A nossa visão do mundo, e consequente representação do
mundo, com o foco no sujeito, em quem vê, é um conceito moderno.
O entendimento cartesiano da fenomenologia relaciona a
transcendência do mundo, do que é visível, com a imanência da consciência de
quem vê.
Nesta representação do mundo, não é o mundo em si mesmo que
detém o foco central, mas sim o sujeito que vê.
Assim, na minha humilde opinião, não nos é possível ver o
mundo dos deuses, a menos que nos libertemos do sujeito que vê, ou seja, a menos que nos libertemos da nossa consciência,
que colocamos na nossa visão de cada parte do mundo.
Eu penso que não é possível, de todo, ver o mundo, tal como
ele realmente é, a menos que o papel central deixe de ser de quem vê e passe a ser do
mundo, em si mesmo.
Vasarely, no Manifeste Jaune, propôs que, ao olhar uma
pintura, o sujeito suspende-se a sua consciência, que o olhar eliminasse a
bagagem da significação, de toda a significação. Então, se quem vê se visse privado
da sua consciência de ver, poderia ser visto pela pintura?
Eu considero esta abordagem absolutamente fascinante.
Contudo, por muito longe que nos levasse a reflexão do
domínio da percepção, quer em termos artísticos, quer filosóficos, esse não é
propriamente o objectivo deste texto.
Mas mantém-se a questão: os dois olhares distintos – o do
sujeito que vê e que, no acto de ver, vê apenas e só através da sua
consciência; e o do mundo, que nos olha de volta – podem coexistir num ponto,
do espaço/tempo?
Eu considero que não.
Nesse caso, encontrar o mundo dos deuses é, apenas e só, ser
visto por… e não ser o sujeito quem vê.
Assim, para encontrar o mundo dos deuses, eu teria que abdicar
voluntariamente da minha consciência, abdicar da minha representação do mundo,
abdicar da familiaridade de ver, deixando em suma de ser eu quem vê, para ser
visto.
Como é que se altera esta percepção? Todos nós sabemos que
há vários métodos, que não será preciso enumerar aqui. Há ainda os métodos
inerentes a cada um de nós, pessoais e privados.
Contudo, novamente na minha humilde opinião, o primeiro
passo para encontrar o mundo dos deuses é, precisamente, não o querer ver.
Se o sujeito, quem vê, nunca se liberta das suas
representações, se tudo o que vê está imbuído da sua própria consciência,
então, não entendo como poderá ver o mundo dos deuses. Mas, ainda assim,
poderá sempre olhar precisamente para não ver, permitindo-se ser visto.
Dancing Fairies, 1866, by August Malmstrom,
Dancing Fairies, 1866, by August Malmstrom,
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