Voltando ao Primeiro de Maio (cópia de uma resposta que deixei num grupo do facebook)...
Há uma carta de 1385 que refere a tradição, também em Portugal, de celebrar a noite de Valpurgis. Sabemos, assim, que esta tradição se celebrava ainda no reinado de D. João I, mas já era vista como um costume diabólico e um crime de idolatria (in Festividades Cíclicas em Portugal, Ernesto Veiga de Oliveira, pág. 111).
Para Veiga de Oliveira, o que sobrou das grandes festas pagãs traduziu-se sobretudo em manjares cerimoniais. Os manjares cerimoniais associados à Véspera do Primeiro de Maio são dois: o caldo de castanhas (feito com castanhas piladas, que são castanhas desidratadas à moda antiga), no nordeste transmontano, e os queijinhos de figos e amêndoas, no Algarve. Estes manjares cerimoniais deveriam ser comidos ritualmente, antes do nascer do sol do primeiro dia de maio.
Eu ainda faço o caldo de castanhas e ainda o como ritualmente, antes daquele dia nascer, para me ligar aos meus antepassados que faziam esse mesmo ritual, mas também e principalmente para afastar o inverno que existe dentro de mim, devorando-o, digerindo-o e libertando-me dele, para deixar entrar o verão. É um processo poderoso! :)
As castanhas, em associação com a carne de porco, são o manjar cerimonial obrigatório da festa complementar: do Magusto (ou, se preferirmos outro nome, de Samhain). Reaparecem aqui, ligando as duas festividades. Com outra particularidade, a sopa tradicional de castanhas leva feijão branco, o que reporta a outra receita, um caldo que se comia no início da primavera, num dia em que estranhamente estavam proibidas as verduras. Mas isso é outra história. ;)
Outro ritual do Primeiro de Maio, que ainda se pratica nos nossos dias, sobretudo no norte de Portugal, é o ritual das Maias. As Maias são flores de giesta que se penduram nas portas, supostamente para afastar uma qualquer entidade maléfica. Eu não entendo dessa forma. Eu penduro as flores amarelas das giestas na porta de entrada da minha casa, para mostrar ao mundo que também eu participo do renascimento cósmico. Faço-o no momento em que começa a festa, quando o sol se põe, no dia 30 de abril. Dessa forma, quando nasce o sol do Primeiro de Maio, as flores das giestas marcam a minha porta, só assim o ritual se cumpre.
A Primavera é uma ressurreição da vida universal e, por conseguinte, da vida humana. Por este acto cósmico todas as forças da criação reencontram o seu vigor inicial. A vida é integralmente reconstituída, tudo começa de novo. A ideia de regeneração do ser humano por uma participação activa deste na ressurreição do mundo vegetal e, portanto, na regeneração do cosmos, está implícita no ritual das Maias.
As Maias são uma reminiscência da maior festa sagrada da religião celta, que por sua vez foi buscar esta data sagrada a uma tradição ainda mais antiga e imemorial. Assim, podemos dizer que, desde épocas recuadas e por toda a história religiosa do mundo antigo, o Primeiro de Maio foi e continua a ser a data sagrada por excelência. Antigamente, era no início de Maio que se reuniam nas florestas e nas montanhas imensas multidões que, pelo recolhimento religioso e depois pela santa e boa alegria, celebravam a Terra Mãe e a regeneração do cosmos. Participando na regeneração do cosmos, também o homem era regenerado.
Em 1946 estabeleceu-se, no dia 1 de Maio, a festa do trabalho em todas as nações. É o dia do trabalhador. Charroux afirma que isso aconteceu porque vários círculos iniciáticos tomaram, e ainda tomam, medidas para que o primeiro de Maio se venha a tornar na festa de todos os povos da terra. Ele diz que é preciso que a data da maior festa sagrada do nosso hemisfério se imponha novamente, começando assim o início da justa reposição das coisas.
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