Tuesday, May 31, 2011

Lagoa dos Druidas

No final de Janeiro deste ano, descobri na net um lugar fantástico, uma bela clareira de carvalhos junto a uma lagoa lindíssima, da qual já me tinham falado há uns anos, mas não me souberam dizer exactamente onde era e na pesquisa na net, que fiz na altura, nada apareceu. Acabei por me esquecer do lugar, até o reencontrar por acaso. Creio que o nome da lagoa – Lagoa dos Druidas – foi dado por algum grupo neo-pagão da Galiza que, segundo me disseram, frequentam a lagoa e a clareira.

Decidimos ir lá no dia de Imbolc. E fomos: eu, o meu marido e um amigo muito querido. Chegamos pouco depois da hora do almoço. Ao tirar da mala do carro um casaco velho, caiu de um bolso um pêndulo, que estava perdido há imenso tempo. Bem, decidi usá-lo. E o pêndulo disse-me que a resposta estava para cima, para o lado oposto daquele que deveríamos seguir, que era descer em direcção ao rio. Subimos e como não tivemos nenhuma revelação, voltamos a descer e, um pouco antes do nosso ponto de partida, acabámos por encontrar uma velhota que, não sabendo o significado da palavra druidas, sabia muito bem como chegar à lagoa dos antigos. Mas, ainda tínhamos que andar uns dois quilómetros e encontrar um trilho que, segundo a velhota, já mal se dava por ele.
Partimos por uma paisagem belíssima, num caminho cheio de regatos e inúmeras quedas de água. E aconteceu o inevitável: o meu marido e o meu amigo rapidamente ficaram para trás, a tirar fotografias.
Eu cheguei a um ponto do caminho em que via claramente o lugar onde queria chegar, mas não sabia como ou quando lá chegaria. Avancei mais uns metros e parei junto a um velho carvalho. Havia um trilho, disfarçado pelo mato, e eu senti um chamamento de tal ordem que nem hesitei, avancei por ali fora. E como as silvas estavam por todo o lado e mal se conseguia avançar, a rir disse a velha fórmula:
– Por cima de silveirais e por baixo de carvalhais, vou daqui até aos areais…
E, verdade seja dita, foi como se de alguma maneira o mato se tivesse tornado menos denso. Avancei quase sem dificuldade. Entretanto, o trilho acabou, mas eu continuei, na esperança de o reencontrar pouco depois. O que não aconteceu. E quando tentei voltar para trás, verifiquei que era impossível. Já não fazia ideia do lugar onde estava o velho trilho que eu tinha abandonado e, à minha volta, havia uma floresta impenetrável. Ainda repeti novamente a velha fórmula, já sem grande convicção e, naturalmente, de nada me serviu. Como não havia rede nos telefones móveis, decidi esperar que o resto do grupo passasse por ali para lhes pedir ajuda. Bem, quando estavam perto, comecei a gritar por eles, gritei até à exaustão que tinha entrado no trilho junto ao velho carvalho e que precisava de ajuda para voltar ao caminho. E eles continuamente me diziam que não entendiam o que eu estava a dizer. Desesperei, sem perceber como é que eu podia entendê-los na perfeição e eles não entenderem nada do que eu dizia. Entretanto o meu marido gritou que já tinha encontrado o trilho para a lagoa que procurávamos e perguntou se eu estava lá. Gritei várias vezes que não! Mas não serviu de nada, ainda os ouvi dizerem que iam para a lagoa, para eu esperar lá por eles e, pouco depois, deixei de os ouvir de todo. Resignei-me a ficar à espera mais um tempo, até que voltassem. Olhei novamente à minha volta e vi, a poucos metros de mim, um carvalho mesmo muito velho, fui até lá. Sentei-me no chão e encostei-me ao tronco do carvalho. A energia que senti foi mesmo muito intensa... e percebi, então, a razão de me ter perdido. Hum, daquilo que não se pode falar, nada mais resta que manter o silêncio… :)

