«O conflito entre a tradição católica e a popular aparece mesmo numa cantiga, em que S. João é representado tendo, a custódia numa das mãos, como convinha ao Precursor, mas empunhando na outra um ramalhete, mais próprio duma divindade pagã.
Mas é sob este último aspecto, que ele vive na alma popular, moço e rústico pastor, de figura e alma tão paganisada, que se permite todas as aventuras duma divindade do Olimpo, e partilhando a vida dos mortais, vai aos montes colher braçadas de giesta para as suas fogueiras, beija as raparigas, faz uma fonte de prata para as ver, mistura-se nos seus divertimentos e desmanda-se a ponto, o bom do santo, que lhe chamam velhaco!
Lá vem o Baptista abaixo,
Vestido de azul ferrete.
Numa mão traz a custódia
E na outra um ramalhete.
Além vem o barco novo,
Que fizeram os pastores,
Trazem dentro S. João,
Todo coberto de flores.
Para fazer as fogueiras
Na noite da sua festa,
S. João traz lá do monte
Um braçado de giestas.
Ai! meu rico S. João,
Ouve as trovas dos festeiros
Faz as moças bem doidas
E os velhos bem gaiteiros.
S. João, quando era novo,
Tinha uns sapatinhos brancos,
Pra visitar as raparigas
Domingos e dias santos.
S. João era bom moço,
Se não fora tão velhaco,
Foi com três moças á fonte,
Foi com três, veio com quatro.
S. João, por ver as moças,
Fez uma fonte de prata;
As moças não vão à fonte
S. João todo se mata.
S. João se adormeceu
Nas escadinhas do coro,
Deram as freiras com ele
Depenicaram-no todo.
Lá vem o Baptista abaixo.
Comendo num cacho d'uvas,
Dando os bagos ás solteiras,
Os engaços ás viuvas.
Lá vem o Baptista abaixo,
Subindo aquellas ladeiras,
Dando abraços ás viuvas,
E beijinhos ás solteiras.»
Jamie Cortesão, Cancioneiro Popular, Antologia Precedida Dum Escudo Crítico, 1914, pag. 39, 106, 107.
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