Thursday, February 25, 2010
Monday, February 15, 2010
Carnaval
Para os nossos longínquos antepassados, que agora tão facilmente chamamos de primitivos, os aspectos sérios e cómicos da divindade, do mundo e do próprio homem eram igualmente sagrados. A par da solenidade, existia também o valor ritual do riso e da alegria.
«No primitivo estado romano, durante a cerimónia de triunfo, celebrava-se e escarnecia-se o vencedor em igual proporção; do mesmo modo durante os funerais chorava-se (ou celebrava-se) e ridicularizava-se o defunto.»
É desta cultura ancestral que nos chegam os festejos carnavalescos. Com o carnaval assistimos a uma manifestação pura da vida em si mesma, sem distinção entre actores e espectadores. É um acto de liberdade e de regeneração, que vem da antiguidade longínqua.
Nesse sentido, o carnaval não era uma forma artística de espectáculo teatral, mas uma forma concreta (embora provisória) da própria vida, que não era simplesmente representada no palco, antes pelo contrário, vivida enquanto durava o carnaval. Isso pode expressar-se da seguinte maneira: durante o carnaval é a própria vida que representa e interpreta (sem cenário, sem palco, sem actores, sem espectadores, ou seja, sem os atributos específicos de todo o espectáculo teatral) uma outra forma livre da sua representação, isto é, o seu próprio renascimento e renovação sobre melhores princípios. Aqui a forma efectiva da vida é ao mesmo tempo a sua forma ideal ressuscitada.
Em resumo, durante o carnaval é a própria vida que representa, e por um certo tempo o jogo se transforma em vida real. Essa é a natureza específica do carnaval, o seu modo particular de existência.
O carnaval é a segunda vida do povo, baseada no princípio do riso. É a sua vida festiva. A festa é a propriedade fundamental de todas as formas de ritos e espectáculos cómicos da Idade Média.
Todas essas formas apresentam um elo exterior com as festas religiosas. Mesmo o carnaval, que não coincidia com nenhum facto de história sagrada, com nenhuma festa de santo, realizava-se nos últimos dias que precediam a grande quaresma (daí os nomes franceses de Mardi gras ou Carême-Prenant e, nos países germânicos, de Fast-nacht). O elo genético que une essas formas aos festejos pagãos agrícolas da antiguidade, e que incluem no seu ritual o elemento cómico, é mais essencial ainda.
As festividades (qualquer que seja o seu tipo) são uma forma primordial marcante, da civilização humana. Não é preciso considerá-las nem explicá-las como um produto das condições e finalidades práticas do trabalho colectivo nem, interpretação mais vulgar ainda, da necessidade biológica (fisiológica) de descanso periódico. As festividades tiveram sempre um conteúdo essencial, um sentido profundo, exprimiram sempre uma concepção do mundo. Os "exercícios" de regulamentação e aperfeiçoamento do processo do trabalho colectivo, o "jogo no trabalho", o descanso ou a trégua no trabalho nunca chegaram a ser verdadeiras festas. Para que o sejam, é preciso um elemento a mais, vindo de uma outra esfera da vida corrente, a do espírito e das ideias. A sua sanção deve emanar não do mundo dos meios e condições indispensáveis, mas daquele dos fins superiores da existência humana, isto é, do mundo dos ideias. Sem isso, não pode existir nenhum clima de festa.
As festividades têm sempre uma relação marcada com o tempo. Na sua base, encontra-se constantemente uma concepção determinada e concreta do tempo natural (cósmico), biológico e histórico. Além disso, as festividades, em todas as suas fases históricas, ligaram-se a períodos de crise, de transtorno, na vida da natureza, da sociedade e do homem. A morte e a ressurreição, a alternância e a renovação constituíram sempre os aspectos marcantes da festa. E são precisamente esses momentos – nas formas concretas das diferentes festas – que criaram o clima típico da festa.
Sob o regime feudal existente na Idade Média, esse carácter de festa, isto é, a relação da festa com os fins superiores da existência, a ressurreição e a renovação, só podia alcançar a sua plenitude e a sua pureza, sem distorções, no carnaval e em outras festas de que se revestia a segunda vida do povo, o qual penetrava temporariamente no reino utópico da universalidade, liberdade, igualdade e abundância.