Quando tudo acabou, decidi tentar novamente voltar ao caminho. Vi um pássaro ali perto a voar de ramo em ramo e, porque de certa forma tanto fazia, decidi segui-lo. Segui o pássaro durante um bocadinho e, de repente, deixei de o ver. Continuava sem encontrar o trilho. Pensei que era bem feito, quem me mandava acreditar em sinais daqueles. Bem sei que é absurdo, mas ainda assim é real! Por mais sinais que haja na minha vida, eu tendo sempre para a falta de fé, o que é deprimente! Mesmo depois da experiência por que tinha acabado de passar, eu continuava como sempre... Mas, a verdade é que mais uns passos e eu vi-me outra vez no velho trilho, pelo qual voltei rapidamente ao caminho.
Pouco depois, encontrei o meu marido e o meu amigo, que andavam à minha procura, para lá e para cá, desesperados. Verifiquei que a minha percepção do tempo estava desajustada da realidade, eu tinha-me perdido lá pelas 14h30, pensava ter estado no máximo meia hora no meio do bosque, mas já eram 16h.
Apesar da escassez de tempo, ainda acabamos por ir todos à lagoa, que afinal era o destino da nossa viagem. E foi um belo momento. De resto, aquele é um lugar maravilhoso, ao qual havemos de voltar muitas vezes...


A Lagoa dos Druidas fica muito perto do Santuário da Senhora da Peneda, na aldeia de Tibo, freguesia de Gavieiras. Tibo fica na estrada que vai do Soajo para o Santuário da Peneda.

Como chegar lá: em Tibo, estaciona junto à igreja. E, partindo da igreja, desce por uma rua que tem uma casa com uma divisão com telhado de zinco. Quase logo, há um degrau de cimento que dá para uma pequena ruela à direita, vai por aí. Tens que passar por baixo de uma ramada que atravessa a rua. Continuas pelo mesmo caminho, mantendo-te sempre à direita. Fazes um caminho lindíssimo, tendo ao teu lado esquerdo a imponência da Fraga das Pastorinhas. Não viras para lado nenhum, segues sempre por esse caminho, talvez cerca de dois quilómetros. Por fim, chegas a um ponto do caminho em que tens que virar à esquerda e voltar para trás, ao longo do rio, mas não exactamente junto à margem, mais acima no monte. É um pequeno trilho, que mal se dá por ele. Mas, está assinalado com três pedras, umas em cima das outras. Antes de entrares nesse velho trilho, o caminho que percorres faz parte de um dos trilhos pedestres do Gerês, o Trilho da Mistura das Águas. Este desvio de que te falo, já não faz parte... de resto, a Lagoa dos Druidas é um lugar perdido, esquecido... e talvez fosse assim que devesse ser deixado. Mas, também não creio que haja muita gente a ler-me e, quem sabe, talvez eu esteja a indicar o caminho a alguém que precise de lá ir. :)

Nota: estas fotos maravilhosas foram tiradas pelo meu querido amigo António, um dos companheiros desta aventura.

Monday, May 30, 2011

Voltando ao conceito de paganismo

Em tempos, escrevi num fórum uma resposta emotiva, reagindo a um post que apresentava fotografias de galos sacrificados, restos de velas e mais não sei o quê, que tinham vindo num jornal local, e que apresentava aquilo como vestígios do paganismo. Bem, essa é uma das razões porque muitos grupos ligados a cultos ancestrais têm reservas na utilização de expressões como pagão ou paganismo.

Assim, permitam-me trazer de volta essa antiga resposta de um fórum e dizer, aqui no meu blog, o que o meu paganismo não é:

«Peço desculpa, mas não posso deixar de manifestar a minha indignação.

No teu post escreveste: “De vez em quando aparece nos jornais locais o descontentamento de alguns por descobrirem sob os penedos imponentes restos de "mezinhas" e "bruxedos".” E acrescentas que “o paganismo ainda não desapareceu”.

Eu, que sou pagã, que uso o termo bruxa com orgulho, já chorei de dor ao ver a profanação de lugares sagrados, com esses restos de mezinhas e supostos bruxedos.

