Wednesday, November 26, 2008

O celtismo atlântico da Galiza

"... Esta visão introduz o problema do celtismo da Galiza, debatido desde sempre (com as conhecidas e acérrimas oposições entre celtocépticos e celtomaníacos: cf. Santana, 2002), e dá-lhe uma resposta positiva: de facto, não só os territórios da actual Galiza foram povoados por populações célticas, como, desde o Paleolítico, já faziam parte, juntamente com as actuais Ilhas Britânicas – na época ainda não eram ilhas – e com os territórios do Ocidente atlântico francês, da pátria originária do protocéltico. Esta unidade cultural atlântica torna-se evidente através de cinco factores, pelo menos: de tipo genético, de tipo lendário, de tipo arqueológico-cultural, de tipo mitológico-religioso; e o quinto factor – o mais importante – é representado pelo fenómeno do megalitismo.

1. Factor genético: em primeiro lugar, estudos recentes demonstraram que a componente genética da população ocidental das actuais ilhas Britânicas é a mesma que a do Noroeste da Península Ibérica: o mapa do ADN, elaborado há pouco tempo pela equipa oxfordiana de Bryan Sykes, não deixa quaisquer dúvidas a esse respeito (Sykes, 2006).

2. Factor lendário: as lendas, atestadas na época irlandesa antiga, referentes à proveniência dos povos irlandeses da Península Ibérica não podem ser interpretadas como testemunho de uma autêntica colonização (relativamente à qual não existe o mínimo vestígio arqueológico), mas como vestígios de uma comum identidade cultural e linguística original, anterior à separação da actual ilha irlandesa do continente: portanto, não foi a deslocação migratória de homens a provocar a sua separação, mas sim uma deslocação tectónica de terras.

3. Factor arqueológico-cultural: relativamente à homogeneidade irlandesa, britânica e do Norte da Espanha, existe uma prova irrefutável de tipo arqueológico-cultural: se, na Europa, se observar a distribuição de determinados objectos arqueológicos, descobre-se que alguns deles pertencem exclusivamente a esse território, antigamente coeso, que compreende a Galiza, a Espanha do Noroeste, a Bretanha, a Irlanda, Gales e a Escócia: isto é observável, em particular, na distribuição geográfica de achados, tais como os torques de oiro e os caldeirões.
No que respeita aos primeiros, encontraram-se na Galiza cerca de 150, 90 por cento dos quais achados junto à costa (cf. Monteagudo, 1952; Prieto Molina, 1996; Fernandez Carballo, 2001). Trata-se de objectos de oiro, com muitas semelhanças com os da Irlanda, da Bretanha e de Gales (em contraste com os manufacturados em prata, na região mediterrânica (Queiroga, 1987; Castro Perez, 1992).
No que respeita aos caldeirões de bronze, estes são objectos típicos, em particular, da Irlanda ocidental; a peculiaridade dos galegos é o facto de a sua decoração ser praticamente idêntica à dos caldeirões encontrados na Finisterra bretã (Almeida, 1980). A propósito dos torques e dos caldeirões galegos, Barry Cunliffe menciona especificamente uma «unidade cultural atlântica» (Cunliffe, 2001). Em seguida, no plano arquitectónico, à mesma região homogénea pertencem estruturas defensivas, tais como os cavalos de frisa, pedras defensivas colocadas diante de muralhas (também presentes na Alemanha, no entanto), ou «monumentos», tais como as estátuasmenires: estas últimas existem significativamente na Galiza sob as três formas de expressão conhecidas na zona atlântica, sendo não só estátuas de guerreiros (como os que se encontram igualmente na região occitana e tirrenaica), mas também estátuas de divindades masculinas sentadas e estátuas de divindades femininas: referem-se as de Logrosa e Carabeles (Coruña), de Límia e Pedrafita (Orense); esta pluralidade de expressões, quando especialmente
confrontada com testemunhos fragmentados do fenómeno surgido noutras regiões, indicia evidentemente a sua proveniência originária da região em apreço.

