Sunday, May 22, 2011

Feiticeiras

«A natureza fê-las feiticeiras. É o espírito próprio da Mulher e o seu temperamento. Ela nasce Fada. Pelo retorno regular da exaltação, é Sibila. Pelo amor, torna-se Mágica. Pela finura e malícia (muitas vezes fantasiosa e benéfica), é Feiticeira e enfeitiça, ou pelo menos adormece e ilude os males.

Todos os povos primitivos têm o mesmo princípio; vemo-lo através das Viagens. O homem caça e combate. A mulher recorre ao espírito, imagina; cria sonhos e deuses. É vidente em certos dias; possui a asa infinita do desejo e do sonho. Para melhor contar o tempo, observa o céu. Mas a terra não está menos no seu coração. Com os olhos amorosamente postos nas flores, também ela jovem e flor, trava com elas um conhecimento pessoal. Como mulher, pede-lhes que curem aqueles que ama.»

As Feiticeiras, Jules Michelet

Em Trás-os-Montes conta-se a história da Maria Feiticeira, uma bela história que Alexandre Parafita recria num dos seus livros de contos e lendas da tradição oral, para miúdos e graúdos. No livro Bruxas, feiticeiras e suas maroteiras, lá aparece a Maria Feiticeira e a sua velhinha peneira, porque, tal como nos diz o autor, «segundo a tradição popular, a peneira é o objecto mágico das feiticeiras, tal como a vassoura é o objecto mágico das bruxas e a varinha de condão é o das fadas». E que fazia então a tia Maria Feiticeira com a sua peneira? Bem, é muito simples, em tempo quente, peneirava o estio para que viesse o frio, e quando arrefecia, peneirava o frio para que viesse o estio.

Munida da sua peneira, a feiticeira «peneirava o sol, peneirava a noite, a solidão, a tristeza... e o que mais lhe conviesse». E assim a velha feiticeira, a mulher a quem cabia gerar, criar e amar, peneirava a fome e o frio, peneirava o medo e a dor, peneirava o desespero e a morte... que outro objecto poderíamos escolher para a feiticeira que não fosse a sua velha peneira? Círculo mágico que a feiticeira faz dançar nas suas mãos, ao mesmo tempo que vai recriando o seu mundo... dando-lhe vida, alegria e cor.

5 comments:

Anonymous said...

obrigado por esta alusão a um singelo conto popular transmonatno. Magnífico o contexto!

E parabéns pela qualidade e nobreza com que trata as tradições populares nos seus blogs.
Alexandre Parafita

Maria said...

Meu caro Alexandre Parafita,

nem imagina como fiquei deliciada com este seu comentário. Muito obrigada!

Mas, se há alguém no nosso país que merece os parabéns pela dedicação às velhas tradições - quer na vertente dos contos para crianças (que os adultos certamente adoram ler), quer nas excelentes obras de referência de contos, lendas e mitos da nossa tradição popular -, essa pessoa certamente é o meu caro Alexandre Parafita.

Acredite, digo-o porque o sinto!

O seu maravilhoso livro A Mitologia dos Mouros é uma obra que fazia falta! E que dizer do seu excelente inventário do Património Imaterial do Douro? Tudo o que eu posso dizer, meu querido Alexandre Parafita, é apenas: muito obrigada!!!

Já agora, tem em algum dos seus livros de contos para crianças (que já são muitos e alguns bem difíceis de encontrar) a história do Arranca Pinheiros? Eu nasci e cresci no concelho de Macedo de Cavaleiros e essa era uma das minhas histórias favoritas... confesso que adorava encontrá-la num dos seus livros. :)

Anonymous said...

Obrigado por lembrar o livro A mitologia dos mouros e por o conhecer.

Quanto ao conto do Arranca Pinheiros há várias versões em Trás-os-Montes (Vila Real, Vila Pouca de Aguir, Vinhais....). Já publiquei, pelo menos, duas.
Alexandre Parafita

Anonymous said...

Oi foi a 2ª vez que vi a tua página e adorei muito!Espectacular Trabalho!
Cumps

Jacinta Correia said...

Que alento saber que vai havendo gente que "cuida" das tradições, que ajuda a conservá-las, a transmiti-las... Neste momento estou a terminar um projeto de Mestrado que consiste principalmente na recolha de Contos e Lendas de um pequeno concelho no coração do Minho. Serão brevemente publicadas em livro. Neste meu projeto apercebi-me que se tem descurado o património oral de tal forma que se perdeu no tempo um tesouro de valor incalculável. Haja sensibilidade para que estes temas que tanto enriquecem a nossa cultura e a nossa história sejam debatidos, estudados... Aproveito para deixar um agradecimento a Alexandre Parafita pelo seu contributo nesta área.
Jacinta Correia