1. Factor genético: em primeiro lugar, estudos recentes demonstraram que a componente genética da população ocidental das actuais ilhas Britânicas é a mesma que a do Noroeste da Península Ibérica: o mapa do ADN, elaborado há pouco tempo pela equipa oxfordiana de Bryan Sykes, não deixa quaisquer dúvidas a esse respeito (Sykes, 2006).
2. Factor lendário: as lendas, atestadas na época irlandesa antiga, referentes à proveniência dos povos irlandeses da Península Ibérica não podem ser interpretadas como testemunho de uma autêntica colonização (relativamente à qual não existe o mínimo vestígio arqueológico), mas como vestígios de uma comum identidade cultural e linguística original, anterior à separação da actual ilha irlandesa do continente: portanto, não foi a deslocação migratória de homens a provocar a sua separação, mas sim uma deslocação tectónica de terras.
3. Factor arqueológico-cultural: relativamente à homogeneidade irlandesa, britânica e do Norte da Espanha, existe uma prova irrefutável de tipo arqueológico-cultural: se, na Europa, se observar a distribuição de determinados objectos arqueológicos, descobre-se que alguns deles pertencem exclusivamente a esse território, antigamente coeso, que compreende a Galiza, a Espanha do Noroeste, a Bretanha, a Irlanda, Gales e a Escócia: isto é observável, em particular, na distribuição geográfica de achados, tais como os torques de oiro e os caldeirões.
No que respeita aos primeiros, encontraram-se na Galiza cerca de 150, 90 por cento dos quais achados junto à costa (cf. Monteagudo, 1952; Prieto Molina, 1996; Fernandez Carballo, 2001). Trata-se de objectos de oiro, com muitas semelhanças com os da Irlanda, da Bretanha e de Gales (em contraste com os manufacturados em prata, na região mediterrânica (Queiroga, 1987; Castro Perez, 1992).
No que respeita aos caldeirões de bronze, estes são objectos típicos, em particular, da Irlanda ocidental; a peculiaridade dos galegos é o facto de a sua decoração ser praticamente idêntica à dos caldeirões encontrados na Finisterra bretã (Almeida, 1980). A propósito dos torques e dos caldeirões galegos, Barry Cunliffe menciona especificamente uma «unidade cultural atlântica» (Cunliffe, 2001). Em seguida, no plano arquitectónico, à mesma região homogénea pertencem estruturas defensivas, tais como os cavalos de frisa, pedras defensivas colocadas diante de muralhas (também presentes na Alemanha, no entanto), ou «monumentos», tais como as estátuasmenires: estas últimas existem significativamente na Galiza sob as três formas de expressão conhecidas na zona atlântica, sendo não só estátuas de guerreiros (como os que se encontram igualmente na região occitana e tirrenaica), mas também estátuas de divindades masculinas sentadas e estátuas de divindades femininas: referem-se as de Logrosa e Carabeles (Coruña), de Límia e Pedrafita (Orense); esta pluralidade de expressões, quando especialmente
confrontada com testemunhos fragmentados do fenómeno surgido noutras regiões, indicia evidentemente a sua proveniência originária da região em apreço.
4. Factor mitológico-religioso: no resumo do historiador latino Floro, sobre a invasão romana da Galécia, lemos que os soldados de Bruto, ao passarem o rio Lima, entraram em pânico ao contemplarem o Sol poente que nele se reflectia, causando, além disso, o aumento das águas. Esta passagem pode relacionar-se com o relato de Estrabão referente a um misterioso promontório, local de culto entre uma população céltica do Sudoeste da Península Ibérica – portanto sempre na costa atlântica: quatro grandes pedras estavam orientadas na direcção do Sol poente e eram banhadas pela água do mar, causando a subida das próprias águas e fazendo do lugar um espaço sagrado inacessível (García Quintela, 1997). Esse mesmo local (cabo de São Vicente) é descrito pelo historiador medieval árabe Idrisi como a «igreja dos corvos», porque a presença de misteriosos corvos tê-lo-ia preservado de eventuais invasões. Trata-se de uma lenda idêntica à narrada no Mabinogi galês de Branwen, na qual a cabeça do deus Bran (o corvo) protege Gales de eventuais invasões, e reflectida também na história de Brennos, o chefe que saqueou o santuário de Delfos em 279 a. C e dos seus restos expostos frente ao mar – segundo Pausânias – que protegeram os Volcos Tectosagos de Tolosa das incursões romanas (Benozzo, 2006a, 2006c). Pode acrescentar-se que nos arredores de Pontevedra, durante as escavações de 2003, foi encontrada uma das mais importantes inscrições votivas, dedicada ao Deus Larius Breus Brus Sanctus; não parecem restar dúvidas sobre a identificação desta divindade com uma figura mitológica ligada a Brennos/Bran, o deus-corvo da mitologia céltica (a queda do -n- é uma tendência arcaica bem documentada também na toponomástica da Galiza: recorda-se os casos de Tena > Tea, Taranes >Taraes, *Abellanetum > Abelaído, Tardenatus > Tardeado, Tredones > Trios: cf. Bascuas, 2006, p. 366). Trata-se de uma divindade cujo culto demonstra ligação com crenças das populações circumpolares e que deve remontar – tal como argumentámos numa obra recente (Benozzo, 2007a) – a um período certamente anterior ao Mesolítico.
