Friday, April 13, 2007

Antecipando e preparando o Primeiro de Maio

Donde vem a tradição de se ir para o campo no primeiro de Maio? Porquê esta sacralidade em comunhão com a natureza? Bem, para começar, as árvores e a vegetação encarnam sempre a vida inesgotável: o que corresponde na tradição pagã à realidade absoluta, ao sagrado por excelência. Talvez seja por isso que, em várias religiões, o cosmos é simbolizado por uma árvore.

Sir James Frazer, estudou várias crenças e rituais religiosos e criou a chamada "escola da mitologia vegetal", em que afirma que a maioria das divindades eram originalmente espíritos das árvores. Diz também que o culto das árvores, em especial dos bosques sagrados, constituía uma forma universal de comportamento religioso. Provavelmente a mais primitiva... Mas, se reparares, mesmo em termos bíblicos tudo começa no Jardim. Pois é... :)

Os Druidas oficiavam em plena natureza, debaixo de uma árvore, preferencialmente um carvalho com visco. Mas a própria Bíblia estabelece: Louvar-me-eis num altar da terra; Se fizerdes um altar de pedra não o construireis com pedras talhadas, porque será manchado se empregardes cinzel (Êxodo 20: 25, segundo creio). O que dizer, então, das magnificas catedrais? Mas já me estou a distrair... deixemos isso para outro post.

Mircea Eliade diz que a fecundidade, a prosperidade, a saúde ou, a um nível mais elevado, a imortalidade e a juventude eterna, estão concentradas nas plantas ou nas árvores. Assim, tudo o que é vivo e criador, em estado de regeneração contínua, se exprime por símbolos vegetais. O cosmos é representado sob a forma de uma árvore porque, da mesma forma que esta, ele regenera-se periodicamente.

A Primavera é uma ressurreição da vida universal e, por conseguinte, da vida humana. Por este acto cósmico todas as forças de criação reencontram o seu vigor inicial. A vida é integralmente reconstituída, tudo começa de novo. Em resumo, repete-se o acto primordial da criação cósmica, porque toda a regeneração é um novo nascimento, um regresso a esse tempo mítico em que apareceu, pela primeira vez, a forma que se regenera.

A ideia de regeneração do ser humano por uma participação activa deste na ressurreição do mundo vegetal e, portanto, na regeneração do cosmos, está implícita no ritual das Maias. As Maias são uma reminiscência da maior festa sagrada da religião celta (que por sua vez foi buscar esta data sagrada a uma tradição ainda mais antiga e imemorial). Os celtas chamavam-lhe Mai-Eve, Belténe ou Beltaine.

Bem, podemos dizer que, desde épocas recuadas e por toda a história religiosa do mundo antigo, o primeiro de Maio foi e continua a ser a data sagrada por excelência. Na tradição celta, Beltaine era religiosamente consagrado à Grande Mãe. Antigamente, era no início de Maio que se reuniam nas florestas e nas montanhas imensas multidões que, pelo recolhimento religioso e depois pela santa e boa alegria, celebravam a Terra Mãe e a regeneração do cosmos. E participando na regeneração do cosmos, também o homem era regenerado.

Só para acabar: em 1946 estabeleceu-se, no dia 1 de Maio, a festa do trabalho em todas as nações. É o dia do trabalhador. Charroux afirma que isso aconteceu porque vários círculos iniciáticos tomaram, e ainda tomam, medidas para que o primeiro de Maio se venha a tornar na festa de todos os povos da terra. Ele diz que é preciso que a data da maior festa sagrada do nosso hemisfério se imponha novamente, começando assim o início da justa reposição das coisas.

Não quererás também tu ir até ao campo neste primeiro de Maio, sim, para celebrar as Maias? Eu comungarei com a Natureza, celebrarei a regeneração cósmica, interiorizarei a Primavera da Vida. Sim, porque por muito que o Inverno nos mutile, há-de sempre chegar a Primavera e, com ela, também nós voltaremos inteiros. Não achas que essa capacidade de voltarmos inteiros é importante? Então, porque não seguir a tradição e no dia 1 de Maio celebrá-la, isto é, lembrar que essa capacidade de nos regenerarmos existe em nós (elementos integrantes da natureza) assim como em toda a natureza...

Por fim, levarei para a minha casa as giestas floridas, seguindo esta tradição imemorial. Enfeitarei com as giestas a casa e, muito especialmente, a porta de entrada, mostrando ao mundo que também eu participo do renascimento cósmico.

A sério, não queres também tu participar neste ritual de regeneração? Acredita, isso dos rituais é importante...

Em qualquer caso, desejo-te um primeiro de Maio verdadeiramente regenerador, espero que fiques em paz contigo próprio e que a felicidade se manifeste.
p.s. Escrevi este texto nos fóruns do SAPO, em 26.04.2000

2 comments:

Anonymous said...

Retribuo a visita elogiando este belíssimo texto, com a vantagem de ser de autoria da própria Maria.Devo dizer, porém, que não acredito na ideia avançada por Cherroux, e a ser verdade é-me desagradável. A vantagem da tradição pagã estará também na pluralidade das suas expressões pelo mundo, consonante com a diversidade dos povos e das suas culturas. Ideias de uniformização planetária são, pois, em minha opinião, antitéticas em relação ao paganismo. Em boa verdade, essas ideias, quando existem,parecem-me o resultado de neo-paganismos modernistas que juntam o pior do cristianismo ao folclore mais simplista do paganismo. Artificialismos, portanto.

Beijo.

Maria said...

Olá, Rodrigo. Antes de mais, quero agradecer-te a visita. :)

Ai, que posso eu dizer... para mim a festa do primeiro de maio é de tal modo especial que, não consigo deixar de tentar que também os outros se entusiasmem um bocadinho com ela... :)

No entanto, concordo contigo: "A vantagem da tradição pagã estará também na pluralidade das suas expressões pelo mundo, consonante com a diversidade dos povos e das suas culturas."

E também concordo que a ideia do Robert Charroux, a ser verdadeira, levanta algumas questões. Também achei a ideia improvável mas, como considero o Charroux bastante credível, coloquei-a no texto. É certo que levanta algumas questões mas, para mim, não deixa de me sensibilizar a existência, ainda que meramente hipotética, de grupos iniciáticos que procurariam reabilitar uma das mais antigas festas da europa.

Sabes, a minha avó falava-me com saudade das antigas tradições das fogueiras da véspera de Maio. Tudo isso se perdeu, devido em parte à repressão. No entanto, é ainda frequente no norte de Portugal encontrar as flores de giesta penduradas nas portas das casas e até nos carros, no primeiro de maio... mas, pergunto eu, quantas daquelas pessoas têm verdadeiro conhecimento da tradição que tentam manter, de um modo quase heróico? É isso que doí, sabes?... Tanto que se perdeu... nesse sentido, acredito que há que fazer algo, que necessariamente será um artificialismo, mas não podemos simplesmente ficar quietos e deixar morrer uma das nossas mais antigas tradições. Pelo menos, eu não posso. E acredito que cada um de nós pode fazer a diferença.

:)

Bem, termino por aqui... deixando-te ainda um pedido: gostava muito que lesses neste blog o meu post Reino Maravilhoso. Creio que é onde melhor expresso o meu paganismo e a minha tentativa de regresso ao tempo cíclico.

Beijos.