Mais rostos de pedra aqui
Friday, December 26, 2008
Saturday, December 06, 2008
Espírito e Matéria
As grandes religiões monoteístas deram a pouco e pouco ao mundo ocidental aquilo que, actualmente, é quase uma verdade universal: a separação entre espírito e matéria. Descartes definiu, para o mundo moderno, espírito e matéria como sendo duas realidades totalmente distintas entre si. E condenou-nos a uma visão do mundo da matéria completamente despojado de todo o seu conteúdo espiritual, deixando-nos ainda a braços com um conceito de espírito cada vez mais abstracto e vazio.
Bem, como eu estou aqui para aprender com os homens de outras épocas, dou-me ao luxo de considerar que Descartes não sabia sequer do que falava. ;)
Hum, é sábado de manhã, o meu amor está a dormir e enquanto eu espero que ele acorde para preparar um pequeno-almoço com panquecas e café, penso em Descartes. O que não incomoda de modo nenhum o meu amado, que certamente ficaria bem mais aborrecido se eu estivesse a pensar no Brad Pitt. :P
Bem, para os homens de outras épocas, a divindade ainda não se chamava apenas Deus, a divindade era Deus e Deusa, Céu e Terra, Activo e Passivo, Espírito e Matéria. A matéria era vista como uma manifestação da divindade, de modo algum totalmente separada do espírito, o seu complemento indispensável. A divindade surgia como dois pólos que jamais se poderiam separar, porque em tudo quanto a Terra produzia, o Céu estava presente como força criadora. Poderíamos igualmente dizer que as ideias celestiais precisavam da essência terrestre para "serem". Assim, para a humanidade "arcaica" a divindade manifestava-se de dois modos distintos, ainda que indissociáveis, que se relacionavam entre si como Masculino e Feminino, como Homem e Mulher, como Pai e Mãe, como Deus e Deusa.
Para a philisophia perennis, que, até ao advento do racionalismo, foi comum ao Oriente e Ocidente, as duas origens, a activa e a passiva, representam, para lá de toda a manifestação visível, os pólos primários da existência, regentes de todas as coisas.
Mas o mundo mudou e a matéria passou a ser apenas "coisa", desprovida do sagrado. Convém aqui notar que para o homem primitivo, a matéria também possuía este aspecto meramente físico, só que, apesar disso, não se considerava que a matéria preenchia por si só toda a realidade e que no final da realidade observável, estava apanas o NADA. Toda a matéria continha na sua essência o sagrado, o que induziria que a realidade física era na sua essência constituida por entidades metafísicas.
Um perfeito disparate, não? Nem por isso. A física diz-nos actualmente que a natureza das coisas materiais revela-se como não-material. As componentes elementares das coisas reais formam uma espécie de realidade que é diferente das coisas que produzem. Ao nível das partículas elementares, estados com aparência de ideias adquirem aparência material. Lothar Schäfer insiste que a mensagem da física contemporânea é que, nas suas fronteiras, a realidade observável não se desvanece no nada, mas na metafísica. Diz-nos ainda que: "Se o universo é de aparência mental, é mais provável que comunique com a nossa mente, do que não o faça."
Muito mais haveria a dizer mas, tenho que tratar do pequeno-almoço. ;)
Termino com as palavras de Muhyi-d-Dîn Ibn Arabî, um dos grandes mestres da mística islâmica, que descrevia a Natureza Universal como sendo a parte feminina e maternal da criação, autor desta frase iluminada: "O mundo da natureza consiste em múltiplas formas reflectidas num único espelho. Não, melhor dizendo, é antes uma única forma reflectida em múltiplos espelhos".
Bem, como eu estou aqui para aprender com os homens de outras épocas, dou-me ao luxo de considerar que Descartes não sabia sequer do que falava. ;)
Hum, é sábado de manhã, o meu amor está a dormir e enquanto eu espero que ele acorde para preparar um pequeno-almoço com panquecas e café, penso em Descartes. O que não incomoda de modo nenhum o meu amado, que certamente ficaria bem mais aborrecido se eu estivesse a pensar no Brad Pitt. :P
Bem, para os homens de outras épocas, a divindade ainda não se chamava apenas Deus, a divindade era Deus e Deusa, Céu e Terra, Activo e Passivo, Espírito e Matéria. A matéria era vista como uma manifestação da divindade, de modo algum totalmente separada do espírito, o seu complemento indispensável. A divindade surgia como dois pólos que jamais se poderiam separar, porque em tudo quanto a Terra produzia, o Céu estava presente como força criadora. Poderíamos igualmente dizer que as ideias celestiais precisavam da essência terrestre para "serem". Assim, para a humanidade "arcaica" a divindade manifestava-se de dois modos distintos, ainda que indissociáveis, que se relacionavam entre si como Masculino e Feminino, como Homem e Mulher, como Pai e Mãe, como Deus e Deusa.
Para a philisophia perennis, que, até ao advento do racionalismo, foi comum ao Oriente e Ocidente, as duas origens, a activa e a passiva, representam, para lá de toda a manifestação visível, os pólos primários da existência, regentes de todas as coisas.
Mas o mundo mudou e a matéria passou a ser apenas "coisa", desprovida do sagrado. Convém aqui notar que para o homem primitivo, a matéria também possuía este aspecto meramente físico, só que, apesar disso, não se considerava que a matéria preenchia por si só toda a realidade e que no final da realidade observável, estava apanas o NADA. Toda a matéria continha na sua essência o sagrado, o que induziria que a realidade física era na sua essência constituida por entidades metafísicas.