Por outro lado, as festas oficiais – tanto as da igreja como as do Estado feudal – não arrancavam o povo à ordem existente, não criavam essa segunda vida. Pelo contrário, apenas contribuíam para consagrar o regime em vigor, para fortificá-lo. O elo com o tempo tornava-se puramente formal, as sucessões e crises ficavam totalmente relegadas ao passado. Na prática, a festa oficial olhava apenas para trás, para o passado de que se servia para consagrar a ordem social presente. A festa oficial, às vezes mesmo contra as suas intenções, tendia a consagrar a estabilidade, a imutabilidade e a perenidade das regras que regiam o mundo: hierarquias, valores, normas e tabus religiosos, políticos e morais correntes. A festa era o triunfo da verdade pré-fabricada, vitoriosa, dominante, que assumia a aparência de uma verdade eterna, imutável e peremptória. Por isso o tom da festa oficial só podia ser o da seriedade sem falha, e o princípio cómico era-lhe estranho. Assim, a festa oficial traía a verdadeira natureza da festa humana e desfigurava-a. No entanto, como o carácter autêntico desta era indestrutível, tinham que tolerá-lo e às vezes até mesmo legalizá-lo parcialmente nas formas exteriores e oficiais da festa e conceder-lhe um lugar na praça pública.
Ao contrário da festa oficial, o carnaval era o triunfo de uma espécie de libertação temporária da verdade dominante e do regime vigente, de abolição provisória de todas as relações hierárquicas, privilégios, regras e tabus. Era a autêntica festa do tempo, a do futuro, das alternâncias e das renovações. Opunha-se a toda a perpetuação, a todo o aperfeiçoamento e a toda a regulamentação, apontava para um futuro ainda incompleto. »
«Ao longo de séculos de evolução, o carnaval da Idade Média, preparado pelos ritos cómicos anteriores, velhos de milhares de anos (incluindo, na Antiguidade, as saturnais), originou uma linguagem própria de grande riqueza, capaz de expressar as formas e símbolos do carnaval e de transmitir a percepção carnavalesca do mundo, peculiar, porém complexa, do povo. Essa visão, oposta a toda a ideia de acabamento e de perfeição, a toda essa pretensão de imutabilidade e de eternidade, necessitava de se manifestar através de formas de expressão dinâmicas e mutáveis (proteicas), flutuantes e activas. Por isso todas as formas e todos os símbolos da linguagem carnavalesca estão impregnados do lirismo e da alternância e da renovação, da consciência da alegre relatividade das verdades e autoridades no poder. Caracteriza-se, principalmente, pela lógica original das coisas “ao avesso”, “ao contrário”, das permutações constantes do alto e do baixo (“a roda”), da face e do traseiro, e pelas diversas formas de paródias, travestis, degradações, profanações, coroamentos e destronamentos bufões. A segunda vida, o segundo mundo da cultura popular constrói-se de certa forma com a paródia da vida ordinária, como um “mundo ao revés”. É preciso assinalar, contudo, que a paródia carnavalesca está muito distante da paródia moderna puramente negativa e formal; com efeito, mesmo negando, aquela ressuscita e renova ao mesmo tempo. A negação pura e simples é quase sempre alheia à cultura popular.»
Posto isto, resta ainda a questão do nome... porquê "carnaval"?
«Desde a segunda metade do século XIX, numerosos autores alemães defenderam a tese da origem alemã da palavra carnaval, que teria a sua etimologia de karne ou karth, ou “lugar santo” (isto é, a comunidade pagã, os deuses e os seus servidores) e de val (ou wal) ou “morto”, “assassinado”. Carnaval significaria, ortanto, a procissão dos deuses mortos.»
Este é um elemento introduzido pelo Cristianismo. Contudo, não nos podemos esquecer que o elemento carnavalesco já existe nas antigas lendas celtas. Os símbolos carnavalescos são dotados de uma riqueza e de uma originalidade exterior ao Cristianismo, são um legado muitíssimo mais antigo, são um património pagão.
