Caminho com a roda do ano, para o fim de um ciclo. E o início de outro ciclo. Todos os meus sentidos estão despertos, o meu mundo amadurece em cores e aromas intensos, é Outubro.
Em Outubro o caminho abre-se à minha frente na terra arada, negra e fecunda. E do Norte e da Terra, caminho para o Este e para o Ar, levada pela intensidade do cheiro a terra molhada, que me faz pensar em mim própria como uma semente, que me faz querer voltar ao ventre da Terra Mãe e encolher com a estação, ficar de novo pequenina, libertar-me do supérfluo, deixar para trás as minhas máscaras, que inadvertidamente criei ao longo do ano, para renascer com a minha própria face em Yule.
Mas é ainda cedo, Outubro é tempo de colheita, as últimas colheitas do ano. E nada se compara à intensidade das cores, dos sabores e dos aromas de Outono. O cheiro das castanhas assadas que suavemente começa a aparecer nas ruas da minha cidade. Os dias a meio da semana, que se transformam em fantásticos fins de tarde solarengos, em clareiras em maravilhosos tons outonais, que sobrestimulam os sentidos. Os fins de semana a apanhar bolota e outros frutos silvestres. Os últimos piqueniques. E a minha cozinha transformada no meu laboratório alquímico, com os aromas das tartes de maçã e de abóbora a cozer no forno, com a cor intensa das taças de marmelada a apanhar sol junto à janela.
É Outubro, o tempo místico das primeiras fogueiras, do fumo branco que faz pensar em brumas misteriosas e mágicas, que me transporta para outros mundos. Volto-me, então, para o Fogo e para o Sul, agradecendo o suave calor do sol, sentindo fortemente a luz dos meus dias.
Nunca, em nenhuma outra altura do ano, sinto assim tanto a necessidade de apreciar o sol quando o dia é claro e luminoso, e a chuva quando chove. A maravilhosa chuva de Outono, que alimenta a terra ressequida nos meses de estio, que me vivifica. Estou, agora, no mundo da Água, no Oeste. Caminho descalça na minha praia vazia, na areia húmida, e o mundo à minha volta é um mundo que, a cada instante, se revela. É Outubro.
2 comments:
Ao ler este post, a vontade de regressar aos tempos dos nossos avós aumentou. :) Que pena que é se se perderem essas tradições. A marmelada, as compotas, os magustos... Incrivelmente eu tenho alunos (3º ciclo) que já não sabem o que são magustos. E eu tenho pena por eles, por não poderem desfrutar destas coisas.
Eu também tenho pena... :(
E parece-me que perdem muito mais do que as estações, que já não sentem, ao perderem o tempo cíclico.
Com o desaparecimento do tempo cíclico, desaparecem os mitos e os heróis de outros tempos, fortemente ligados à roda do ano...
Escrevi, na semana passada, num fórum a este propósito o seguinte:
«Quando é que tudo se modificou? Bem, eu diria que foi com o aparecimento do cristianismo. Com o cristianismo, deparamos com uma inovação (não necessariamente positiva, note-se), o herói Jesus Cristo já não era uma personagem mítica, mas, bem pelo contrário, histórica. E mais, com o cristianismo os mitos, todos os grandes mitos da história da humanidade, de todas as civilizações, passaram a ser vistos como meras fábulas. Repara que isto é uma inversão total dos valores: enquanto o homem moderno confunde o mito com as fábulas, para o homem das sociedades tradicionais, para o homem pré-cristão, para o pagão, o mito era a única revelação válida da realidade. Precisamente!
A mente colectiva é a-histórica, incapaz de registar acontecimentos históricos. Os mitos são, assim, a linguagem da mente colectiva. Jung fala do Homem à Descoberta da Sua Alma, fala-nos do mundo moderno, em crise desde a ruptura com a mente colectiva, com a mente mitológica, provocada pelo cristianismo. E diz-nos que o homem moderno precisa de um novo mito... mas como poderá encontrá-lo se nem sequer entende já a linguagem mítica?
O cristianismo disse-nos que o nosso senhor Jesus Cristo morreu na cruz, e que isso foi uma morte real, num determinado momento da nossa história. Morreu pelos nossos pecados. Morreu uma única vez. É tudo. Parece quase inofensivo, não parece? Mas não é!
E ai de quem refira o caracter mistérico da morte e ressurreição...
Hum, onde é que nos levou a nós europeus modernos esta nossa paixão historiográfica? Bem, a verdade é que a angústia perante a Morte, o Nada, parece ser um fenómeno moderno. É uma tristeza, mas que se há-de fazer? O homem moderno anseia pela eternidade, sem sequer ter consciência que está a ser devorado pelo tempo, pelo tempo que ele próprio reinventou...
Eu podia dizer umas coisinhas sobre a necessidade do tempo cíclico, mas não me apetece... eu esforço-me até à exaustão para levar de novo o tempo cíclico até às pessoas que eu conheço, mas mesmo perante essas é uma tarefa inglória...
Bem, vou terminar com uma citação do Mircea Eliade, que certamente é bem mais credivel do que eu:
"... se conhecemos a morte cá em baixo, se morremos inúmeras vezes, continuamente, para renascer como outra coisa, segue-se daí que o homem vive já cá em baixo, sobre a terra, uma vida que não pertence à Terra, que participa no sagrado, na divindade; ele vive, digamos, um princípio de imortalidade, aflora cada vez mais a imortalidade. Por conseguinte, a imortalidade não deve ser concebida como uma sobrevivência post mortem, mas como uma situação que criamos continuamente, para a qual nos preparamos e mesmo nela participamos desde agora, desde este mundo em que estamos. A não morte, a imortalidade deve ser entendida então como uma situação limite, situação ideal para a qual o homem tende com todo o seu ser e que se esforça por conquistar, morrendo e ressuscitando continuamente."
Isto é o tempo cíclico, isto é a visão do paganismo. E isto foi o que o cristianismo eliminou. E que, na minha opinião, tem que ser trazido de volta. Os montes e vales continuam cá... mas nós estamos a deixar desaparecer algo igualmente precioso... terá mesmo que ser assim?»
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