Um perfeito disparate, não? Nem por isso. A física diz-nos actualmente que a natureza das coisas materiais revela-se como não-material. As componentes elementares das coisas reais formam uma espécie de realidade que é diferente das coisas que produzem. Ao nível das partículas elementares, estados com aparência de ideias adquirem aparência material. Lothar Schäfer insiste que a mensagem da física contemporânea é que, nas suas fronteiras, a realidade observável não se desvanece no nada, mas na metafísica. Diz-nos ainda que: "Se o universo é de aparência mental, é mais provável que comunique com a nossa mente, do que não o faça."
Muito mais haveria a dizer mas, tenho que tratar do pequeno-almoço. ;)
Termino com as palavras de Muhyi-d-Dîn Ibn Arabî, um dos grandes mestres da mística islâmica, que descrevia a Natureza Universal como sendo a parte feminina e maternal da criação, autor desta frase iluminada: "O mundo da natureza consiste em múltiplas formas reflectidas num único espelho. Não, melhor dizendo, é antes uma única forma reflectida em múltiplos espelhos".
Wednesday, November 26, 2008
O celtismo atlântico da Galiza
"... Esta visão introduz o problema do celtismo da Galiza, debatido desde sempre (com as conhecidas e acérrimas oposições entre celtocépticos e celtomaníacos: cf. Santana, 2002), e dá-lhe uma resposta positiva: de facto, não só os territórios da actual Galiza foram povoados por populações célticas, como, desde o Paleolítico, já faziam parte, juntamente com as actuais Ilhas Britânicas – na época ainda não eram ilhas – e com os territórios do Ocidente atlântico francês, da pátria originária do protocéltico. Esta unidade cultural atlântica torna-se evidente através de cinco factores, pelo menos: de tipo genético, de tipo lendário, de tipo arqueológico-cultural, de tipo mitológico-religioso; e o quinto factor – o mais importante – é representado pelo fenómeno do megalitismo.
1. Factor genético: em primeiro lugar, estudos recentes demonstraram que a componente genética da população ocidental das actuais ilhas Britânicas é a mesma que a do Noroeste da Península Ibérica: o mapa do ADN, elaborado há pouco tempo pela equipa oxfordiana de Bryan Sykes, não deixa quaisquer dúvidas a esse respeito (Sykes, 2006).
2. Factor lendário: as lendas, atestadas na época irlandesa antiga, referentes à proveniência dos povos irlandeses da Península Ibérica não podem ser interpretadas como testemunho de uma autêntica colonização (relativamente à qual não existe o mínimo vestígio arqueológico), mas como vestígios de uma comum identidade cultural e linguística original, anterior à separação da actual ilha irlandesa do continente: portanto, não foi a deslocação migratória de homens a provocar a sua separação, mas sim uma deslocação tectónica de terras.
3. Factor arqueológico-cultural: relativamente à homogeneidade irlandesa, britânica e do Norte da Espanha, existe uma prova irrefutável de tipo arqueológico-cultural: se, na Europa, se observar a distribuição de determinados objectos arqueológicos, descobre-se que alguns deles pertencem exclusivamente a esse território, antigamente coeso, que compreende a Galiza, a Espanha do Noroeste, a Bretanha, a Irlanda, Gales e a Escócia: isto é observável, em particular, na distribuição geográfica de achados, tais como os torques de oiro e os caldeirões.
No que respeita aos primeiros, encontraram-se na Galiza cerca de 150, 90 por cento dos quais achados junto à costa (cf. Monteagudo, 1952; Prieto Molina, 1996; Fernandez Carballo, 2001). Trata-se de objectos de oiro, com muitas semelhanças com os da Irlanda, da Bretanha e de Gales (em contraste com os manufacturados em prata, na região mediterrânica (Queiroga, 1987; Castro Perez, 1992).
No que respeita aos caldeirões de bronze, estes são objectos típicos, em particular, da Irlanda ocidental; a peculiaridade dos galegos é o facto de a sua decoração ser praticamente idêntica à dos caldeirões encontrados na Finisterra bretã (Almeida, 1980). A propósito dos torques e dos caldeirões galegos, Barry Cunliffe menciona especificamente uma «unidade cultural atlântica» (Cunliffe, 2001). Em seguida, no plano arquitectónico, à mesma região homogénea pertencem estruturas defensivas, tais como os cavalos de frisa, pedras defensivas colocadas diante de muralhas (também presentes na Alemanha, no entanto), ou «monumentos», tais como as estátuasmenires: estas últimas existem significativamente na Galiza sob as três formas de expressão conhecidas na zona atlântica, sendo não só estátuas de guerreiros (como os que se encontram igualmente na região occitana e tirrenaica), mas também estátuas de divindades masculinas sentadas e estátuas de divindades femininas: referem-se as de Logrosa e Carabeles (Coruña), de Límia e Pedrafita (Orense); esta pluralidade de expressões, quando especialmente
confrontada com testemunhos fragmentados do fenómeno surgido noutras regiões, indicia evidentemente a sua proveniência originária da região em apreço.