4. Factor mitológico-religioso: no resumo do historiador latino Floro, sobre a invasão romana da Galécia, lemos que os soldados de Bruto, ao passarem o rio Lima, entraram em pânico ao contemplarem o Sol poente que nele se reflectia, causando, além disso, o aumento das águas. Esta passagem pode relacionar-se com o relato de Estrabão referente a um misterioso promontório, local de culto entre uma população céltica do Sudoeste da Península Ibérica – portanto sempre na costa atlântica: quatro grandes pedras estavam orientadas na direcção do Sol poente e eram banhadas pela água do mar, causando a subida das próprias águas e fazendo do lugar um espaço sagrado inacessível (García Quintela, 1997). Esse mesmo local (cabo de São Vicente) é descrito pelo historiador medieval árabe Idrisi como a «igreja dos corvos», porque a presença de misteriosos corvos tê-lo-ia preservado de eventuais invasões. Trata-se de uma lenda idêntica à narrada no Mabinogi galês de Branwen, na qual a cabeça do deus Bran (o corvo) protege Gales de eventuais invasões, e reflectida também na história de Brennos, o chefe que saqueou o santuário de Delfos em 279 a. C e dos seus restos expostos frente ao mar – segundo Pausânias – que protegeram os Volcos Tectosagos de Tolosa das incursões romanas (Benozzo, 2006a, 2006c). Pode acrescentar-se que nos arredores de Pontevedra, durante as escavações de 2003, foi encontrada uma das mais importantes inscrições votivas, dedicada ao Deus Larius Breus Brus Sanctus; não parecem restar dúvidas sobre a identificação desta divindade com uma figura mitológica ligada a Brennos/Bran, o deus-corvo da mitologia céltica (a queda do -n- é uma tendência arcaica bem documentada também na toponomástica da Galiza: recorda-se os casos de Tena > Tea, Taranes >Taraes, *Abellanetum > Abelaído, Tardenatus > Tardeado, Tredones > Trios: cf. Bascuas, 2006, p. 366). Trata-se de uma divindade cujo culto demonstra ligação com crenças das populações circumpolares e que deve remontar – tal como argumentámos numa obra recente (Benozzo, 2007a) – a um período certamente anterior ao Mesolítico.
Ainda no âmbito das referências mitológico-religiosas, cumpre assinalar os «santuários solares» (ou melhor, «solsticiais») de que se descobriram vestígios, recentemente, perto dos cumes das montanhas, frente ao oceano (cf. García Quintela et al. 2003, García Quintela, Santos Estevéz, 2006). Trata-se dos santuários de Corme, Pedrafita, Fentans em Campolameiro, e O Raposo. Nestas construções encontram-se buracos nas rochas, através dos quais (como recentemente demonstrou Gonzalez-Ruibal) ao pôr do Sol dos dias 1 de Agosto e 1 de Novembro (isto é, nos dias das mais conhecidas festividades do calendário céltico: Lugnasad e Samhain), os raios de luz vêm iluminar um ponto interior do «santuário» onde devia ter existido um túmulo. (...) A analogia com o santuário «atlântico» irlandês de Newgrange é deveras impressionante. (...)De facto, dificilmente se pode pensar que fenómenos complexos como os de Newgrange, na Irlanda (datado de 2475 a. C.), ou os destes santuários galegos tivessem surgido por via poligenética; é mais verosímil afirmar que deveriam pertencer a uma civilização coesa, isto é, anterior à separação das ilhas do continente.

5. Megalitismo
5.1. Com as estátuas-menires e, sobretudo, com os «santuários solsticiais» aproximamo-nos de um argumento crucial para a nossa exposição: o do megalitismo galego no contexto do megalitismo europeu. Os megalitos galegos, (os conhecidos até hoje são mais de 5000) representam, a seguir aos da Bretanha, os exemplos mais antigos de sepulturas monumentais colectivas. A importância dos megalitos para a pré-história europeia é enorme e ainda alcançou mais importância quando a revolução do radiocarbono demonstrou que estas construções europeias são francamente mais antigas do que as orientais egípcias e gregas e que devem ser consideradas como uma expressão europeia originária e não importada. A área de distribuição dos megalitos europeus é preponderantemente marítima e, à excepção do Sul da Itália, onde também estão presentes, poder-se-iam definir como uma expressão da cultura atlântica.
A área compacta e as características unitárias do megalitismo não permitem, por isso, dar-lhe uma explicação com base poligenética; é, assim, legítimo e sensato admitir um centro original, com uma ou mais áreas de reelaboração. De acordo com a Teoria da Continuidade, a província megalítica está correlacionada com a região céltica de um modo absolutamente elementar: de facto, basta observar que a Irlanda, inteiramente céltica, é toda megalítica (com monumentos datados de 3700 a. C.); que, na Grã-Bretanha, as áreas de máxima densidade megalítica são as célticas de Gales, da Cornualha e da Escócia (também aqui os megalitos mais antigos são do IV milénio) e que, em França, tal como já dissemos, estão presentes os primeiros megalitos europeus e estão presentes na sua zona mais céltica, ou seja, a Bretanha, onde remontam à primeira metade do V milénio, isto é, a uma época ainda mesolítica. É, portanto, uma consequência lógica pensar que a região céltica tenha sido o centro, e as outras (como o Sul de Itália) tenham sido áreas de difusão secundária. Desta região originária, como temos vindo a verificar, deveria fazer parte também a Galiza onde, de facto, estão presentes os mais antigos megalitos europeus, depois dos bretões (com efeito, estão datados entre o V e o IV milénio) (Fábregas, 1988, 1991).

5.2. Para além disso, como demonstração da primordialidade do fenómeno na região galega, já ficou dito que aqui estão presentes (e copresentes) todas as três tipologias do megalitismo europeu:

a) a das antas (recorde-se, no distrito da Corunha, as antas de Pedra Moura de Aldemunde, Pedra de Arca, Pedra Vixia, Arca de Piosa, Casiña da Moura, Casa dos Mouros, Casota de Berdoias, Cova da Moura; no distrito de Lugo, as antas de Roza das Modias, Santa Mariña, Mollafariña, Chao de Mazós, Abuime, Moruxosa; no distrito de Orense, as do Outeiro de Calade, Mota Grande, Casola do Foxo; e aqui, no distrito de Pontevedra, as de Mamoa do Rei, em Vilaboa, Chan de Castañeiras, Chan de Armada, Chan de Arquiña, O Meixoeiro);

b) a dos menires (em particular, o menir de Cristal de Ribeira, no distrito da Corunha, o de Pedra Chantada em Vitalba (no distrito de Lugo), o de Pedra Alta e o famosíssimo da Lapa de Gargantáns, no concelho de Moraña, no distrito de Pontevedra);

c) para além das antas e dos menires, estão ainda presentes os círculos de pedras, nomeadamente a do Freixo, (no distrito da Corunha), o de Prao das Chantas (no concelho de Valadouro, o distrito de Lugo), com os seus cerca de cento e um metros de diâmetro, orientado segundo o eixo Leste-Oeste.

Um outro sinal da originalidade galega do fenómeno megalítico consiste no facto, francamente invulgar em relação a estes monumentos de alguns deles terem sido erguidos sobre megalitos anteriores. É o caso da anta de Dombate, no concelho de Cabana de Bergantiños (distrito da Corunha), talvez a mais conhecida da Galiza (também pela referência que lhe é feita numa famosa poesia de Eduardo Pondal, escrita em plena época do Rexurdimento da cultura galega). Nas escavações dos princípios da década de 90, feitas por José Maria Bello, ficou comprovada precisamente - além da existência de decorações pictóricas, também significativas – a existência de uma anta anterior sobre a qual aquela tinha sido construída (Bello, 1992-1993). Fenómenos deste tipo são interpretados, obviamente, sob o ponto de vista arqueológico, como sinais de uma cronologia de longa duração (Bello, De La Peña, 1995).

5.3. Deve assinalar-se, finalmente, que na Galiza, como sucede em quase todas as regiões megalíticas (compreendendo também as não célticas, de megalitismo mais recente; cf. Alinei, 1996-2000, vol. 2, pp. 479-481), os megalitos têm igualmente nomes dialectais de carácter mágico-religioso e que a microtoponomástica dialectal dos sítios nos quais se encontram está ligada a lendas de extraordinário valor para a tese da continuidade do megalitismo até à época histórica. A partir das numerosas lendas e dos nomes (pedra dos mouros, casa dos mouros, pedra da moura), por exemplo, demonstra-se que, segundo as crenças populares, que foram gigantes, denominados mouras (no feminino) e mouros (no masculino) (Alonso Romero, 1998, cit. em Lema Suarez, 2006), p. 11), quem construiu os complexos megalíticos, termos esses ligados à raiz céltica *MRVOS, que significa tanto «morto» como «ser sobrenatural» (Benozzo, no prelo c.). Até mesmo o termo mamoa, o mais vulgar em galego para designar anta, mostra um interessante desenvolvimento semântico; de facto, esse termo continua, sem dúvida, o latim MAMMULAM, isto é «mama (pequena)» e este aspecto etimológico – perceptivelmente ligado ao aspecto que antigamente deveriam ter os túmulos que, em muitos casos, deviam cobrir as antas – está evidentemente ligado às lendas segundo as quais os megalitos foram colocados nos lugares em que as mouras – epifania mitológica da própria terra – aleitavam os seus filhos. Isto é, a lenda oral, tal como o topónimo dialectal, representa um testemunho precioso e essencial sobre a função mágico-religiosa dos complexos megalíticos: o nome dos megalitos e as lendas a eles associadas devem, de facto, referir-se a um período no qual o aspecto do megalito era diferente do actual (o que resta hoje são apenas os esqueletos, por assim dizer, dos complexos megalíticos originais).
Assim, num quadro de cronologia pré-histórica, pode sublinhar-se que enquanto a imagem do «morto» e do «ser sobrenatural» radicada na etimologia céltica de mouro/moura parece reflectir melhor o significado original e autêntico do megalito, a da latina, «maminha», ainda que significativa em sincronia com a paisagem megalítica antiga, parece reportar-se a ideologias mais tipicamente neolíticas (como precisamente a da «mãe Terra»).

