«És de Braga e chamas-te Lourenço?» A expressão referia alguém perante quem todas as portas se abriam, mesmo as mais inesperadas. Estava relacionada com um arcebispo do século XIV, a quem o papa Gregório XI retirou o arcebispado de Braga, que lhe foi posteriormente restituído pelo papa Urbano VI. Contudo, e esta é a beleza oculta, em Portugal, sobretudo no norte, Lourenço é o nome do sol.
Mas voltemos à cidade das portas abertas, como Braga ainda é conhecida. Sei bem a origem da expressão, contudo, perto do famoso Arco da Porta Nova, há a Rua de Janes.
Como escrevi noutro post, o Sol, fonte de vida, está na origem de muitas das crenças do homem primitivo. Nas antigas civilizações, o homem via os solstícios como aberturas opostas do céu, como portas por onde o Sol entrava e saía, ao terminar o seu curso, em cada círculo tropical. No panteão romano, esse conceito foi personificado pelo deus Janus. O seu nome deriva de janua, palavra latina que significa porta. Janus era representado com duas faces simetricamente opostas, pois era aquele que olhava para o passado e em simultâneo para o futuro. Na concepção do homem primitivo, que representava o tempo de um modo cíclico, Janus presidia ao Solstício de Inverno e ao seu oposto na roda do ano, o Solstício de Verão.
No simbolismo cristão, as festas dos solstícios são, em última análise, as festas de São João Batista e de São João Evangelista. São dois São João e há, aí, uma evidente relação com o deus romano Janus e suas duas faces. Tendo sido a semelhança entre as palavras Janus e Joannes o que facilitou a troca do Janus pagão pelo João cristão.
Com o tempo perdeu-se, em parte, a festa solsticial de São João Evangelista, mas o mesmo não aconteceu com a festa do nascimento de Cristo. Sabemos bem que Cristo não nasceu realmente no Natal. Contudo, que melhor alegoria do que colocar o nascimento de Cristo na festa solsticial da Porta dos Deuses, tendo diante de si a Porta dos Homens?
Tradicionalmente, tanto para o mundo oriental quanto para o ocidental, o solstício de Câncer (Caranguejo), ou da Esperança, Verão no Hemisfério Norte, é a porta cruzada pelas almas mortais e, por isso, chamada de Porta dos Homens, enquanto o solstício de Capricórnio, ou do Reconhecimento, Inverno no Hemisfério Norte, é a porta cruzada pelas almas imortais e, por isso, denominada Porta dos Deuses.
Esse simbolismo dá sentido ao nascimento de Jesus a 25 de dezembro, sob o signo de Capricórnio, durante o Solstício de Inverno, sendo colocado numa manjedoura, entre um burro e uma vaca, apontando dessa forma, simbolicamente, para a constelação de Caranguejo e para o Solstício de Verão.
Não acreditam? Então, vejamos a simbologia associada à configuração da constelação de Caranguejo: na tradição hebraica, as duas estrelas principais da constelação de Caranguejo são chamadas de Haiot Ha-Kadosh, ou seja, animais de santidade, designados pelas duas primeiras letras do alfabeto hebraico, Aleph e Beth, correspondentes ao burro e ao boi. Estas duas estrelas chamam-se em latim Asellus, diminutivo de Asinus, referindo-se portanto a burricos. Diante delas, há um pequeno conglomerado de estrelas, denominado, em latim, Praesepe, que significaria estrebaria, curral, manjedoura, ou presépio. Hmm, belo, não é? ;)
Voltemos a Braga, uma cidade que tem como patrono S. Geraldo, mas cuja festa maior é a festa do S. João,no Solstício de Verão. E, assim, tudo está deliciosamente relacionado… :)