4. Factor mitológico-religioso: no resumo do historiador latino Floro, sobre a invasão romana da Galécia, lemos que os soldados de Bruto, ao passarem o rio Lima, entraram em pânico ao contemplarem o Sol poente que nele se reflectia, causando, além disso, o aumento das águas. Esta passagem pode relacionar-se com o relato de Estrabão referente a um misterioso promontório, local de culto entre uma população céltica do Sudoeste da Península Ibérica – portanto sempre na costa atlântica: quatro grandes pedras estavam orientadas na direcção do Sol poente e eram banhadas pela água do mar, causando a subida das próprias águas e fazendo do lugar um espaço sagrado inacessível (García Quintela, 1997). Esse mesmo local (cabo de São Vicente) é descrito pelo historiador medieval árabe Idrisi como a «igreja dos corvos», porque a presença de misteriosos corvos tê-lo-ia preservado de eventuais invasões. Trata-se de uma lenda idêntica à narrada no Mabinogi galês de Branwen, na qual a cabeça do deus Bran (o corvo) protege Gales de eventuais invasões, e reflectida também na história de Brennos, o chefe que saqueou o santuário de Delfos em 279 a. C e dos seus restos expostos frente ao mar – segundo Pausânias – que protegeram os Volcos Tectosagos de Tolosa das incursões romanas (Benozzo, 2006a, 2006c). Pode acrescentar-se que nos arredores de Pontevedra, durante as escavações de 2003, foi encontrada uma das mais importantes inscrições votivas, dedicada ao Deus Larius Breus Brus Sanctus; não parecem restar dúvidas sobre a identificação desta divindade com uma figura mitológica ligada a Brennos/Bran, o deus-corvo da mitologia céltica (a queda do -n- é uma tendência arcaica bem documentada também na toponomástica da Galiza: recorda-se os casos de Tena > Tea, Taranes >Taraes, *Abellanetum > Abelaído, Tardenatus > Tardeado, Tredones > Trios: cf. Bascuas, 2006, p. 366). Trata-se de uma divindade cujo culto demonstra ligação com crenças das populações circumpolares e que deve remontar – tal como argumentámos numa obra recente (Benozzo, 2007a) – a um período certamente anterior ao Mesolítico.
Ainda no âmbito das referências mitológico-religiosas, cumpre assinalar os «santuários solares» (ou melhor, «solsticiais») de que se descobriram vestígios, recentemente, perto dos cumes das montanhas, frente ao oceano (cf. García Quintela et al. 2003, García Quintela, Santos Estevéz, 2006). Trata-se dos santuários de Corme, Pedrafita, Fentans em Campolameiro, e O Raposo. Nestas construções encontram-se buracos nas rochas, através dos quais (como recentemente demonstrou Gonzalez-Ruibal) ao pôr do Sol dos dias 1 de Agosto e 1 de Novembro (isto é, nos dias das mais conhecidas festividades do calendário céltico: Lugnasad e Samhain), os raios de luz vêm iluminar um ponto interior do «santuário» onde devia ter existido um túmulo. (...) A analogia com o santuário «atlântico» irlandês de Newgrange é deveras impressionante. (...)De facto, dificilmente se pode pensar que fenómenos complexos como os de Newgrange, na Irlanda (datado de 2475 a. C.), ou os destes santuários galegos tivessem surgido por via poligenética; é mais verosímil afirmar que deveriam pertencer a uma civilização coesa, isto é, anterior à separação das ilhas do continente.
5. Megalitismo
5.1. Com as estátuas-menires e, sobretudo, com os «santuários solsticiais» aproximamo-nos de um argumento crucial para a nossa exposição: o do megalitismo galego no contexto do megalitismo europeu. Os megalitos galegos, (os conhecidos até hoje são mais de 5000) representam, a seguir aos da Bretanha, os exemplos mais antigos de sepulturas monumentais colectivas. A importância dos megalitos para a pré-história europeia é enorme e ainda alcançou mais importância quando a revolução do radiocarbono demonstrou que estas construções europeias são francamente mais antigas do que as orientais egípcias e gregas e que devem ser consideradas como uma expressão europeia originária e não importada. A área de distribuição dos megalitos europeus é preponderantemente marítima e, à excepção do Sul da Itália, onde também estão presentes, poder-se-iam definir como uma expressão da cultura atlântica.
A área compacta e as características unitárias do megalitismo não permitem, por isso, dar-lhe uma explicação com base poligenética; é, assim, legítimo e sensato admitir um centro original, com uma ou mais áreas de reelaboração. De acordo com a Teoria da Continuidade, a província megalítica está correlacionada com a região céltica de um modo absolutamente elementar: de facto, basta observar que a Irlanda, inteiramente céltica, é toda megalítica (com monumentos datados de 3700 a. C.); que, na Grã-Bretanha, as áreas de máxima densidade megalítica são as célticas de Gales, da Cornualha e da Escócia (também aqui os megalitos mais antigos são do IV milénio) e que, em França, tal como já dissemos, estão presentes os primeiros megalitos europeus e estão presentes na sua zona mais céltica, ou seja, a Bretanha, onde remontam à primeira metade do V milénio, isto é, a uma época ainda mesolítica. É, portanto, uma consequência lógica pensar que a região céltica tenha sido o centro, e as outras (como o Sul de Itália) tenham sido áreas de difusão secundária. Desta região originária, como temos vindo a verificar, deveria fazer parte também a Galiza onde, de facto, estão presentes os mais antigos megalitos europeus, depois dos bretões (com efeito, estão datados entre o V e o IV milénio) (Fábregas, 1988, 1991).
5.2. Para além disso, como demonstração da primordialidade do fenómeno na região galega, já ficou dito que aqui estão presentes (e copresentes) todas as três tipologias do megalitismo europeu:
a) a das antas (recorde-se, no distrito da Corunha, as antas de Pedra Moura de Aldemunde, Pedra de Arca, Pedra Vixia, Arca de Piosa, Casiña da Moura, Casa dos Mouros, Casota de Berdoias, Cova da Moura; no distrito de Lugo, as antas de Roza das Modias, Santa Mariña, Mollafariña, Chao de Mazós, Abuime, Moruxosa; no distrito de Orense, as do Outeiro de Calade, Mota Grande, Casola do Foxo; e aqui, no distrito de Pontevedra, as de Mamoa do Rei, em Vilaboa, Chan de Castañeiras, Chan de Armada, Chan de Arquiña, O Meixoeiro);
b) a dos menires (em particular, o menir de Cristal de Ribeira, no distrito da Corunha, o de Pedra Chantada em Vitalba (no distrito de Lugo), o de Pedra Alta e o famosíssimo da Lapa de Gargantáns, no concelho de Moraña, no distrito de Pontevedra);
c) para além das antas e dos menires, estão ainda presentes os círculos de pedras, nomeadamente a do Freixo, (no distrito da Corunha), o de Prao das Chantas (no concelho de Valadouro, o distrito de Lugo), com os seus cerca de cento e um metros de diâmetro, orientado segundo o eixo Leste-Oeste.