Para a Teoria da Continuidade, foram os pescadores paleolíticos e mesolíticos celtas da região atlântica central quem construiu estes monumentos antigos na região galego-bretã-céltica insular. Assim, a tese de Gordon Childe, segundo a qual os «missionários megalíticos», como os denominou, teriam difundido este fenómeno de Oriente (cf. Alinei, Benozzo 2008) para Ocidente, deve ser revista, quanto à sua direcção: também neste caso, o vector de deslocação se processa de Ocidente para Oriente."

Texto integral de Mario Alienei e Francesco Benozzo aqui

Mouras Encantadas

"... A partir das numerosas lendas e dos nomes (pedra dos mouros, casa dos mouros, pedra da moura), por exemplo, demonstra-se que, segundo as crenças populares, que foram gigantes, denominados mouras (no feminino) e mouros (no masculino) (Alonso Romero, 1998, cit. em Lema Suarez, 2006), p. 11), quem construiu os complexos megalíticos, termos esses ligados à raiz céltica *MRVOS, que significa tanto «morto» como «ser sobrenatural» (Benozzo, no prelo c.).
(...) Assim, num quadro de cronologia pré-histórica, pode sublinhar-se que a imagem do «morto» e do «ser sobrenatural» radicada na etimologia céltica de mouro/moura parece reflectir o significado original e autêntico do megalito (...)."

Mario Alienei & Francesco Benozzo
Texto integral aqui

José Leite de Vasconcelos diz-nos ainda que "as Moiras encantadas representarão em parte, assim como os santos e virgens da Igreja Católica, uma assimilação de quaiquer divindades locais".
Texto integral aqui

Lug

"Con el título Los dioses de la Hispania Cética, J.C. Olivares acaba de publicar un libro que conviene comentar, ya que es la más reciente visión de conjunto sobre la religiosidad de amplios territorios de la Hispania Antigua. Estos nombres son conocidos por inscripciones latinas, y en algún caso por alguna inscripción redactada en lengua celtibérica (Botorrita).

(...)

Lug es uno de los grandes dioses del panteón céltico que entra en la formación de teónimos de fuera y de dentro de Hispania, como Lucus Augusti (Lugo), Lucens (Lugo de Llanera, Asturias), la civitas Lougeiorun, Louciocelum, Lucocadia, Lugones, Logobre, Lugas y Santa María de Lugo, Luco de Bordon y Luco de Jiloca; de antropónimos hispanos como Lougo, Lougeius, Lucus, Lugua y Luguadicius, y de gentilicios hispanos como Lugeidocum (Saelices, Cuenca), Lougesterico(n) (Coruña del Conde, Burgos) y Lougesteric(um?) (Pozalmuro, Soria).

Lugus se identifica con Mercurio y con Apolo. A Mercurio se le ha identificado con el dios tricéfalo celta, de que se ha encontrado una imagen, la única, en Montemayor (Salamanca). Otras imágenes de este dios podían ser el Jano bifronte de Candelario (Salamanca), y la estatua de Castrourdiales (Santander) que representaría a un Mercurio indígena. En los Pirineos se recogió una estatuilla, hoy en el Museo Arqueológico Nacional de Madrid, de Marte con casco de cuernos y toro sobre la coraza.

En Hispania las inscripciones dedicadas a Lugus se localizan en la parte septentrional, en los altos valles del Duero y del Turia y en la provincia de Lugo, estando ausentes en toda la región occidental de la Meseta Norte. No creo que esta ausencia se deba a una falta de hallazgos. Tampoco recibió veneración en la costa cantábrica, ni en el área lusitano-galaica. Esta ausencia induce a J.C. Olivares a admitir la hipótesis, que encontramos viable, de que en estas regiones existía otra deidad de semejante carácter, bajo otra denominación.

