Saturday, December 06, 2008

Espírito e Matéria

As grandes religiões monoteístas deram a pouco e pouco ao mundo ocidental aquilo que, actualmente, é quase uma verdade universal: a separação entre espírito e matéria. Descartes definiu, para o mundo moderno, espírito e matéria como sendo duas realidades totalmente distintas entre si. E condenou-nos a uma visão do mundo da matéria completamente despojado de todo o seu conteúdo espiritual, deixando-nos ainda a braços com um conceito de espírito cada vez mais abstracto e vazio.

Bem, como eu estou aqui para aprender com os homens de outras épocas, dou-me ao luxo de considerar que Descartes não sabia sequer do que falava. ;)

Hum, é sábado de manhã, o meu amor está a dormir e enquanto eu espero que ele acorde para preparar um pequeno-almoço com panquecas e café, penso em Descartes. O que não incomoda de modo nenhum o meu amado, que certamente ficaria bem mais aborrecido se eu estivesse a pensar no Brad Pitt. :P

Bem, para os homens de outras épocas, a divindade ainda não se chamava apenas Deus, a divindade era Deus e Deusa, Céu e Terra, Activo e Passivo, Espírito e Matéria. A matéria era vista como uma manifestação da divindade, de modo algum totalmente separada do espírito, o seu complemento indispensável. A divindade surgia como dois pólos que jamais se poderiam separar, porque em tudo quanto a Terra produzia, o Céu estava presente como força criadora. Poderíamos igualmente dizer que as ideias celestiais precisavam da essência terrestre para "serem". Assim, para a humanidade "arcaica" a divindade manifestava-se de dois modos distintos, ainda que indissociáveis, que se relacionavam entre si como Masculino e Feminino, como Homem e Mulher, como Pai e Mãe, como Deus e Deusa.

Para a philisophia perennis, que, até ao advento do racionalismo, foi comum ao Oriente e Ocidente, as duas origens, a activa e a passiva, representam, para lá de toda a manifestação visível, os pólos primários da existência, regentes de todas as coisas.

Mas o mundo mudou e a matéria passou a ser apenas "coisa", desprovida do sagrado. Convém aqui notar que para o homem primitivo, a matéria também possuía este aspecto meramente físico, só que, apesar disso, não se considerava que a matéria preenchia por si só toda a realidade e que no final da realidade observável, estava apanas o NADA. Toda a matéria continha na sua essência o sagrado, o que induziria que a realidade física era na sua essência constituida por entidades metafísicas.

Um perfeito disparate, não? Nem por isso. A física diz-nos actualmente que a natureza das coisas materiais revela-se como não-material. As componentes elementares das coisas reais formam uma espécie de realidade que é diferente das coisas que produzem. Ao nível das partículas elementares, estados com aparência de ideias adquirem aparência material. Lothar Schäfer insiste que a mensagem da física contemporânea é que, nas suas fronteiras, a realidade observável não se desvanece no nada, mas na metafísica. Diz-nos ainda que: "Se o universo é de aparência mental, é mais provável que comunique com a nossa mente, do que não o faça."

Muito mais haveria a dizer mas, tenho que tratar do pequeno-almoço. ;)

Termino com as palavras de Muhyi-d-Dîn Ibn Arabî, um dos grandes mestres da mística islâmica, que descrevia a Natureza Universal como sendo a parte feminina e maternal da criação, autor desta frase iluminada: "O mundo da natureza consiste em múltiplas formas reflectidas num único espelho. Não, melhor dizendo, é antes uma única forma reflectida em múltiplos espelhos".