Um outro sinal da originalidade galega do fenómeno megalítico consiste no facto, francamente invulgar em relação a estes monumentos de alguns deles terem sido erguidos sobre megalitos anteriores. É o caso da anta de Dombate, no concelho de Cabana de Bergantiños (distrito da Corunha), talvez a mais conhecida da Galiza (também pela referência que lhe é feita numa famosa poesia de Eduardo Pondal, escrita em plena época do Rexurdimento da cultura galega). Nas escavações dos princípios da década de 90, feitas por José Maria Bello, ficou comprovada precisamente - além da existência de decorações pictóricas, também significativas – a existência de uma anta anterior sobre a qual aquela tinha sido construída (Bello, 1992-1993). Fenómenos deste tipo são interpretados, obviamente, sob o ponto de vista arqueológico, como sinais de uma cronologia de longa duração (Bello, De La Peña, 1995).
5.3. Deve assinalar-se, finalmente, que na Galiza, como sucede em quase todas as regiões megalíticas (compreendendo também as não célticas, de megalitismo mais recente; cf. Alinei, 1996-2000, vol. 2, pp. 479-481), os megalitos têm igualmente nomes dialectais de carácter mágico-religioso e que a microtoponomástica dialectal dos sítios nos quais se encontram está ligada a lendas de extraordinário valor para a tese da continuidade do megalitismo até à época histórica. A partir das numerosas lendas e dos nomes (pedra dos mouros, casa dos mouros, pedra da moura), por exemplo, demonstra-se que, segundo as crenças populares, que foram gigantes, denominados mouras (no feminino) e mouros (no masculino) (Alonso Romero, 1998, cit. em Lema Suarez, 2006), p. 11), quem construiu os complexos megalíticos, termos esses ligados à raiz céltica *MRVOS, que significa tanto «morto» como «ser sobrenatural» (Benozzo, no prelo c.). Até mesmo o termo mamoa, o mais vulgar em galego para designar anta, mostra um interessante desenvolvimento semântico; de facto, esse termo continua, sem dúvida, o latim MAMMULAM, isto é «mama (pequena)» e este aspecto etimológico – perceptivelmente ligado ao aspecto que antigamente deveriam ter os túmulos que, em muitos casos, deviam cobrir as antas – está evidentemente ligado às lendas segundo as quais os megalitos foram colocados nos lugares em que as mouras – epifania mitológica da própria terra – aleitavam os seus filhos. Isto é, a lenda oral, tal como o topónimo dialectal, representa um testemunho precioso e essencial sobre a função mágico-religiosa dos complexos megalíticos: o nome dos megalitos e as lendas a eles associadas devem, de facto, referir-se a um período no qual o aspecto do megalito era diferente do actual (o que resta hoje são apenas os esqueletos, por assim dizer, dos complexos megalíticos originais).
Assim, num quadro de cronologia pré-histórica, pode sublinhar-se que enquanto a imagem do «morto» e do «ser sobrenatural» radicada na etimologia céltica de mouro/moura parece reflectir melhor o significado original e autêntico do megalito, a da latina, «maminha», ainda que significativa em sincronia com a paisagem megalítica antiga, parece reportar-se a ideologias mais tipicamente neolíticas (como precisamente a da «mãe Terra»).
Para a Teoria da Continuidade, foram os pescadores paleolíticos e mesolíticos celtas da região atlântica central quem construiu estes monumentos antigos na região galego-bretã-céltica insular. Assim, a tese de Gordon Childe, segundo a qual os «missionários megalíticos», como os denominou, teriam difundido este fenómeno de Oriente (cf. Alinei, Benozzo 2008) para Ocidente, deve ser revista, quanto à sua direcção: também neste caso, o vector de deslocação se processa de Ocidente para Oriente."
1. Factor genético: em primeiro lugar, estudos recentes demonstraram que a componente genética da população ocidental das actuais ilhas Britânicas é a mesma que a do Noroeste da Península Ibérica: o mapa do ADN, elaborado há pouco tempo pela equipa oxfordiana de Bryan Sykes, não deixa quaisquer dúvidas a esse respeito (Sykes, 2006).
2. Factor lendário: as lendas, atestadas na época irlandesa antiga, referentes à proveniência dos povos irlandeses da Península Ibérica não podem ser interpretadas como testemunho de uma autêntica colonização (relativamente à qual não existe o mínimo vestígio arqueológico), mas como vestígios de uma comum identidade cultural e linguística original, anterior à separação da actual ilha irlandesa do continente: portanto, não foi a deslocação migratória de homens a provocar a sua separação, mas sim uma deslocação tectónica de terras.
3. Factor arqueológico-cultural: relativamente à homogeneidade irlandesa, britânica e do Norte da Espanha, existe uma prova irrefutável de tipo arqueológico-cultural: se, na Europa, se observar a distribuição de determinados objectos arqueológicos, descobre-se que alguns deles pertencem exclusivamente a esse território, antigamente coeso, que compreende a Galiza, a Espanha do Noroeste, a Bretanha, a Irlanda, Gales e a Escócia: isto é observável, em particular, na distribuição geográfica de achados, tais como os torques de oiro e os caldeirões.
No que respeita aos primeiros, encontraram-se na Galiza cerca de 150, 90 por cento dos quais achados junto à costa (cf. Monteagudo, 1952; Prieto Molina, 1996; Fernandez Carballo, 2001). Trata-se de objectos de oiro, com muitas semelhanças com os da Irlanda, da Bretanha e de Gales (em contraste com os manufacturados em prata, na região mediterrânica (Queiroga, 1987; Castro Perez, 1992).