Se olharmos para os mais famosos grimoires - o grupo de Honorius, o Sepher Raziel e os códices ingleses do Lemegeton – o que encontramos é:

1. Profanação dos mistérios da religião (quer do cristianismo, quer das antigas religiões);
2. Um sacrifício de sangue caracterizado com pormenores monstruosos e a consequente profanação do espaço, da natureza. (Que é sempre muitíssimo mau, mas quando a profanação é feita a antigos lugares sagrados, é crime!)

Sei bem que muitas vezes a profanação não é intencional, mas nem assim deixa de ser uma profanação.

Outra coisa: se tens dúvidas quanto às invocações que fazem, por favor, lê meia dúzia dos grimoires medievais (de onde derivam sempre este tipo de coisas). Verás, de imediato, que se trata de literatura cristã. Sim, cristã!

Vou dar um exemplo retirado do famoso Grimoire de Honorius. Não vou colocar a razão do pedido, nem os preparativos... o ritual propriamente dito começa assim:

“Após o nascer do sol, deverá recitar de joelhos a seguinte oração: «Meu Soberano Salvador Jesus Cristo, Filho do Deus perfeito! Tu que para a salvação de toda a humanidade sofreste a morte na cruz; Tu que, antes de seres abandonado aos Teus inimigos, por um impulso de inefável amor, instituíste o Sacramento do Teu Corpo; Tu que concedeste a nós, miseráveis criaturas, o privilégio de fazer comemorações diárias; concede a este Teu humilde servo, toda a força e capacidade para a boa aplicação desse poder que lhe foi concedido contra a horda dos espíritos rebeldes. Tu que és o seu verdadeiro Deus, e se eles tremerem à expressão do Teu Nome, sobre esse Santo Nome eu chamarei, gritando Jesus Cristo! Jesus, sê a minha ajuda, agora e para sempre! Amen.»
De seguida deve ser morto um galo preto, a primeira pena da sua asa esquerda deve ser arrancada e preservada para a utilização em devido tempo. Os olhos devem ser arrancados, o mesmo quanto à lingua e ao coração; esses devem ser secos ao sol e depois reduzidos a pó. Os restos devem...”

Creio que já chega.

Isto não é de modo nenhum paganismo. É disparate, demência e crime. E, acredita, é algo muito parecido com o que eu acabei de transcrever, retirado deste ou de outro das centenas de grimoires medievais, que esteve na origem dos rituais cujos vestígios mostras.

Para terminar, quero ainda dizer que eu acredito que a Magia no seu significado belo e original foi (e é) sinónimo de sabedoria. Mas a verdadeira Magia certamente não possui nenhuma ligação causal com os vestígios que aparecem nas tuas fotografias.»

O que é então o meu paganismo? Bem, sobre isto já muito escrevi por aqui, basta ver alguns dos posts dentro do tópico Caminhos. Ainda assim, gostaria de voltar a alguns conceitos, mostrando aquilo que significam para mim, mesmo que seja através as mesmas ideias, já tantas vezes expressas, quer neste blog quer noutros lugares. Volto a repetir que não se trata de definições, é apenas aquilo que estes conceitos significam para mim.

Magia

Para mim, a Magia é, acima de tudo, a Arte da integração com o mundo, um mago é aquele que se integra na natureza de um modo absoluto, como se fosse um lobo ou uma árvore. Só aquando da sua absoluta integração na natureza é que o mago é mago. Ao se integrar na natureza o mago reencontra-se, volta à realidade imanente, à sua verdadeira natureza. E transforma-se, transformando o mundo à sua volta, isto é, transforma o SEU mundo

Rituais

Na minha perspectiva, a ritualização visa acima de tudo libertar-nos do espaço/tempo profano. É como se existisse uma linha temporal paralela, que chamaríamos de espaço/tempo mágico ou sagrado, onde um ritual é solidário a qualquer outro ritual, ainda que separado no espaço/tempo profano. A utilização dos símbolos e de certas palavras é o meio pelo qual tento comunicar com o inconsciente, tentando a partir dali alcançar o inconsciente colectivo, ou a memória de espécie. E, através desta, o espaço/tempo sagrado.