Las dedicatorias a Mercurio, acompañado de epítetos indígenas, aparecen en la Meseta norte y en la región lusitano-galaica, como Mercurio Augustor(um) Aguaecus Sacr(um), del balneario de aguas termales de San Pedro do Sul (Viseu), y Mercurius Colualis de Salvatierra de Santiago (Salamanca), y el de El Batán (Cáceres), posibles equivalentes del dios Lugus.

J.C. Olivares vincula a Arentius y a Lugus con Apolo y Mercurio, hipótesis de trabajo de gran novedad y que tiene muchos visos de probabilidad. También vincula este autor a Lugus con Vestius Aloniecus de Lourizán (Pontevedra), que encaja bien en el dios solar Lugus por las esvásticas y las manos extendidas, y también los Cernunnos. Otro dios celta con cuernos se halló en las minas de Rio Tinto (Huelva).

J.C. Olivares deduce de los teónimos acompañados de epítetos de personas, que los tres dioses Arentius, Lugus y Vestius Aloniecus presentan gran semejanza entre si y con los dioses galos asimilados a Apolo y Mercurio. Estas semejanzas y asimilaciones serían extensivas a Vacus, a Aracus y a Mirarus y a los que no acompañan teónimos, pero si los apelativos como Caesariciecus, Mermandiceus, Tritiaecius y Turiaecus. Estos dos últimos son dudosos."


Últimas aportaciones a las religiones prerromanas de Hispania
J. M. BLÁZQUEZ

Tuesday, November 18, 2008

Voltando ao Paganismo

Começo por falar, novamente, do filme O Sabor da Cereja, de Kiarostami. Foi um filme que me marcou bastante, há uns anos atrás, pela temática da depressão profunda. Apresenta-nos um homem completamente desligado. Um homem que deixou de sentir a natureza, a passagem das estações, a própria vida... O filme começa, então, por nos mostrar esse homem num carro, às voltas numa estrada de terra batida, numa paisagem árida. Bom, com um bocadinho de boa vontade, podemos concluir que o personagem anda às voltas num deserto. Que procura? Na verdade, procura muitas coisas...

Há dois momentos no filme que quero relembrar: o instante em que nos contam a história do suicida que se afasta de casa de madrugada, pára junto a uma árvore e sobe para prender a corda com que irá enforcar-se. Ao prender a corda, sente nas mãos algo macio, com um cheiro intenso, apercebe-se que é fruta e leva-a à boca. Cerejas (ou amoras). E o homem deixa-se estar um bocadinho, a saborear as cerejas... entretanto, o sol começa a nascer. E é esse o momento de revelação, o momento em que os sentidos que pareciam estar entorpecidos, voltam em pleno. E com o presente, com o agora, acordamos. Ao acordarmos, a sensação de que a vida é absolutamente maravilhosa é inevitável.

Não foi o mundo que se modificou, foi a nossa visão do mundo...

Mostram-nos que é sempre a vida que se revela. Aquilo que nos salva e que nos devolve a nós próprios é algo que sempre esteve lá, algo que nunca perdemos verdadeiramente... a própria vida, feita de pequeninos instantes.

O segundo momento do filme que quero relembrar é o fim. O filme tem um final verdadeiramente assombroso e, na minha opinião, perfeito. O filme acaba precisamente mostrando-nos imagens da equipa de realização, do actor a confraternizar... e não será um pouco assim também na vida? Não estaremos de certa forma a representar também um papel, do qual muitas vezes já não sabemos sair é certo, mas ainda assim e só um papel...

Talvez só estejamos verdadeiramente vivos quando estamos realmente no presente, sem passados e sem futuros. Sem máscaras e sem personagens... agora.

É isso que eu gostaria que fizéssemos nos nossos rituais: permitirmo-nos estar lá, estar lá completamente... como só as crianças sabem estar. Deixarmos de lado todas as máscaras e olharmos de novo com a visão inocente das crianças. Eu sempre disse que a minha via do paganismo era a via da Inocência. Quando recuperamos a inocência, a fé surge novamente. E para voltar a acreditar com a fé inabalável das crianças não é preciso aprender nada novo... mas, talvez seja preciso desaprender algumas das convicções que fomos adquirindo ao longo da vida e que, acima de tudo, nos limitam.

Muitas vezes pensamos que se acreditarmos na beleza da vida acabamos desiludidos, temos medo de sofrer... e esquecemo-nos que, mesmo temendo tudo e fechados na nossa concha, podemos sofrer de milhares de modos diferentes.

Ao longo da vida, a rotina vai-se instalando e o mundo perde as cores de outrora. Não é? Não necessariamente. Depende de nós, daquilo que estamos dispostos a fazer para continuarmos inteiros.