No que respeita aos caldeirões de bronze, estes são objectos típicos, em particular, da Irlanda ocidental; a peculiaridade dos galegos é o facto de a sua decoração ser praticamente idêntica à dos caldeirões encontrados na Finisterra bretã (Almeida, 1980). A propósito dos torques e dos caldeirões galegos, Barry Cunliffe menciona especificamente uma «unidade cultural atlântica» (Cunliffe, 2001). Em seguida, no plano arquitectónico, à mesma região homogénea pertencem estruturas defensivas, tais como os cavalos de frisa, pedras defensivas colocadas diante de muralhas (também presentes na Alemanha, no entanto), ou «monumentos», tais como as estátuasmenires: estas últimas existem significativamente na Galiza sob as três formas de expressão conhecidas na zona atlântica, sendo não só estátuas de guerreiros (como os que se encontram igualmente na região occitana e tirrenaica), mas também estátuas de divindades masculinas sentadas e estátuas de divindades femininas: referem-se as de Logrosa e Carabeles (Coruña), de Límia e Pedrafita (Orense); esta pluralidade de expressões, quando especialmente
confrontada com testemunhos fragmentados do fenómeno surgido noutras regiões, indicia evidentemente a sua proveniência originária da região em apreço.
4. Factor mitológico-religioso: no resumo do historiador latino Floro, sobre a invasão romana da Galécia, lemos que os soldados de Bruto, ao passarem o rio Lima, entraram em pânico ao contemplarem o Sol poente que nele se reflectia, causando, além disso, o aumento das águas. Esta passagem pode relacionar-se com o relato de Estrabão referente a um misterioso promontório, local de culto entre uma população céltica do Sudoeste da Península Ibérica – portanto sempre na costa atlântica: quatro grandes pedras estavam orientadas na direcção do Sol poente e eram banhadas pela água do mar, causando a subida das próprias águas e fazendo do lugar um espaço sagrado inacessível (García Quintela, 1997). Esse mesmo local (cabo de São Vicente) é descrito pelo historiador medieval árabe Idrisi como a «igreja dos corvos», porque a presença de misteriosos corvos tê-lo-ia preservado de eventuais invasões. Trata-se de uma lenda idêntica à narrada no Mabinogi galês de Branwen, na qual a cabeça do deus Bran (o corvo) protege Gales de eventuais invasões, e reflectida também na história de Brennos, o chefe que saqueou o santuário de Delfos em 279 a. C e dos seus restos expostos frente ao mar – segundo Pausânias – que protegeram os Volcos Tectosagos de Tolosa das incursões romanas (Benozzo, 2006a, 2006c). Pode acrescentar-se que nos arredores de Pontevedra, durante as escavações de 2003, foi encontrada uma das mais importantes inscrições votivas, dedicada ao Deus Larius Breus Brus Sanctus; não parecem restar dúvidas sobre a identificação desta divindade com uma figura mitológica ligada a Brennos/Bran, o deus-corvo da mitologia céltica (a queda do -n- é uma tendência arcaica bem documentada também na toponomástica da Galiza: recorda-se os casos de Tena > Tea, Taranes >Taraes, *Abellanetum > Abelaído, Tardenatus > Tardeado, Tredones > Trios: cf. Bascuas, 2006, p. 366). Trata-se de uma divindade cujo culto demonstra ligação com crenças das populações circumpolares e que deve remontar – tal como argumentámos numa obra recente (Benozzo, 2007a) – a um período certamente anterior ao Mesolítico.
Ainda no âmbito das referências mitológico-religiosas, cumpre assinalar os «santuários solares» (ou melhor, «solsticiais») de que se descobriram vestígios, recentemente, perto dos cumes das montanhas, frente ao oceano (cf. García Quintela et al. 2003, García Quintela, Santos Estevéz, 2006). Trata-se dos santuários de Corme, Pedrafita, Fentans em Campolameiro, e O Raposo. Nestas construções encontram-se buracos nas rochas, através dos quais (como recentemente demonstrou Gonzalez-Ruibal) ao pôr do Sol dos dias 1 de Agosto e 1 de Novembro (isto é, nos dias das mais conhecidas festividades do calendário céltico: Lugnasad e Samhain), os raios de luz vêm iluminar um ponto interior do «santuário» onde devia ter existido um túmulo. (...) A analogia com o santuário «atlântico» irlandês de Newgrange é deveras impressionante. (...)De facto, dificilmente se pode pensar que fenómenos complexos como os de Newgrange, na Irlanda (datado de 2475 a. C.), ou os destes santuários galegos tivessem surgido por via poligenética; é mais verosímil afirmar que deveriam pertencer a uma civilização coesa, isto é, anterior à separação das ilhas do continente.
5. Megalitismo
5.1. Com as estátuas-menires e, sobretudo, com os «santuários solsticiais» aproximamo-nos de um argumento crucial para a nossa exposição: o do megalitismo galego no contexto do megalitismo europeu. Os megalitos galegos, (os conhecidos até hoje são mais de 5000) representam, a seguir aos da Bretanha, os exemplos mais antigos de sepulturas monumentais colectivas. A importância dos megalitos para a pré-história europeia é enorme e ainda alcançou mais importância quando a revolução do radiocarbono demonstrou que estas construções europeias são francamente mais antigas do que as orientais egípcias e gregas e que devem ser consideradas como uma expressão europeia originária e não importada. A área de distribuição dos megalitos europeus é preponderantemente marítima e, à excepção do Sul da Itália, onde também estão presentes, poder-se-iam definir como uma expressão da cultura atlântica.