Assim, penso que os rituais têm como objectivo devolver, ainda que por instantes, o homem à sua natureza intrínseca. Há muitas diferenças entre os rituais de natureza transcendente e de natureza imanente, residindo talvez a principal no facto de não haver uma verdadeira experiência imanente sem a intervenção dos sentidos...

Quatro Elementos

Para mim, Ar, Fogo, Água e Terra são diferentes manifestações da natureza, mas não a realidade de que derivam os seus nomes. São as quatro não-substâncias básicas que formam toda a substância (em diferentes proporções), toda a matéria, incluindo nós próprios. Quando os invocamos, invocamos o campo de todas as possibilidades onde podemos trabalhar a matéria-prima do universo e onde somos também nós seres criadores.

Citando Deepak Chopra: "A diferença entre uma coisa material e outra coisa material – por exemplo, a diferença entre um átomo de chumbo e um átomo de ouro – não se estabelece a nível da matéria. As partículas subatómicas, como os protões, os electrões, os quarks e os bosões que formam um átomo de ouro ou de chumbo são exactamente as mesmas. Além disso, embora lhes chamemos partículas, eles não são coisas materiais; constituem impulsos de energia e informação. Aquilo que torna o ouro diferente do chumbo é a organização e a quantidade desses impulsos de energia e informação.
Tudo na criação material se estrutura através de informação e energia. Todas as ocorrências quânticas constituem basicamente flutuações de energia e informação. E esses impulsos de energia e informação constituem a não-substância que forma tudo aquilo que consideramos substância ou matéria."

Deuses

Um dos mais belos pensamentos Taoistas diz o seguinte: "Aja com a força concentrada do masculino e conserve a suavidade alimentadora do feminino. Abrace a mágica e harmoniosa dança destes opostos e aprecie a sua dinâmica fusão no seu ser."

O modo como nos relacionamos com os deuses, quer trabalhando com eles internamente, na qualidade de arquétipos, quer atribuindo-lhes uma existência exterior a nós e cultuando-os, é sempre um processo pessoal, profundamente íntimo, sobre o qual não há muito a dizer.

O cristianismo relevou a face masculina de Deus e esqueceu a face feminina... e eu esforço-me por também cultura a Deusa. Contudo, para mim, mesmo Deus e Deusa são meros rótulos, sei bem que a natureza divina não é cognoscível.

Roda do Ano

Porquê viver a passagem do tempo, as estações, as mudanças no mundo e os ritmos cósmicos? Porquê valorizá-los? Antes de mais, porque acredito que, como seres da natureza, participamos das mudanças na própria natureza. Assim, é importante que sintamos o Inverno e o Verão, a chuva e o sol. É importante que tenhamos momentos determinados para reviver a primavera do mundo. É importante que sejamos capazes de nos regenerar e participar na regeneração do cosmos.

Festividades Celtas

Celebro as festas pagãs e de influência celta, misturando um certo e necessário revivalismo moderno, com uma verdadeira tradição, daqui, destas gentes e lugares. Uma tradição que, por assim dizer, faz parte da minha herança cultural

A tradição celta, por estar inscrita no quadro de uma civilização que rejeitava a escrita, é conhecida através de outras civilizações, não havendo acesso directo à fonte, à origem. E a interpretação que é feita é de acordo com a visão de alguém que vive no século XXI, outro tempo e outro mundo.

Assim, por mais que eu procure os sinais, que tente conhecer os antigos mitos, que procure em alguns rituais cristianizados o velho culto, tudo isso é sempre sujeito a uma interpretação, a minha interpretação, de acordo com o meu saber e o meu sentir. E nunca poderá ser mais do que isso.

Mas, quando recrio, à minha maneira, no meu tempo e no meu mundo, as festas celtas da roda do ano estou a fazer aquilo que posso para que antigas tradições voltem, por amor e respeito por uma antiga religião, mesmo que desse antigo culto só tenha um vislumbre e eu não seja capaz de o intuir ou compreender na sua totalidade.

Para terminar, resta dizer que quando talho o círculo na clareira de uma antiga floresta, debaixo de carvalhos sagrados, isso é apenas a minha religião.