E como poderia o universo cristão compreender a natureza complexa e ambivalente do riso carnavalesco? Que «é, antes de mais, um riso festivo. Não é, portanto, uma reacção individual diante de um ou outro facto “cómico” isolado. O riso carnavalesco é, em primeiro lugar, um património do povo (esse carácter popular, como dissemos, é inerente à própria natureza do carnaval); todos riem, o riso é "geral"; em segundo lugar, é universal, atinge todas as coisas e todas as pessoas (inclusive as que participam no carnaval), o mundo inteiro parece cómico e é percebido e considerado no seu aspecto jocoso, no seu alegre relativismo; por último, esse riso é ambivalente: alegre e cheio de alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador e sarcástico, nega e afirma, amortalha e ressuscita simultaneamente.»
Este riso popular e festivo nada tem a ver com o riso satírico e humorista a que estamos habituados, nestes tempos modernos. «O autor satírico que apenas emprega o humor negativo, coloca-se fora do objecto aludido e opõe-se a ele; isso destrói a integridade do aspecto cómico do mundo, e então o risível (negativo) torna-se um fenómeno particular. Ao contrário, o riso popular ambivalente expressa uma opinião sobre um mundo em plena evolução no qual estão incluídos os que riem.» Sim, porque não nos podemos esquecer que «uma qualidade importante do riso na festa popular é que escarnece dos próprios burladores. O povo não se exclui do mundo em evolução. Também ele se sente incompleto; também ele renasce e se renova com a morte.»
«O problema do riso popular deve ser colocado de maneira conveniente. Os estudos que lhe foram consagrados incorrem no erro grosseiro de modernizá-lo grosseiramente, interpretando-o dentro do espírito da literatura cómica moderna, seja como um humor satírico negativo, seja como um riso alegre destinado unicamente a divertir, ligeiro e desprovido de profundidade e força.»
Mas, este riso pagão e popular, é algo mais. «Devemos assinalar especialmente o carácter utópico e o valor de concepção do mundo desse riso festivo, dirigido contra toda a superioridade.» É um riso mítico, que «mantém viva ainda a burla ritual da divindade, tal como existia nos antigos ritos cósmicos». É um riso purificador, que faz desaparecer todos os elementos culturais limitativos, deixando apenas «os elementos humanos, universais e utópicos».
Todos os excertos são do livro A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, de Mikhail Bakhtin.
Fotos retiradas daqui.
Thursday, February 11, 2010
Chamar a alma do porco
F. Martins Sarmento
Annuario para o estudo das Tradições Populares Portuguezas, dirigido por J. Leite Vasconcellos, 1º Anno – 1883, pag. 36.
Wild boar foraging in the snow at dusk by Y. F. Kollenbach (German, 19th Century).
Wednesday, February 10, 2010
Oração ao Sol
Até o culto do Sol, comum a todos os povos arianos, cujos vestígios alguns mitólogos vão buscar às festas de S. João e do Natal, que coincidem com o Solstício do Verão e o Solsticio do Inverno, existe bem evidente no cancioneiro, quer isolado, quer fundido com os símbolos cristãos. Haja em vista esta curiosíssima cantiga, que nós deparamos na Revista de Guimarães:
ORAÇÃO AO SOL
Vou-me despedir de vós,
Adeus, oh! Sol que te vais,
Deixais-me ficar sósinha
No meio dos pinheirais.
Oh! Sol, torna amanhã,
Eu quero-te ver nascer,
Só a vós é que eu adoro,
Só por vós quero morrer.
A seguir ha esta nota: «Esta oração só deve ser dita ao pôr do Sol; a qualquer outra hora é pecado».
Perante este precioso documento não podem restar dúvidas de que existam entre nós restos daquele culto. Demais, em muitas cantigas aparece a expressão Sol divino, como teremos ainda ocasião de ver. Outro curioso documento mas este da fusão do mito solar com o cristianismo ou do reaparecimento daquele sob as representaçõis cristãs, posteriormente recebidas, é o Terço da Aurora, coligido nas Tradiçõis de Serpa, na Revista Lusitana, por M. Dias Nunes e cuja notícia queremos dar tal e qual ali aparece, por ser muito significativa:
O TERÇO DA AURORA
Esta cerimónia religiosa realiza-se por ocasião das festas em louvor da Senhora dos Remédios, Conceição, Prazeres, e também pela Páscoa e Quinta-feira de Ascensão. Na madrugada do dia em que a festividade se celebra, os devotos que primeiro chegam á respectiva igreja, saem em grupo, e vão de porta em porta a procurar os seus confrades retardatários, cantando:
A ADORAÇÃO
Os devotos que hão de vir a rezar o sacratíssimo rosário de Maria Aurora—podem vir que é tempo—para que esta soberana não diga—que nos entregamos—ao esquecimento.— Podem vir que é tempo.