Falemos, por exemplo, do último ritual de Lua Cheia. Pensam que alguma das pessoas que esteve nesse ritual entrou em transe? Não entrou! Nem pouco mais ou menos. Mas, também nem sequer era isso que se pretendia. Tentamos sentir a noite. Esquecemos isso de sermos seres à parte, e caminhamos descalços na terra molhada e fria, deixando que as nossas energias voltassem à terra e que da terra nos viessem energias novas. Que mais? Expressamos na noite os nossos desejos mais profundos. Falamos, dissemos alto e bom som o que realmente queríamos, qual a mudança profunda que necessitávamos. Têm ideia de quão difícil isso é?... De quanto precisamos nos libertar para simplesmente não nos acharmos apenas ridículos?...

Nos nossos rituais certamente não andamos no chão a rebolar e a espumar. Nada disso! Pretende-se tão só que sejamos capazes de ser quem verdadeiramente somos... e assumir o arquétipo dos deuses, se for preciso. Quero dizer com isto, encarná-lo. E manifestá-lo face à necessidade de outrem. Por exemplo, se alguém me abraçar e eu sentir que mais do que a abraçar-me a mim, está a abraçar a Mãe, a Deusa, a trazer de volta esse arquétipo para a sua vida... Bem, que miserável ser limitado seria eu se não fosse capaz de, naquele preciso instante, encarnar esse arquétipo e abraçar com todo o meu ser?...

Que fique bem entendido que não estamos lá para receber, estamos lá para dar. Claro que também recebemos, recebemos na medida em que damos. Mas, que seja a dádiva que nos motiva... E, a pouco e pouco, as mudanças acontecem. Acreditem, acontecem. E se formos capazes de aceitar essas pequenas mudanças, o velho mundo pagão regressa...

Entendem agora o que fazemos? Nós estamos aqui para recriar os velhos templos do paganismo... e nós somos esses templos!...

Na próxima lua cheia, vamos assumir o velho espírito pagão que deu origem a uma das mais bonitas tradições de natal, a troca de presentes. Vamos assumir a mudança que começou para nós naquele instante da última lua cheia, na primeira lua do novo ciclo. E vamos fazer a energia circular. Muitas vezes, queremos provar o novo chá, mas esquecemo-nos de esvaziar a chávena. Se não esvaziarmos completamente a chávena, nunca estaremos a provar o novo chá. Assim, vamos libertar-nos de algumas coisas do passado, que já não nos fazem falta, que não usamos, mas que de algum modo ainda são importantes, enfim, vamos dá-las, e havemos de as dar com alegria. Para que a energia circule, para que na nossa vida comece a haver lugar para o novo... para podermos renascer verdadeiramente no próximo Solstício de Inverno, prontos para uma nova etapa, uma nova vida. Um pouco mais tarde, em Imbolc, acederemos imensas velas nas nossas casas para ajudar a luz do mundo a crescer e, ao mesmo tempo, alimentar a nossa renascida fé. E é assim que nós vivenciamos o tempo cíclico, que tentamos ser um com a roda do ano...

É este o nosso paganismo!

Monday, November 17, 2008

Intuição

«Filósofos antigos como Platão, e modernos como Spinoza, Nietzsche, e, na virada do século, Henri Bergson, apontaram para formas superiores e intuitivas de conhecimento, muito acima da razão e dos sentidos. O mesmo fizeram místicos, românticos, poetas e visionários em todas as culturas. Podemos encontrar escolas "intuitivas" na matemática e na ética, e psicólogos como Gordon Allport, Abrabam Maslow, Carl Jung e Jerome Bruner reconheceram a importância da intuição. Na maior parte, porém, a intuição tem sido apenas um assunto periférico no Ocidente, onde o modo reverenciado de conhecer tem sido o empirismo racional, graças, em grande parte, ao fantástico sucesso da ciência.

Nada que seja dito em relação à intuição deve ser entendido como uma depreciação da ciência ou do pensamento racional. Ao combater a autoridade das cambaleantes instituições religiosas, a ciência e o racionalismo libertaram-nos da tirania do dogma e das idéias arbitrárias. A insistência nas provas e na verificação rigorosa, coração e alma do cientificismo, possibilita-nos, coletivamente e ao longo do tempo, separar o verdadeiro do falso. Em uma sociedade pluralista e secular, tais padrões são imperativos. E a ciência deu-nos uma maneira de analisar e modelar com precisão o mundo material, provendo-nos de fartura, conforto e riqueza sem precedentes.