Saturday, May 28, 2011

Serpente versus Vara

Começo com a história da moura e do moleiro de Nozelos, retirada do livro A Mitologia dos Mouros, de Alexandre Parafita:

«Perto de Nozelos, no concelho de Macedo de Cavaleiros, havia há muito tempo, à beira do rio, um moinho onde vivia o moleiro. Numa manhã, o moleiro encontrou junto a uma fraga que ainda lá existe um pente de ouro. Apanhou-o e ficou todo contente.
Nisto apareceu-lhe uma donzela muito bonita, que lhe disse:
- Esse pente é meu, mas, se o quiseres, pode ser teu. E posso ainda dar-te mais riquezas. Só tens de me desencantar, pois eu sou uma moura e estou encantada numa cobra.
E explicou-lhe como tinha de fazer. Ir lá num determinado dia, a uma determinada hora e esperar que a cobra viesse e subisse por ele acima, até lhe dar um beijo. E também lhe disse que se tivesse medo, estragaria tudo.
O moleiro aceitou e à hora combinada lá foi. Sentou-se na dita pedra e esperou. De repente, sentiu atrás de si um barulho a roçar nas ervas, o que o fez tremer de susto. A seguir olhou para trás e já nada viu. Apenas uma voz:
- Ah, maroto, que me dobraste o encanto!
E nunca mais encontrou nem a moura, nem a cobra.»*

Creio que se pode dizer que este moleiro foi um bocadinho mais assustadiço do que é habitual. Normalmente, nestas lendas, o homem que vai desencantar a moura aguenta um pouco mais, fica hirto como uma vara enquanto a serpente vem e sobe por ele acima, aguenta enquanto pode, mas quase sempre acaba por fugir antes da serpente lhe poder um beijo.

Em termos simbólicos podemos ver a VARA como o princípio masculino, rígido, enquanto a SERPENTE é o princípio feminino, maleável. Tom Chetwynd diz-nos que «a serpente e a vara opõem-se em todos os sentidos - vivo/morto, enrolado/direito, etc., e em conjunto simbolizam a UNIÃO de todos os OPOSTOS que, em primeira instância, é realizada num nível muito primitivo.»**





















Então, não vos apetece reescrever esta história? Não gostavam mais de uma história em que o homem encontrasse a moura - uma moura encantada, a precisar de ser salva - e a salvasse? Esse homem haveria de ter um carácter mais heróico que o nosso moleiro, teria coragem para deixar a serpente subir suavemente por ele acima, envolvendo-o numa espiral de forte e densa energia telúrica, que lhe despertaria todos os sentidos. E no final o beijo.

Que querem? Eu gosto de histórias com finais felizes. ;)

Só um último pormenor: a voz da serpente, gritando que lhe dobraram o encantamento, é ainda a voz doce, quase infantil, da moura. A voz não muda, só o aspecto visual da moura se altera. Confesso que gosto que seja assim, que as velhas lendas vão de encontro à minha crença de que a voz é o elemento mais verdadeiro. É pena que não seja mais valorizado. Infelizmente, vivemos num mundo dominado pelo sentido da visão. Mas, se a visão se sobrepõe aos outros sentidos, também a razão se sobrepõe ao mundo sensorial. E o nosso mundo, infelizmente, é um mundo onde nós já não somos capazes de encarnar os velhos mitos, que há muito perderam o seu cariz sagrado.

* Alexandre Parafita, A Mitologia dos Mouros, Gailivro, 2006, pp. 253, 253
** Tom Chetwynd, Dicionário dos Símbolos, A Linguagem do Inconsciente, Vol 2, Planeta Editora, 1982, pp. 330

Sunday, May 22, 2011

Feiticeiras

«A natureza fê-las feiticeiras. É o espírito próprio da Mulher e o seu temperamento. Ela nasce Fada. Pelo retorno regular da exaltação, é Sibila. Pelo amor, torna-se Mágica. Pela finura e malícia (muitas vezes fantasiosa e benéfica), é Feiticeira e enfeitiça, ou pelo menos adormece e ilude os males.