Ainda no âmbito das referências mitológico-religiosas, cumpre assinalar os «santuários solares» (ou melhor, «solsticiais») de que se descobriram vestígios, recentemente, perto dos cumes das montanhas, frente ao oceano (cf. García Quintela et al. 2003, García Quintela, Santos Estevéz, 2006). Trata-se dos santuários de Corme, Pedrafita, Fentans em Campolameiro, e O Raposo. Nestas construções encontram-se buracos nas rochas, através dos quais (como recentemente demonstrou Gonzalez-Ruibal) ao pôr do Sol dos dias 1 de Agosto e 1 de Novembro (isto é, nos dias das mais conhecidas festividades do calendário céltico: Lugnasad e Samhain), os raios de luz vêm iluminar um ponto interior do «santuário» onde devia ter existido um túmulo. (...) A analogia com o santuário «atlântico» irlandês de Newgrange é deveras impressionante. (...)De facto, dificilmente se pode pensar que fenómenos complexos como os de Newgrange, na Irlanda (datado de 2475 a. C.), ou os destes santuários galegos tivessem surgido por via poligenética; é mais verosímil afirmar que deveriam pertencer a uma civilização coesa, isto é, anterior à separação das ilhas do continente.
5. Megalitismo
5.1. Com as estátuas-menires e, sobretudo, com os «santuários solsticiais» aproximamo-nos de um argumento crucial para a nossa exposição: o do megalitismo galego no contexto do megalitismo europeu. Os megalitos galegos, (os conhecidos até hoje são mais de 5000) representam, a seguir aos da Bretanha, os exemplos mais antigos de sepulturas monumentais colectivas. A importância dos megalitos para a pré-história europeia é enorme e ainda alcançou mais importância quando a revolução do radiocarbono demonstrou que estas construções europeias são francamente mais antigas do que as orientais egípcias e gregas e que devem ser consideradas como uma expressão europeia originária e não importada. A área de distribuição dos megalitos europeus é preponderantemente marítima e, à excepção do Sul da Itália, onde também estão presentes, poder-se-iam definir como uma expressão da cultura atlântica.
A área compacta e as características unitárias do megalitismo não permitem, por isso, dar-lhe uma explicação com base poligenética; é, assim, legítimo e sensato admitir um centro original, com uma ou mais áreas de reelaboração. De acordo com a Teoria da Continuidade, a província megalítica está correlacionada com a região céltica de um modo absolutamente elementar: de facto, basta observar que a Irlanda, inteiramente céltica, é toda megalítica (com monumentos datados de 3700 a. C.); que, na Grã-Bretanha, as áreas de máxima densidade megalítica são as célticas de Gales, da Cornualha e da Escócia (também aqui os megalitos mais antigos são do IV milénio) e que, em França, tal como já dissemos, estão presentes os primeiros megalitos europeus e estão presentes na sua zona mais céltica, ou seja, a Bretanha, onde remontam à primeira metade do V milénio, isto é, a uma época ainda mesolítica. É, portanto, uma consequência lógica pensar que a região céltica tenha sido o centro, e as outras (como o Sul de Itália) tenham sido áreas de difusão secundária. Desta região originária, como temos vindo a verificar, deveria fazer parte também a Galiza onde, de facto, estão presentes os mais antigos megalitos europeus, depois dos bretões (com efeito, estão datados entre o V e o IV milénio) (Fábregas, 1988, 1991).
