, a uma bolha de ar, a uma sombra, ao orvalho cintilante, ao brilho do relâmpago, e é assim que os devemos contemplar."
Na verdade, tanto os cristãos como os budistas procuram, não a realidade intrínseca ao próprio homem, mas a realidade que transcende o homem. Assim, podemos dizer que cheguem onde chegarem, nunca chegarão à verdadeira natureza humana, pois o seu caminho começa logo por transcender essa mesma natureza humana.
Assim, no cristianismo temos um êxtase onde o espírito se transcende a si próprio em Deus; no budismo temos um êxtase onde o espírito se transcende a si próprio em si. Mas, em ambos, temos a transcendência. A necessidade da transcendência...
O que está na origem da necessidade da transcendência? O conceito de imperfeição. O homem sendo imperfeito, necessita de se transcender para chegar à perfeição. Bom, mas e se o homem já for perfeito e apenas viver a ilusão da imperfeição?
Pois, se o homem já for perfeito, não precisa de se libertar da ilusão da imperfeição pelo caminho da transcendência, precisa do caminho da imanência. Isto é, do regresso à sua verdadeira natureza, à sua essência. Mas sem perder as suas qualidades humanas. Digamos que o homem atingiria então a perfeição, através do verdadeiro conhecimento da sua própria natureza humana, sem contudo perder essa mesma natureza.
Neste caso, teríamos a absoluta integração do homem com a natureza a que pertence, mas sempre como elemento humano. Preservaríamos a sua natureza humana. Dito de outra forma, o homem perfeito integra-se na natureza perfeita, mas integra-se mantendo a sua qualidade humana intrínseca que é, aliás, onde reside a sua perfeição.
O Homem, no seu estado humano perfeito, vê a perfeita natureza.
Este é o caminho da espiritualidade que vem com a vida, com a vida quotidiana concreta... A mão que abre a janela para deixar entrar a luz na casa e dentro de nós. O alimento que se cozinha amorosamente e amorosamente se recebe, como uma dádiva da vida. A espiritualidade que está em cada olhar, em cada sorriso, em cada rosto, quando vemos de facto cada rosto e cada sorriso e cada olhar. Quando os vemos por aquilo que são. Quando aquele olhar é para nós todo o universo. Quando vemos o divino na sua qualidade imanente.
Mas, por outro lado, sinto que também preciso da união com o cosmos, preciso fundir-me com o próprio Universo. E esse é o caminho da transcendência. Espalhamo-nos pelo universo e sentimos outro nível de espiritualidade. Encontramos o divino na sua qualidade transcendente.
Assim, sigo a via do meio, mas dou mais relevo à via imanente. Sigo o caminho que começa em todo o lado e a cada instante, e não termina em lugar nenhum. Todavia, conduz a um lugar verdadeiro...
p.s. este é um texto antigo, um dos primeiros posts que coloquei nos foruns do sapo. Aqui fica, de novo, devidamente reciclado. :)
Olá, vim através do Ul e é com prazer que leio este texto, aliás com bastante gosto que (re)leio pensamentos sobre a vida. Também penso muitas vezes no significado das afinidades que nos unem e mto sinceramente ainda não cheguei a grandes conclusões, talvez essa seja mesmo a grande lição...Não sei!!!
ReplyDeleteFiquei com a ideia (talvez errada mas vou ler mais tarde e com mais atenção o texto uma vez mais) que acreditas em diferentes planos de existência ou em estados paralelos da realidade. Também tendo para acreditar como uma variável possível mas não faço uma distinção entre as partes porque acredito na sua relação intrínseca e que só somos "completos" quando assim compreendidas e entendidas.
Um abraço forte e vou voltar :-)