Wednesday, July 04, 2018

Percepção

Antes de começar a escrever, gostaria de alertar para o facto de as minhas verdades serem, em grande parte, verdades à La Palice. Mas são o que são…


A nossa visão do mundo, e consequente representação do mundo, com o foco no sujeito, em quem vê, é um conceito moderno.

O entendimento cartesiano da fenomenologia relaciona a transcendência do mundo, do que é visível, com a imanência da consciência de quem vê.

Nesta representação do mundo, não é o mundo em si mesmo que detém o foco central, mas sim o sujeito que vê.

Assim, na minha humilde opinião, não nos é possível ver o mundo dos deuses, a menos que nos libertemos do sujeito que vê, ou seja, a menos que nos libertemos da nossa consciência, que colocamos na nossa visão de cada parte do mundo.

Eu penso que não é possível, de todo, ver o mundo, tal como ele realmente é, a menos que o papel central deixe de ser de quem vê e passe a ser do mundo, em si mesmo.

Vasarely, no Manifeste Jaune, propôs que, ao olhar uma pintura, o sujeito suspende-se a sua consciência, que o olhar eliminasse a bagagem da significação, de toda a significação. Então, se quem vê se visse privado da sua consciência de ver, poderia ser visto pela pintura?

Eu considero esta abordagem absolutamente fascinante.

Contudo, por muito longe que nos levasse a reflexão do domínio da percepção, quer em termos artísticos, quer filosóficos, esse não é propriamente o objectivo deste texto.

Mas mantém-se a questão: os dois olhares distintos – o do sujeito que vê e que, no acto de ver, vê apenas e só através da sua consciência; e o do mundo, que nos olha de volta – podem coexistir num ponto, do espaço/tempo?

Eu considero que não.

Nesse caso, encontrar o mundo dos deuses é, apenas e só, ser visto por… e não ser o sujeito quem vê.

Assim, para encontrar o mundo dos deuses, eu teria que abdicar voluntariamente da minha consciência, abdicar da minha representação do mundo, abdicar da familiaridade de ver, deixando em suma de ser eu quem vê, para ser visto.

Como é que se altera esta percepção? Todos nós sabemos que há vários métodos, que não será preciso enumerar aqui. Há ainda os métodos inerentes a cada um de nós, pessoais e privados.

Contudo, novamente na minha humilde opinião, o primeiro passo para encontrar o mundo dos deuses é, precisamente, não o querer ver.

Se o sujeito, quem vê, nunca se liberta das suas representações, se tudo o que vê está imbuído da sua própria consciência, então, não entendo como poderá ver o mundo dos deuses. Mas, ainda assim, poderá sempre olhar precisamente para não ver, permitindo-se ser visto.

Dancing Fairies, 1866, by August Malmstrom,


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