A área compacta e as características unitárias do megalitismo não permitem, por isso, dar-lhe uma explicação com base poligenética; é, assim, legítimo e sensato admitir um centro original, com uma ou mais áreas de reelaboração. De acordo com a Teoria da Continuidade, a província megalítica está correlacionada com a região céltica de um modo absolutamente elementar: de facto, basta observar que a Irlanda, inteiramente céltica, é toda megalítica (com monumentos datados de 3700 a. C.); que, na Grã-Bretanha, as áreas de máxima densidade megalítica são as célticas de Gales, da Cornualha e da Escócia (também aqui os megalitos mais antigos são do IV milénio) e que, em França, tal como já dissemos, estão presentes os primeiros megalitos europeus e estão presentes na sua zona mais céltica, ou seja, a Bretanha, onde remontam à primeira metade do V milénio, isto é, a uma época ainda mesolítica. É, portanto, uma consequência lógica pensar que a região céltica tenha sido o centro, e as outras (como o Sul de Itália) tenham sido áreas de difusão secundária. Desta região originária, como temos vindo a verificar, deveria fazer parte também a Galiza onde, de facto, estão presentes os mais antigos megalitos europeus, depois dos bretões (com efeito, estão datados entre o V e o IV milénio) (Fábregas, 1988, 1991).
5.2. Para além disso, como demonstração da primordialidade do fenómeno na região galega, já ficou dito que aqui estão presentes (e copresentes) todas as três tipologias do megalitismo europeu:
a) a das antas (recorde-se, no distrito da Corunha, as antas de Pedra Moura de Aldemunde, Pedra de Arca, Pedra Vixia, Arca de Piosa, Casiña da Moura, Casa dos Mouros, Casota de Berdoias, Cova da Moura; no distrito de Lugo, as antas de Roza das Modias, Santa Mariña, Mollafariña, Chao de Mazós, Abuime, Moruxosa; no distrito de Orense, as do Outeiro de Calade, Mota Grande, Casola do Foxo; e aqui, no distrito de Pontevedra, as de Mamoa do Rei, em Vilaboa, Chan de Castañeiras, Chan de Armada, Chan de Arquiña, O Meixoeiro);
b) a dos menires (em particular, o menir de Cristal de Ribeira, no distrito da Corunha, o de Pedra Chantada em Vitalba (no distrito de Lugo), o de Pedra Alta e o famosíssimo da Lapa de Gargantáns, no concelho de Moraña, no distrito de Pontevedra);
c) para além das antas e dos menires, estão ainda presentes os círculos de pedras, nomeadamente a do Freixo, (no distrito da Corunha), o de Prao das Chantas (no concelho de Valadouro, o distrito de Lugo), com os seus cerca de cento e um metros de diâmetro, orientado segundo o eixo Leste-Oeste.
Um outro sinal da originalidade galega do fenómeno megalítico consiste no facto, francamente invulgar em relação a estes monumentos de alguns deles terem sido erguidos sobre megalitos anteriores. É o caso da anta de Dombate, no concelho de Cabana de Bergantiños (distrito da Corunha), talvez a mais conhecida da Galiza (também pela referência que lhe é feita numa famosa poesia de Eduardo Pondal, escrita em plena época do Rexurdimento da cultura galega). Nas escavações dos princípios da década de 90, feitas por José Maria Bello, ficou comprovada precisamente - além da existência de decorações pictóricas, também significativas – a existência de uma anta anterior sobre a qual aquela tinha sido construída (Bello, 1992-1993). Fenómenos deste tipo são interpretados, obviamente, sob o ponto de vista arqueológico, como sinais de uma cronologia de longa duração (Bello, De La Peña, 1995).
5.3. Deve assinalar-se, finalmente, que na Galiza, como sucede em quase todas as regiões megalíticas (compreendendo também as não célticas, de megalitismo mais recente; cf. Alinei, 1996-2000, vol. 2, pp. 479-481), os megalitos têm igualmente nomes dialectais de carácter mágico-religioso e que a microtoponomástica dialectal dos sítios nos quais se encontram está ligada a lendas de extraordinário valor para a tese da continuidade do megalitismo até à época histórica. A partir das numerosas lendas e dos nomes (pedra dos mouros, casa dos mouros, pedra da moura), por exemplo, demonstra-se que, segundo as crenças populares, que foram gigantes, denominados mouras (no feminino) e mouros (no masculino) (Alonso Romero, 1998, cit. em Lema Suarez, 2006), p. 11), quem construiu os complexos megalíticos, termos esses ligados à raiz céltica *MRVOS, que significa tanto «morto» como «ser sobrenatural» (Benozzo, no prelo c.). Até mesmo o termo mamoa, o mais vulgar em galego para designar anta, mostra um interessante desenvolvimento semântico; de facto, esse termo continua, sem dúvida, o latim MAMMULAM, isto é «mama (pequena)» e este aspecto etimológico – perceptivelmente ligado ao aspecto que antigamente deveriam ter os túmulos que, em muitos casos, deviam cobrir as antas – está evidentemente ligado às lendas segundo as quais os megalitos foram colocados nos lugares em que as mouras – epifania mitológica da própria terra – aleitavam os seus filhos. Isto é, a lenda oral, tal como o topónimo dialectal, representa um testemunho precioso e essencial sobre a função mágico-religiosa dos complexos megalíticos: o nome dos megalitos e as lendas a eles associadas devem, de facto, referir-se a um período no qual o aspecto do megalito era diferente do actual (o que resta hoje são apenas os esqueletos, por assim dizer, dos complexos megalíticos originais).
Assim, num quadro de cronologia pré-histórica, pode sublinhar-se que enquanto a imagem do «morto» e do «ser sobrenatural» radicada na etimologia céltica de mouro/moura parece reflectir melhor o significado original e autêntico do megalito, a da latina, «maminha», ainda que significativa em sincronia com a paisagem megalítica antiga, parece reportar-se a ideologias mais tipicamente neolíticas (como precisamente a da «mãe Terra»).