Todos os povos primitivos têm o mesmo princípio; vemo-lo através das Viagens. O homem caça e combate. A mulher recorre ao espírito, imagina; cria sonhos e deuses. É vidente em certos dias; possui a asa infinita do desejo e do sonho. Para melhor contar o tempo, observa o céu. Mas a terra não está menos no seu coração. Com os olhos amorosamente postos nas flores, também ela jovem e flor, trava com elas um conhecimento pessoal. Como mulher, pede-lhes que curem aqueles que ama.»

As Feiticeiras, Jules Michelet

Em Trás-os-Montes conta-se a história da Maria Feiticeira, uma bela história que Alexandre Parafita recria num dos seus livros de contos e lendas da tradição oral, para miúdos e graúdos. No livro Bruxas, feiticeiras e suas maroteiras, lá aparece a Maria Feiticeira e a sua velhinha peneira, porque, tal como nos diz o autor, «segundo a tradição popular, a peneira é o objecto mágico das feiticeiras, tal como a vassoura é o objecto mágico das bruxas e a varinha de condão é o das fadas». E que fazia então a tia Maria Feiticeira com a sua peneira? Bem, é muito simples, em tempo quente, peneirava o estio para que viesse o frio, e quando arrefecia, peneirava o frio para que viesse o estio.

Munida da sua peneira, a feiticeira «peneirava o sol, peneirava a noite, a solidão, a tristeza... e o que mais lhe conviesse». E assim a velha feiticeira, a mulher a quem cabia gerar, criar e amar, peneirava a fome e o frio, peneirava o medo e a dor, peneirava o desespero e a morte... que outro objecto poderíamos escolher para a feiticeira que não fosse a sua velha peneira? Círculo mágico que a feiticeira faz dançar nas suas mãos, ao mesmo tempo que vai recriando o seu mundo... dando-lhe vida, alegria e cor.

Saturday, May 21, 2011

A Dama Pé de Cabra

Bem perto da aldeia onde nasci, em Trás-os-Montes, conta-se a lenda da bela princesa moura que vivia numa torre, onde recebia os cavaleiros que a procuravam ou, segundo outra versão, que ela escolhia, sem que nenhum voltasse a sair vivo dessa torre. Até que um deles, mais astuto, deixou a princesa adormecer e roubou-lhe um anel, que mostrou às sentinelas da torre que, assim, o deixaram passar. Quando a princesa acordou e viu que o cavaleiro tinha partido, soube que o seu segredo tinha sido revelado - a princesa tinha pernas de cabra.
Depois, conforme a versão da lenda, a princesa ou se atira à sua cisterna e morre, ou desaparece num encantamento. E assim termina a história da bela princesa
Dona Chamorra,
pernas de cabra,
cara de senhora.

Dalila Pereira da Costa refere «a provável existência entre nós do xamanismo. Vestígios da existência de seus poderes extáticos, poderão estar na inconografia do monumento de Sá, do Museu Martins Sarmento, que representa um morto ou vivo glorificado, ascendendo ao céu montado num cavalo; e ainda na figura lendária da Dama pé de cabra, possuindo fortes características de mulher xamã, no seu poder de voar, na sua íntima ligação com o onagro, o cavalo primitivo, nas suas artes mágicas e toda sua natureza marcadamente infernal».

Dalila Pereira da Costa, Da Serpente à Imaculada, Lello & Irmão Editores, Porto: 1984, pp.10

Faun And Nymph by Pal Szinyei Merse, 1868.


Thursday, May 19, 2011

Sempre Verde

Sempre verde venerado
Nado sem ser semeado...

Muitas das nossas rezas populares e benzeduras começam assim, com a referência ao sempre verde venerado. Mas, sobre isso já falei noutros posts. Hoje, quero deixar apenas uma resposta à questão: o que é o sempre verde? De acordo com Leite Vasconcelos, o sempre verde é o sabugueiro - José Leite de Vasconcelos, Tradições Populares de Portugal, Livraria Portuense de Clavel & Companhia Editores, Porto: 1882, pp. 122.