Depois de todos reunidos—todos os irmãos particularmente convidados para tomarem parte no terço—percorrem as principaes ruas da vila entoando repetidas vezes em coro e num ritmo extremamente arrastado e monótono o padre-nosso, â ave-maria e a gloriapatri; tendo o cuidado de sempre que se aproximam de qualquer igreja du de qualquer passo fazer um poiso e recitar o
OFERECIMENTO
Soberana, divina Aurora
Mãe do eterno Sole,
Quem como vós pudera,
Soccorrer-nos melhore!
Quando o sol é nado, recolhem á igreja donde saíram, e ahi pronunciam em altas vozes:
(Voz), Gloria patri, é filho, é desprito santo,
(Coro). Secundire de príncipe, é de nunca é semper, é de sedo sécloro. Amei;
É de notar que a cerimónia se realisa de madrugada até que o Sol é nado e a clara substituição ou fusão da Virgem com a divina Aurora e de Cristo com o eterno Sol.
E essa Oração ao Sol nascente, conjuração de bruxa ciumenta, exortando o Sol, numa rajada de ardorosa paixão, a que lhe sirva de intermediário e realise, com o divino poder, os seus desatinados e raivosos desejos!»
Jamie Cortesão, Cancioneiro Popular, Antologia Precedida Dum Escudo Crítico, 1914, pag 35, 36,37.
Winter landscape by Osterlehner Erwin.
Cantigas de S.João
Mas é sob este último aspecto, que ele vive na alma popular, moço e rústico pastor, de figura e alma tão paganisada, que se permite todas as aventuras duma divindade do Olimpo, e partilhando a vida dos mortais, vai aos montes colher braçadas de giesta para as suas fogueiras, beija as raparigas, faz uma fonte de prata para as ver, mistura-se nos seus divertimentos e desmanda-se a ponto, o bom do santo, que lhe chamam velhaco!
Lá vem o Baptista abaixo,
Vestido de azul ferrete.
Numa mão traz a custódia
E na outra um ramalhete.
Além vem o barco novo,
Que fizeram os pastores,
Trazem dentro S. João,
Todo coberto de flores.
Para fazer as fogueiras
Na noite da sua festa,
S. João traz lá do monte
Um braçado de giestas.
Ai! meu rico S. João,
Ouve as trovas dos festeiros
Faz as moças bem doidas
E os velhos bem gaiteiros.
S. João, quando era novo,
Tinha uns sapatinhos brancos,
Pra visitar as raparigas
Domingos e dias santos.
S. João era bom moço,
Se não fora tão velhaco,
Foi com três moças á fonte,
Foi com três, veio com quatro.
S. João, por ver as moças,
Fez uma fonte de prata;
As moças não vão à fonte
S. João todo se mata.
S. João se adormeceu
Nas escadinhas do coro,
Deram as freiras com ele
Depenicaram-no todo.
Lá vem o Baptista abaixo.
Comendo num cacho d'uvas,
Dando os bagos ás solteiras,
Os engaços ás viuvas.
Lá vem o Baptista abaixo,
Subindo aquellas ladeiras,
Dando abraços ás viuvas,
E beijinhos ás solteiras.»
Jamie Cortesão, Cancioneiro Popular, Antologia Precedida Dum Escudo Crítico, 1914, pag. 39, 106, 107.
Wednesday, February 03, 2010
Velhos rituais
A velha dividia a massa, criando pães redondos, que colocava a levedar. Benzendo cada um dele: “S. Mamede te levede, S. Vicente te acrescente, S. João te faça pão”. Sem esse velho gesto, outrora livre e pagão, agora cristianizado, o processo não estava completo.
Enquanto o pão levedava, a velha começava a aquecer o antigo forno comunitário, também de formato circular, feito de pedras de granito escurecidas e gastas. Aquecer o forno era igualmente um acto ritual, onde tudo se fazia como sempre se fez, começando com as giestas e acabando com os feixes de vides, pelo meio outra lenha era queimada, inebriando a velha com o aroma intenso da esteva e reconfortando-a com o suave crepitar da oliveira.