Mas, como quase todas as rebeliões, a revolução científica criou alguns novos problemas. Ensoberbados pelo sucesso, os fanáticos da ciência invadiram terreno anteriormente dominado pela filosofia, pela metafísica, pela teologia e pela tradição cultural. Pretenderam aplicar os métodos que funcionavam tão bem no mundo material para responder questões sobre a psique, o espírito e a sociedade. Através da experimentação e da aplicação da razão, que foi elevada ao pináculo da mente, presumiu-se que chegaríamos a conhecer os segredos do universo e que aprenderíamos a viver. Para realizá-lo, lançamo-nos a aperfeiçoar os instrumentos objetivos do conhecimento; inventamos aparelhos e procedimentos que ampliavam o alcance dos nossos sentidos e tomavam mais rigorosos nossos cálculos e nossa lógica. Com o tempo, nossas organizações e instituições educacionais transformaram o cientificismo na condição sine qua non do conhecimento, no modelo de como pensar.

Essa tendência ideológica reflete-se no nosso vocabulário; as palavras que sugerem veracidade originam-se da tradição racional-empírica. Nós usamos a palavra lógico, mesmo quando a lógica não foi aplicada, para indicar que uma observação parece correta. Tão grande é a consideração para com a razão que usamos a palavra razoável para referirnos a qualquer coisa que julguemos apropriada, por exemplo: "Mil cruzeiros é um preço razoável para pagarmos por uma entrada de teatro." Também temos a forma substantiva de razão, que é o que lhe pedem que lhe mostre para justificar uma proposição. As pessoas exigem razões; elas raramente dizem "Dê-me uma boa sensação de por que você pensa que ele está errado", ou "Qual é a sua intuição para supor que exercícios físicos irão curar minha insônia?"

A palavra racional, que, estritamente falando, sugere o uso da razão e da lógica, tornou-se sinônimo de sanidade mental, enquanto que irracional conota loucura. Sensato e fazer sentido, junto com seu antônimo sem sentido, relacionam solidez e verdade com os órgãos dos sentidos, como se o significado adequado viesse somente através desses canais - a convicção clássica do empirismo. Objetivo veio a significar justiça, honestidade e precisão, sugerindo que a única maneira de se obter conhecimento puro é permanecer distanciado e tratar o que quer que se estude como um objeto material. Quanto à palavra científico, ela é a justificação definitiva para qualquer asserção.

O aspecto desastroso dessa tendência não é a veneração da racionalidade ou a insistência nas evidências experimentais, mas a depreciação da intuição. Todo o empenho do cientificismo tem sido para minimizar a influência do conhecedor. Mas sabemos, por comprovação da própria ciência, que a consagrada separação teórica entre observador e observado, objeto e sujeito, não mais pode ser admitida. Como Werner Heisenberg observou ao formular o princípio da incerteza, que provou que no nível subatômico o ato da observação influencia o que está observado: "Mesmo na ciência, o objeto da pesquisa não é mais a natureza em si mas a investigação da natureza pelo homem." Além do que, toda disciplina está enraizada em um conjunto de suposições e crenças (o que o filósofo Thomas Kuhn chamou de paradigma) e, como todos nós, os cientistas individualmente possuem convicções, apegos e paixões que influenciam seu trabalho. Realmente, sem isso o cientista nunca reuniria coragem e tenacidade para descobrir alguma coisa que valha a pena.

As instituições que nos ensinam a usar nossas mentes, assim como as organizações onde as usamos, estão de tal modo comprometidas com o ideal racional-empírico, que a intuição raramente é discutida, quanto mais aplaudida ou encorajada. Desde a escola primária até a faculdade, e na maioria dos nossos ambientes de trabalho, somos ensinados a desenvolver o modelo idealizado de cientificismo no nosso modo de pensar, na solução de nossos problemas e nas tomadas de decisões. Como resultado, a intuição é submetida a diversas formas de censura e repressão. O que a psicóloga Blythe Clinchy disse com relação ao início da educação aplica-se a toda a nossa cultura: "Podemos convencer nossos alunos de que esse modo de pensamento é uma maneira irrelevante ou indecente de abordar a matéria formal. Nós realmente não aniquilamos a intuição; pelo contrário, eu acho que nós a enterramos." Há duas ironias nessa situação. Primeiro, o modelo que procuramos imitar é uma espécie de ficção, errado em algumas de suas suposições e inapropriado em muitas de suas aplicações. Segundo, a intuição é um contribuinte vital, embora restrito, às próprias instituições que tentaram enterrá-la.

