Friday, August 31, 2018

Conceitos

Wittgenstein dizia que era preciso ter consciência da desordem dos nossos conceitos e entender que isso era um problema, mas que esse problema poderia ser solucionado se os colocássemos em ordem.

Contudo, como não é habitual repensarmos as nossas ideias, não temos consciência da sua completa desordem e da crescente superficialidade de muitas delas.

Muitos dos nossos conceitos não passam de rótulos. E os rótulos, dando-nos a ilusão do conhecimento, afastam-nos cada vez mais da essência e da verdadeira sabedoria.

A título de exemplo, imaginemos que alguém me pedia um texto que tivesse religião, política, sexo e mistério. Parece complicado, não? Só é complicado na proporção da profundidade que eu quiser dar a cada um desses conceitos. Pode ser absolutamente superficial e simples:

– Meu Deus! – disse a filha de Donald Trump, – estou grávida e não sei quem é o pai.

Anedótico, bem sei. E não serão anedóticas muitas das nossas formulações – essenciais para o nosso crescimento, a nossa maturidade e a nossa compreensão do mundo e de nós próprios – sobre as quais nunca reflectimos?

Termino com uma fotografia da escultura de Rodin, O Pensador – Musée Rodin, Paris.
(Não sei quem é o autor desta fotografia, origem: net)



Thursday, August 30, 2018

Inteligência, imaginação e vontade

Quem me dera ser uma feiticeirinha de abril, como a bela jovem dos contos de Bradbury que, na quietude do seu pequeno quarto, era capaz de sonhar todos os sonhos do mundo.

Como é que se sonham todos os sonhos do mundo?...

Ocorre-me a frase do Pessoa, que diz «sou nada, serei sempre nada» e acrescenta: «à parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo».

Talvez para sonharmos todos os sonhos do mundo, seja preciso que aceitemos a nossa insignificância, que aceitemos que na vastidão imensa do universo somos e seremos sempre nada.

Sabermos e, mais do que isso, sentirmos que somos nada, liberta-nos. Como nos libertam o silêncio e a escuridão, quando deixamos de os estranhar e temer.

Santo Agostinho dizia que nós, na essência, somos uma tríade composta por vontade, memória e inteligência.

Se tu choras, eu nunca poderei conhecer o teu choro, mas posso intui-lo. Começo pela vontade, que me leva a querer conhecer o teu choro, segue-se a memória que, através das minhas experiências, me apresenta uma realidade similar à tua. Por fim, a inteligência compõe o quadro e cria o padrão da minha empatia.

Contudo, não será insignificante uma empatia que se baseia em experiências pessoais? E que valor poderão ter as minhas memórias? Tudo nelas é subjectivo, verdadeiro à luz das minhas sucessivas interpretações.

Substitua-se, então, a memória por imaginação. O que é que muda? A minha empatia deixa de estar limitada por um padrão criado pelas minhas experiências e passa a ser definida por uma infinidade de padrões, trazidos pela minha imaginação.

« (...)
As coisas que me cercam silenciosas
São almas a chorar que me procuram.
Quantas vagas palavras misteriosas
Neste ar que aspiro, trémulas, murmuram!

Vozes de encanto vêm aos meus ouvidos,
Beijam meus olhos sombras de mistério.
Sinto que perco, às vezes, os sentidos
E que vou a flutuar num rio aéreo...»

Depois deste excerto d'O Poeta, de Teixeira de Pascoaes, termino com uma questão: tudo o que a nossa imaginação nos dá, não são apenas sonhos? Talvez, mas como dizia Fellini: o que há de mais honesto do que um sonho? ;)


(A imagem é do artista extraordinário Frank Kelly Freas.)