Thursday, September 24, 2020

Equinócio de outono

Esta noite, estávamos apenas eu e o meu filho no jantar de equinócio de outono. Entre outras coisas, comemos romãs. Ele limitou-se a 3 bagos, eu comi bem mais do que isso. Celebramos o mito de Perséfone. Conhecem-no, certamente. Mesmo assim, permitam-me resumi-lo.

Segundo o antigo mito, no dia do equinócio de outono, Hades (o deus grego do Submundo) encontrou a bela e jovem Perséfone, que colhia flores. Ficou tão encantado com a sua beleza que, instantaneamente, se apaixonou por ela. Agarrou-a, raptou-a e levou-a para a escuridão do seu reino, no Submundo. A deusa Deméter, mãe de Perséfone, procurou-a por todos os lugares, mas não a encontrou. O seu sofrimento foi tão intenso que as flores e as árvores começaram imediatamente a murchar e a morrer. Os outros deuses viram-se então obrigados a negociar com Hades o retorno de Perséfone. Hades aceitou devolvê-la, desde que ela nada comesse no seu reino. Porém, a bela Perséfone foi enganada e comeu uma pequena semente de romã, tendo, então, que passar metade de cada ano com Hades no Submundo, por toda a eternidade.

Também nós comemos, no jantar desta noite, as tradicionais sementes de romã. Mas fizemo-lo de livre vontade, sem enganos, assumindo que também nós aceitamos sem medo descer ao nosso submundo, porque sabemos que o regresso à claridade será sempre inevitável. É um ponto importante, sabem? Precisamos dos mitos que nos indicam o caminho... Assim, neste momento de equilíbrio no mundo, com a noite igual ao dia, lembramos a jornada de Perséfone. Relembrando a nós próprios que precisamos tanto da noite como do dia, e que o equilíbrio é sempre possível. Relembrando a nós próprios que devemos aceitar a nossa luz e as nossas trevas...

Não há muito mais para contar, a não ser que fiz um bolo de equinócio de outono, com especiarias, romãs, nozes e maçãs. Foi só para deixar a casa a cheirar a outono, mas, por acaso, até sabe muito bem. :)

Que seja um outono pleno de saúde e de sucesso, com muita alegria e muito amor. :)

Braga, 22 de setembro de 2020




 

Thursday, July 23, 2020

Árvore Invertida

Se bem que cada árvore tenha ligações e associações muito específicas, todas representam um eixo do mundo, um intermediário entre a terra, onde mergulham as suas raízes, e o céu, que alcançam com as suas copas. Contudo, a representação da Árvore da Vida, tanto no Oriente como no Ocidente, é uma árvore invertida, cujos ramos crescem para dentro da terra e cujas raízes alcançam o céu.

No Zohar, encontramos a seguinte citação: «A Árvore da Vida estende-se de cima para baixo e o Sol ilumina-a toda.»

Ainda a propósito da árvore invertida, Mircea Eliade também cita, entre muitas outras referências, o folclore islandês e finlandês, onde se colocava no altar uma árvore invertida, sendo o mesmo ritual encontrado também em tribos australianas.

No Bhagavad-Gita também é expressado o simbolismo hindu da árvore invertida. Nos Upanixades, o universo é representado como uma árvore invertida. O Rig-Veda especifica: «é para baixo que se dirigem os seus ramos, é em cima que se encontra a raiz, que os seus raios desçam sobre nós!».

Eliade refere ainda uma tradição segundo a qual Platão teria afirmado que o homem é uma árvore invertida, cujas raízes se estendem para o céu e cujos ramos mergulham na terra.

Há muitos outros exemplos, mas creio que estes chegam para nos fazer pensar um pouco no conceito, tão comum nestes tempos modernos, de que o crescimento e a evolução espiritual são necessariamente uma ascensão, uma subida da Terra ao Céu. Será mesmo assim?...

Termino com uma bela imagem de uma árvore invertida, de Christina Burch.



Tuesday, June 23, 2020

Noite de S. João

E eis que chegou a noite de S. João. Nenhuma noite se compara a esta, na alegria, na intensidade e na folia. É uma noite de festa como nenhuma outra.

É a noite das mouras e dos seus encantamentos, nas velhas lendas populares. É a noite de todas as purificações, pelo fogo e pela água. Perdidos nas brumas do tempo, chegam-nos os rituais de saltar a fogueira e dos banhos sagrados.

Se agora descemos e subimos avenidas, antigamente corriam-se as fontes, para beber a água sagrada. Era nesta noite que se ia buscar a água para fazer o fermento para o pão, a massa-mãe que entrava no pão de todo o ano, renovada a cada fornada.

Na velha tradição, o orvalho desta noite era único, dando a muitas plantas um cariz mágico. São tantas as benzeduras e sortes das ervas, especialmente aromáticas, que se faziam na noite de S. João, que seria quase impossível enumerá-las todas. Nas cidades prevaleceram os manjericos e o alho-porro, mas não nos podemos esquecer do alecrim e do rosmaninho, do sabugueiro e da macela, da cidreira e da alcachofra, da oliveira e do loureiro, dos ramos de azevinho que se borrifavam com vinho tinto, e de muitas outras plantas e árvores, sendo o feto-real possivelmente a mais misteriosa e prodigiosa de todas elas.

Na memória popular, esta noite é uma noite de divinações e de sortilégios de amor, como nenhuma outra. É uma noite de velhos rituais de fertilidade e de prosperidade. É uma noite de travessuras, sobretudo nos meios rurais. E, naturalmente, é uma noite de de manjares cerimoniais, dos quais ninguém abdica. 

No norte, há ainda a bela tradição das cascatas, o equivalente, no S. João, do presépio natalício.

E muito mais havia a dizer, nem referi as rusgas («rusgas é gente que vai, faz e vem das festas!», como refere a Rusga de S. Vicente) ou os cantares ao desafio, mas já passaram os minutos que tirei para desejar um feliz S. João. É hora de continuar a celebrar a noite que se celebra sempre até ao nascer do sol.

Já agora, adivinham o que eu mais gosto nesta maravilhosa noite de S. João? É precisamente o seu carácter colectivo, uma festa de todos e para todos, verdadeiramente popular, que a torna «um acontecimento festivo sem igual», como referiu Ernesto Veiga de Oliveira.

E pronto. Vamos lá, então, para a folia!

Braga, 23 de junho de 2015.