"Se a sua única ferramenta for um martelo", dizia Abraham Maslow, "você começa a ver tudo em termos de pregos." Se os seus únicos instrumentos cognitivos forem racionais-empíricos, sua visão ficará restrita ao que puder ser analisado e medido. Indague as grandes questões metafísicas sobre a identidade humana e a natureza da realidade, e receberá de volta respostas materialistas. O eu passa a ser visto como um catálogo de traços de personalidade analisáveis, e o cosmos torna-se uma coleção de objetos separados do eu, uma visão incompleta com conseqüências que vão desde o desenvolvimento limitado do potencial humano até a pilhagem da natureza. Apenas a intuição profunda pode penetrar o transcendente e iluminar o sublime.»


PHILIP GOLDBERG
O QUE É INTUIÇÃO e como aplicá-la na vida diária

September Morn by Paul Emile Chabas, 1912.


Monday, November 10, 2008

Doação e entrega

No último piquenique nocturno de lua cheia, no mês de Setembro, afastei-me para sentir os deuses sozinha. Foi um ritual intenso... quando estava quase a acabar, notei que estava cheia de sede. Estranhei a sede. Entretanto senti que alguém se aproximava e comecei a terminar o ritual rapidamente. Era a minha amiga. Ela ficou tão espantada com a energia que se sentia ainda no local e à minha volta, que ficou visivelmente comovida.

A verdade era que, mesmo tendo terminado a invocação, o círculo continuava à minha volta. Senti que havia algo que faltava, que o ritual não se completara. A minha amiga começou a falar-me de todas as vezes que sentiu que existia algo mais no universo, estava emocionada... E eis que nessa altura, quase à meia noite, chegam dois homens que abrem a capela da Senhora da Lapa, uma pequena capela numa antiga gruta. Nós estávamos sentadas junto à porta. Um dos homens pergunta-nos se não queremos beber água da fonte sagrada, diz-nos que há muitas pessoas que vão lá só para beber aquela água. Incrível, dentro da capela havia uma fonte, no ponto mais interior da gruta. Eu não fazia ideia, nunca tinha encontrado a gruta/capela aberta...

Eu segurei a caneca de água, com as mãos a tremer, e dei-a à minha amiga, que bebeu um pequenino gole, quase com relutância. Quando eu bebi, o líquido na minha garganta era a água primordial, era água viva. Agradeci em silêncio à Senhora, agradeci-lhe com todo o meu coração. As dúvidas desapareceram. Senti-me acompanhada. Senti que de modo algum fazia os meus rituais sozinha. E agradeci também àqueles que me acompanhavam. Mentalmente fiz a invocação da velha oração celta que começa com "Que o caminho se abra à tua frente". Quando acabei, a energia dissipou-se e o ritual terminou. A espiral voltou para a terra, o círculo foi devolvido ao universo. A minha amiga começou a falar de coisas mais terra a terra e tudo voltou ao normal.

Mas há instantes que valem uma vida inteira... há instantes em que deixamos de ser quem somos, deixamos de ser um pequenino lugar e somos todo o universo. Apenas temos que ser capazes de nos entregar com todo o nosso ser a esses instantes, para que se realizem.

Thursday, November 06, 2008

Jantares de Lua Cheia

Como sabem, a próxima lua cheia é dia 13 de Novembro às 06h17m, assim, a noite de lua cheia é no dia 12 de Novembro, quarta-feira.

Esta é não só a primeira lua cheia do novo ciclo, como também uma das mais especiais, se não a mais especial. Paul Fetan diz que "sendo um facto que o ano celta possuía doze meses lunares, mais um mês intercalar para alcançar o ciclo solar, e que cada mês começava com a lua cheia, as festas de Samain e de Beltaine não calhavam em datas fixas: será mais concreto dizer «na lua cheia mais próxima do 1º de Novembro ou do 1º de Maio»".

É esta a lua! E nós vamos celebrá-la. :)

Proponho que comecemos este ciclo com o primeiro jantar de Lua Cheia, que esperamos poder repetir todos os meses, durante o inverno, para nas noites quentes da primavera e verão, passarmos aos piqueniques nocturnos de lua cheia. :)

O jantar será, então, na próxima quarta-feira, dia 12, pelas 20 horas, em Braga, num restaurante a combinar. Se quiserem participar, por favor mandem-me um mail.

É um jantar inserido numa comemoração de cariz pagão. Pretendemos mais do que o convivio em si, que os ritmos cósmicos voltem a sentir-se...

Espero que aceitem o meu convite. :)

Selene by Albert Aublet, 1880.