Para a Teoria da Continuidade, foram os pescadores paleolíticos e mesolíticos celtas da região atlântica central quem construiu estes monumentos antigos na região galego-bretã-céltica insular. Assim, a tese de Gordon Childe, segundo a qual os «missionários megalíticos», como os denominou, teriam difundido este fenómeno de Oriente (cf. Alinei, Benozzo 2008) para Ocidente, deve ser revista, quanto à sua direcção: também neste caso, o vector de deslocação se processa de Ocidente para Oriente."
Texto integral de Mario Alienei e Francesco Benozzo aqui
Mouras Encantadas
"... A partir das numerosas lendas e dos nomes (pedra dos mouros, casa dos mouros, pedra da moura), por exemplo, demonstra-se que, segundo as crenças populares, que foram gigantes, denominados mouras (no feminino) e mouros (no masculino) (Alonso Romero, 1998, cit. em Lema Suarez, 2006), p. 11), quem construiu os complexos megalíticos, termos esses ligados à raiz céltica *MRVOS, que significa tanto «morto» como «ser sobrenatural» (Benozzo, no prelo c.).
(...) Assim, num quadro de cronologia pré-histórica, pode sublinhar-se que a imagem do «morto» e do «ser sobrenatural» radicada na etimologia céltica de mouro/moura parece reflectir o significado original e autêntico do megalito (...)."
Mario Alienei & Francesco Benozzo
Texto integral aqui
José Leite de Vasconcelos diz-nos ainda que "as Moiras encantadas representarão em parte, assim como os santos e virgens da Igreja Católica, uma assimilação de quaiquer divindades locais".
Texto integral aqui
Lug
"Con el título Los dioses de la Hispania Cética, J.C. Olivares acaba de publicar un libro que conviene comentar, ya que es la más reciente visión de conjunto sobre la religiosidad de amplios territorios de la Hispania Antigua. Estos nombres son conocidos por inscripciones latinas, y en algún caso por alguna inscripción redactada en lengua celtibérica (Botorrita).
(...)
Lug es uno de los grandes dioses del panteón céltico que entra en la formación de teónimos de fuera y de dentro de Hispania, como Lucus Augusti (Lugo), Lucens (Lugo de Llanera, Asturias), la civitas Lougeiorun, Louciocelum, Lucocadia, Lugones, Logobre, Lugas y Santa María de Lugo, Luco de Bordon y Luco de Jiloca; de antropónimos hispanos como Lougo, Lougeius, Lucus, Lugua y Luguadicius, y de gentilicios hispanos como Lugeidocum (Saelices, Cuenca), Lougesterico(n) (Coruña del Conde, Burgos) y Lougesteric(um?) (Pozalmuro, Soria).
Lugus se identifica con Mercurio y con Apolo. A Mercurio se le ha identificado con el dios tricéfalo celta, de que se ha encontrado una imagen, la única, en Montemayor (Salamanca). Otras imágenes de este dios podían ser el Jano bifronte de Candelario (Salamanca), y la estatua de Castrourdiales (Santander) que representaría a un Mercurio indígena. En los Pirineos se recogió una estatuilla, hoy en el Museo Arqueológico Nacional de Madrid, de Marte con casco de cuernos y toro sobre la coraza.
En Hispania las inscripciones dedicadas a Lugus se localizan en la parte septentrional, en los altos valles del Duero y del Turia y en la provincia de Lugo, estando ausentes en toda la región occidental de la Meseta Norte. No creo que esta ausencia se deba a una falta de hallazgos. Tampoco recibió veneración en la costa cantábrica, ni en el área lusitano-galaica. Esta ausencia induce a J.C. Olivares a admitir la hipótesis, que encontramos viable, de que en estas regiones existía otra deidad de semejante carácter, bajo otra denominación.
Las dedicatorias a Mercurio, acompañado de epítetos indígenas, aparecen en la Meseta norte y en la región lusitano-galaica, como Mercurio Augustor(um) Aguaecus Sacr(um), del balneario de aguas termales de San Pedro do Sul (Viseu), y Mercurius Colualis de Salvatierra de Santiago (Salamanca), y el de El Batán (Cáceres), posibles equivalentes del dios Lugus.
J.C. Olivares vincula a Arentius y a Lugus con Apolo y Mercurio, hipótesis de trabajo de gran novedad y que tiene muchos visos de probabilidad. También vincula este autor a Lugus con Vestius Aloniecus de Lourizán (Pontevedra), que encaja bien en el dios solar Lugus por las esvásticas y las manos extendidas, y también los Cernunnos. Otro dios celta con cuernos se halló en las minas de Rio Tinto (Huelva).
J.C. Olivares deduce de los teónimos acompañados de epítetos de personas, que los tres dioses Arentius, Lugus y Vestius Aloniecus presentan gran semejanza entre si y con los dioses galos asimilados a Apolo y Mercurio. Estas semejanzas y asimilaciones serían extensivas a Vacus, a Aracus y a Mirarus y a los que no acompañan teónimos, pero si los apelativos como Caesariciecus, Mermandiceus, Tritiaecius y Turiaecus. Estos dos últimos son dudosos."
(...)
Lug es uno de los grandes dioses del panteón céltico que entra en la formación de teónimos de fuera y de dentro de Hispania, como Lucus Augusti (Lugo), Lucens (Lugo de Llanera, Asturias), la civitas Lougeiorun, Louciocelum, Lucocadia, Lugones, Logobre, Lugas y Santa María de Lugo, Luco de Bordon y Luco de Jiloca; de antropónimos hispanos como Lougo, Lougeius, Lucus, Lugua y Luguadicius, y de gentilicios hispanos como Lugeidocum (Saelices, Cuenca), Lougesterico(n) (Coruña del Conde, Burgos) y Lougesteric(um?) (Pozalmuro, Soria).