Neste ritual do pão, o círculo estava sempre presente, do princípio ao fim. Mas, agora era outro tempo. E ao acabar de colocar o pão no forno, a velha fazia com a pá uma cruz na entrada do forno, antes de o fechar. Mas nem sempre foi assim. E, na memória, ainda ficou o nome para esse gesto final: “talhar o forno”.
O pão era sagrado. E a velha apanhava-o e beijava-o quando este caía ao chão. O pão que se comia até à última migalha. E quando um daqueles grandes pães acabava, era sempre a velha quem encetava outro, benzendo-o novamente quando cortava a primeira fatia.
O pão estava sempre presente, na mesa de todos os dias e nas festas. O cesto de pão que a velha distribuía às vizinhas, quando em casa nascia mais uma criança. Ou o carolo que a velha trazia do mortório e comia mais tarde, sozinha e em silêncio, para dar paz ao defunto. O pão participava do nascimento e da morte.
Tuesday, February 02, 2010
Outeiro
No chão deste outeiro
Talho o círculo por inteiro!
..."
Eu digo sempre Outeiro, mesmo quando talho o círculo no meu quarto... É sempre Outeiro!
Outeiro deriva do latim altariu, que significa altar. Outeiro é o monte, a colina... que é altar.
Eu, naturalmente, gosto de todos os lugares que ainda são chamados de Outeiros. Algo ainda comum na nossa terra. :)
Por vezes, temos que procurar o escondido, o que não é imediato... mesmo nas palavras. ;)
Já agora, o povo distingue entre reza e prece. Prece - que deriva do latim precari, que quer dizer suplicar, rogar - é, antes de mais, um pedido que se faz em voz baixa, que depende sobretudo da intenção, e não tanto da cadência das palavras. Mas reza é algo distinto. Rezar deriva do latim recitare, que também originou em português recitar. Na reza, a expressão sonora é determinante. Vejamos um exemplo duma reza popular da Trovoada:
"S. Jerónimo se levantou,
Seu sapatinho d’ouro calçou,
Seu cacheirinho agarrou,
Seu caminho caminhou.
Deus Nosso Senhor o encontrou.
– Onde vais, S. Jerónimo?
– Vou espalhar esta trovoada
Que por cima de nós anda armada.
– Espalha-a lá para bem longe,
Para onde não haja pão nem vinho,
Nem flor de rosmaninho,
Nem eira nem beira,
Nem raminho de oliveira,
Nem gadelhinho de lã,
Nem alminha cristã."
Nas rezas populares a criação léxico-semântica, que nem sempre faz sentido, visa acima de tudo potenciar uma certa sonoridade, criar um ritmo narrativo, abrir um caminho de acesso ao mágico-sagrado. Devemos valorizar esta nossa herança, que vêm da tradição Oral. E entender que a base fónica - composta por vários tipos de rima, aliterações, assonâncias - não surge por acaso, mas pela necessidade de criar um certo ritmo, um determinado som. As rezas são o que resta de uma manifestação sensorial, inseridas numa espiritualidade já muito pouco voltada para os sentidos.
As rezas populares têm origem em práticas pagãs, em invocações mágicas. E são o que de mais genuíno temos, relativamente ao modo como se deve fazer uma invocação num ritual mágico. Assim, uma invocação mágica deverá valorizar igualmente a componente métrico-rítmica. Deverá ter ritmo e um som forte, deverá potenciar os sentidos.
Fairy Dance by Hans Zatzka (1859 - 1945).
Monday, February 01, 2010
Festa das Luzes
Nesta noite, o espírito do fogo celebramos
E na escuridão o nosso Caminho iluminamos.
Deixamos a Luz clarear os escuros dias já vividos.
E com a natureza e os cordeirinhos recém-nascidos
Louvamos a Lua do Leite desta e doutra era...
E em nós e no mundo nasce a Promessa da Primavera!
Nesta noite, o arquétipo da criança invocamos...
Trazemos fé aos nossos sonhos e acreditamos
Que também nós podemos fazer a vida acontecer!
Somos jovens como o Sol, somos o mundo a crescer!