5.2. Para além disso, como demonstração da primordialidade do fenómeno na região galega, já ficou dito que aqui estão presentes (e copresentes) todas as três tipologias do megalitismo europeu:
a) a das antas (recorde-se, no distrito da Corunha, as antas de Pedra Moura de Aldemunde, Pedra de Arca, Pedra Vixia, Arca de Piosa, Casiña da Moura, Casa dos Mouros, Casota de Berdoias, Cova da Moura; no distrito de Lugo, as antas de Roza das Modias, Santa Mariña, Mollafariña, Chao de Mazós, Abuime, Moruxosa; no distrito de Orense, as do Outeiro de Calade, Mota Grande, Casola do Foxo; e aqui, no distrito de Pontevedra, as de Mamoa do Rei, em Vilaboa, Chan de Castañeiras, Chan de Armada, Chan de Arquiña, O Meixoeiro);
b) a dos menires (em particular, o menir de Cristal de Ribeira, no distrito da Corunha, o de Pedra Chantada em Vitalba (no distrito de Lugo), o de Pedra Alta e o famosíssimo da Lapa de Gargantáns, no concelho de Moraña, no distrito de Pontevedra);
c) para além das antas e dos menires, estão ainda presentes os círculos de pedras, nomeadamente a do Freixo, (no distrito da Corunha), o de Prao das Chantas (no concelho de Valadouro, o distrito de Lugo), com os seus cerca de cento e um metros de diâmetro, orientado segundo o eixo Leste-Oeste.
Um outro sinal da originalidade galega do fenómeno megalítico consiste no facto, francamente invulgar em relação a estes monumentos de alguns deles terem sido erguidos sobre megalitos anteriores. É o caso da anta de Dombate, no concelho de Cabana de Bergantiños (distrito da Corunha), talvez a mais conhecida da Galiza (também pela referência que lhe é feita numa famosa poesia de Eduardo Pondal, escrita em plena época do Rexurdimento da cultura galega). Nas escavações dos princípios da década de 90, feitas por José Maria Bello, ficou comprovada precisamente - além da existência de decorações pictóricas, também significativas – a existência de uma anta anterior sobre a qual aquela tinha sido construída (Bello, 1992-1993). Fenómenos deste tipo são interpretados, obviamente, sob o ponto de vista arqueológico, como sinais de uma cronologia de longa duração (Bello, De La Peña, 1995).
5.3. Deve assinalar-se, finalmente, que na Galiza, como sucede em quase todas as regiões megalíticas (compreendendo também as não célticas, de megalitismo mais recente; cf. Alinei, 1996-2000, vol. 2, pp. 479-481), os megalitos têm igualmente nomes dialectais de carácter mágico-religioso e que a microtoponomástica dialectal dos sítios nos quais se encontram está ligada a lendas de extraordinário valor para a tese da continuidade do megalitismo até à época histórica. A partir das numerosas lendas e dos nomes (pedra dos mouros, casa dos mouros, pedra da moura), por exemplo, demonstra-se que, segundo as crenças populares, que foram gigantes, denominados mouras (no feminino) e mouros (no masculino) (Alonso Romero, 1998, cit. em Lema Suarez, 2006), p. 11), quem construiu os complexos megalíticos, termos esses ligados à raiz céltica *MRVOS, que significa tanto «morto» como «ser sobrenatural» (Benozzo, no prelo c.). Até mesmo o termo mamoa, o mais vulgar em galego para designar anta, mostra um interessante desenvolvimento semântico; de facto, esse termo continua, sem dúvida, o latim MAMMULAM, isto é «mama (pequena)» e este aspecto etimológico – perceptivelmente ligado ao aspecto que antigamente deveriam ter os túmulos que, em muitos casos, deviam cobrir as antas – está evidentemente ligado às lendas segundo as quais os megalitos foram colocados nos lugares em que as mouras – epifania mitológica da própria terra – aleitavam os seus filhos. Isto é, a lenda oral, tal como o topónimo dialectal, representa um testemunho precioso e essencial sobre a função mágico-religiosa dos complexos megalíticos: o nome dos megalitos e as lendas a eles associadas devem, de facto, referir-se a um período no qual o aspecto do megalito era diferente do actual (o que resta hoje são apenas os esqueletos, por assim dizer, dos complexos megalíticos originais).
Assim, num quadro de cronologia pré-histórica, pode sublinhar-se que enquanto a imagem do «morto» e do «ser sobrenatural» radicada na etimologia céltica de mouro/moura parece reflectir melhor o significado original e autêntico do megalito, a da latina, «maminha», ainda que significativa em sincronia com a paisagem megalítica antiga, parece reportar-se a ideologias mais tipicamente neolíticas (como precisamente a da «mãe Terra»).
Para a Teoria da Continuidade, foram os pescadores paleolíticos e mesolíticos celtas da região atlântica central quem construiu estes monumentos antigos na região galego-bretã-céltica insular. Assim, a tese de Gordon Childe, segundo a qual os «missionários megalíticos», como os denominou, teriam difundido este fenómeno de Oriente (cf. Alinei, Benozzo 2008) para Ocidente, deve ser revista, quanto à sua direcção: também neste caso, o vector de deslocação se processa de Ocidente para Oriente."
Texto integral de Mario Alienei e Francesco Benozzo aqui