Lugus se identifica con Mercurio y con Apolo. A Mercurio se le ha identificado con el dios tricéfalo celta, de que se ha encontrado una imagen, la única, en Montemayor (Salamanca). Otras imágenes de este dios podían ser el Jano bifronte de Candelario (Salamanca), y la estatua de Castrourdiales (Santander) que representaría a un Mercurio indígena. En los Pirineos se recogió una estatuilla, hoy en el Museo Arqueológico Nacional de Madrid, de Marte con casco de cuernos y toro sobre la coraza.
En Hispania las inscripciones dedicadas a Lugus se localizan en la parte septentrional, en los altos valles del Duero y del Turia y en la provincia de Lugo, estando ausentes en toda la región occidental de la Meseta Norte. No creo que esta ausencia se deba a una falta de hallazgos. Tampoco recibió veneración en la costa cantábrica, ni en el área lusitano-galaica. Esta ausencia induce a J.C. Olivares a admitir la hipótesis, que encontramos viable, de que en estas regiones existía otra deidad de semejante carácter, bajo otra denominación.
Las dedicatorias a Mercurio, acompañado de epítetos indígenas, aparecen en la Meseta norte y en la región lusitano-galaica, como Mercurio Augustor(um) Aguaecus Sacr(um), del balneario de aguas termales de San Pedro do Sul (Viseu), y Mercurius Colualis de Salvatierra de Santiago (Salamanca), y el de El Batán (Cáceres), posibles equivalentes del dios Lugus.
J.C. Olivares vincula a Arentius y a Lugus con Apolo y Mercurio, hipótesis de trabajo de gran novedad y que tiene muchos visos de probabilidad. También vincula este autor a Lugus con Vestius Aloniecus de Lourizán (Pontevedra), que encaja bien en el dios solar Lugus por las esvásticas y las manos extendidas, y también los Cernunnos. Otro dios celta con cuernos se halló en las minas de Rio Tinto (Huelva).
J.C. Olivares deduce de los teónimos acompañados de epítetos de personas, que los tres dioses Arentius, Lugus y Vestius Aloniecus presentan gran semejanza entre si y con los dioses galos asimilados a Apolo y Mercurio. Estas semejanzas y asimilaciones serían extensivas a Vacus, a Aracus y a Mirarus y a los que no acompañan teónimos, pero si los apelativos como Caesariciecus, Mermandiceus, Tritiaecius y Turiaecus. Estos dos últimos son dudosos."
Últimas aportaciones a las religiones prerromanas de Hispania
J. M. BLÁZQUEZ
Tuesday, November 18, 2008
Voltando ao Paganismo
Começo por falar, novamente, do filme O Sabor da Cereja, de Kiarostami. Foi um filme que me marcou bastante, há uns anos atrás, pela temática da depressão profunda. Apresenta-nos um homem completamente desligado. Um homem que deixou de sentir a natureza, a passagem das estações, a própria vida... O filme começa, então, por nos mostrar esse homem num carro, às voltas numa estrada de terra batida, numa paisagem árida. Bom, com um bocadinho de boa vontade, podemos concluir que o personagem anda às voltas num deserto. Que procura? Na verdade, procura muitas coisas...
Há dois momentos no filme que quero relembrar: o instante em que nos contam a história do suicida que se afasta de casa de madrugada, pára junto a uma árvore e sobe para prender a corda com que irá enforcar-se. Ao prender a corda, sente nas mãos algo macio, com um cheiro intenso, apercebe-se que é fruta e leva-a à boca. Cerejas (ou amoras). E o homem deixa-se estar um bocadinho, a saborear as cerejas... entretanto, o sol começa a nascer. E é esse o momento de revelação, o momento em que os sentidos que pareciam estar entorpecidos, voltam em pleno. E com o presente, com o agora, acordamos. Ao acordarmos, a sensação de que a vida é absolutamente maravilhosa é inevitável.
Não foi o mundo que se modificou, foi a nossa visão do mundo...
Mostram-nos que é sempre a vida que se revela. Aquilo que nos salva e que nos devolve a nós próprios é algo que sempre esteve lá, algo que nunca perdemos verdadeiramente... a própria vida, feita de pequeninos instantes.
O segundo momento do filme que quero relembrar é o fim. O filme tem um final verdadeiramente assombroso e, na minha opinião, perfeito. O filme acaba precisamente mostrando-nos imagens da equipa de realização, do actor a confraternizar... e não será um pouco assim também na vida? Não estaremos de certa forma a representar também um papel, do qual muitas vezes já não sabemos sair é certo, mas ainda assim e só um papel...
Talvez só estejamos verdadeiramente vivos quando estamos realmente no presente, sem passados e sem futuros. Sem máscaras e sem personagens... agora.
É isso que eu gostaria que fizéssemos nos nossos rituais: permitirmo-nos estar lá, estar lá completamente... como só as crianças sabem estar. Deixarmos de lado todas as máscaras e olharmos de novo com a visão inocente das crianças. Eu sempre disse que a minha via do paganismo era a via da Inocência. Quando recuperamos a inocência, a fé surge novamente. E para voltar a acreditar com a fé inabalável das crianças não é preciso aprender nada novo... mas, talvez seja preciso desaprender algumas das convicções que fomos adquirindo ao longo da vida e que, acima de tudo, nos limitam.
Muitas vezes pensamos que se acreditarmos na beleza da vida acabamos desiludidos, temos medo de sofrer... e esquecemo-nos que, mesmo temendo tudo e fechados na nossa concha, podemos sofrer de milhares de modos diferentes.
Ao longo da vida, a rotina vai-se instalando e o mundo perde as cores de outrora. Não é? Não necessariamente. