Sunday, June 19, 2011

Somos todos especiais

Estive a ver com o meu filho, na televisão, o Comboio dos Dinossauros, as aventuras de um tiranossauro rex que vive com uma família de pteronodontes. No genérico diz: «não te preocupes se és diferente dos demais, porque na verdade somos todos especiais». Belo, não é? 

Somos todos especiais... e eu sou um pequeno triskel. ;)

Recentemente, numa carta, tentei explicar porque é que essa é a minha imagem. Para mim, o triskel está intimamente ligado à percepção do espaço/tempo sagrado. Na carta, usei a terminologia tempo linear versus tempo cíclico, mas essa nem é a terminologia que uso habitualmente. Nem sequer é a concepção de tempo profano versus tempo sagrado, do Mircea Eliade. Na verdade, a minha percepção do triskel está associada à ideia de Platão de tempo comum, de Zeus, versus tempo invertido, de Saturno. Ainda que, possivelmente, todas estas teorias traduzam a mesma realidade.

Assim, o tempo comum, divergente, é-nos mostrado quando olhamos e vemos a roda a projectar-se para fora. Mas ao mesmo tempo, o triskel também é a representação perfeita do tempo invertido, convergente, onde tudo o que o tempo comum projecta e espalha por milhares de momentos e por milhares de espaços, converge agora para o interior da roda, para o eterno aqui e agora. Tal como o tempo comum ou invertido, o triskel é divergente ou convergente, alternadamente. Não vejo nenhuma possibilidade de ser divergente e convergente, ao mesmo tempo.

Este conceito de tempo às avessas sempre me acompanhou, desde a infância, nesta ou noutra formulação. E o triskel é o símbolo que representa o tempo e que mostra que é possível a mudança de percepção. Claro que lhe estão associadas outras simbologias, mas esta é, para mim, a mais importante.

Sempre gostei dos gregos. Como não consigo enquadrar-me em nenhum grupo, nenhuma religião, recorro a ideias dos filósofos gregos, para me orientar. Essas ideias são, em primeiro lugar, a verdade como sensação invariável e, em segundo lugar, os sentidos como teste da verdade. Recrio essas ideias, dou-lhes um uso bem diferente daqueles que as conceberam e, de certa forma, acabam por me pertencer. E, assim, parto:

Rumo ao êxtase harmónico
E ao heroísmo da descoberta.

É a minha iluminação no inferno, do Rimbaud. :)

De certa forma, tudo e todos me servem de mestres. Mesmo os programas infantis, que vejo com o meu filho. Ele gosta da música da Xana TocToc, que diz que gosta de bater em todas as portas, só para saber quais são as respostas. Eu também quero saber tudo. E, tal como a Xana, também vou de porta em porta. Porque não?

Mas, não tenho dúvidas de que uma sabedoria superior à minha me conduz, praticamente pela mão. E eu entrego-me às vivências e às pessoas que vão passando pela minha vida. É essa a minha natureza. Dou, mas também espero receber, até porque nenhuma relação, seja de que tipo for, subsiste se os papeis não se forem alternando, não pode haver eternos protectores e eternos protegidos, e nenhum de nós pode apenas dar ou apenas receber. Temos que saber dar e saber receber, e ir dando e recebendo.

Que mais? Eu acredito verdadeiramente que tudo isto - a minha personalidade, a minha demanda espiritual, a minha vida - é apenas bagagem que transporto nesta viagem, uma viagem entre muitas que já fiz e que farei.

Tem sido uma viagem sofredora. Aprendi com o Camus que o sofrimento volta, inevitavelmente. Tal como o Sísifo (pois, novamente os gregos), levamos a rocha até ao topo do monte mas, ela acaba sempre por rolar outra vez até lá em baixo e, de novo, temos que a carregar pelo monte acima. Mas, ainda assim, tal como Camus dizia, é possível imaginar Sísifo feliz a carregar a rocha até ao topo do monte, mesmo sabendo que esta há-de rolar até cá baixo e, de novo, terá que se carregada montanha acima. Isso é a viagem. E, na viagem, mesmo que o sofrimento nos encontre, ainda temos a brisa suave do vento nos nossos cabelos, o calor do sol no nosso rosto, a água cristalina que refresca o nosso corpo e a terra imensa, que se estende aos nossos pés. Face a isso o desespero nunca dura muito tempo.

E tal como o meu Merlin, também tenho o meu esplumoir, o meu ninho, o lugar secreto, dentro de mim, onde se dá a transformação.

Merlin é o meu mestre, um Merlin que eu encontro nos meus sonhos, que pressinto nas clareiras das minhas florestas. E o que eu mais gosto no meu Merlin é do seu riso. Que seria de mim se o riso do meu Merlin não me acompanhasse? O riso que purifica, o riso que cura, o riso que é transe, o riso ritual.

A minha oferenda ao meu Merlin, quando o procuro nas velhas clareiras, também é sempre o meu riso, não o riso falso e teatral, mas o riso genuíno que vem com memórias que guardo dentro de mim, instantes luminosos e eternos, onde eu sou inteira. O riso feliz da antecipação do encontro, ainda que o encontro se dê apenas no meu coração. E ninguém pode dizer que eu não amo o meu Merlin, que para mim é bem mais que um arquétipo. Teria eu qualquer interesse nos celtas se não fosse pelo meu Merlin?...

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