Tuesday, February 02, 2010

Outeiro

"...
No chão deste outeiro
Talho o círculo por inteiro!
..."

Eu digo sempre Outeiro, mesmo quando talho o círculo no meu quarto... É sempre Outeiro!
Outeiro deriva do latim altariu, que significa altar. Outeiro é o monte, a colina... que é altar.

Eu, naturalmente, gosto de todos os lugares que ainda são chamados de Outeiros. Algo ainda comum na nossa terra. :)

Por vezes, temos que procurar o escondido, o que não é imediato... mesmo nas palavras. ;)

Já agora, o povo distingue entre reza e prece. Prece - que deriva do latim precari, que quer dizer suplicar, rogar - é, antes de mais, um pedido que se faz em voz baixa, que depende sobretudo da intenção, e não tanto da cadência das palavras. Mas reza é algo distinto. Rezar deriva do latim recitare, que também originou em português recitar. Na reza, a expressão sonora é determinante. Vejamos um exemplo duma reza popular da Trovoada:

"S. Jerónimo se levantou,
Seu sapatinho d’ouro calçou,
Seu cacheirinho agarrou,
Seu caminho caminhou.
Deus Nosso Senhor o encontrou.
– Onde vais, S. Jerónimo?
– Vou espalhar esta trovoada
Que por cima de nós anda armada.
– Espalha-a lá para bem longe,
Para onde não haja pão nem vinho,
Nem flor de rosmaninho,
Nem eira nem beira,
Nem raminho de oliveira,
Nem gadelhinho de lã,
Nem alminha cristã."

Nas rezas populares a criação léxico-semântica, que nem sempre faz sentido, visa acima de tudo potenciar uma certa sonoridade, criar um ritmo narrativo, abrir um caminho de acesso ao mágico-sagrado. Devemos valorizar esta nossa herança, que vêm da tradição Oral. E entender que a base fónica - composta por vários tipos de rima, aliterações, assonâncias - não surge por acaso, mas pela necessidade de criar um certo ritmo, um determinado som. As rezas são o que resta de uma manifestação sensorial, inseridas numa espiritualidade já muito pouco voltada para os sentidos.

As rezas populares têm origem em práticas pagãs, em invocações mágicas. E são o que de mais genuíno temos, relativamente ao modo como se deve fazer uma invocação num ritual mágico. Assim, uma invocação mágica deverá valorizar igualmente a componente métrico-rítmica. Deverá ter ritmo e um som forte, deverá potenciar os sentidos.

Fairy Dance by Hans Zatzka (1859 - 1945).


No comments: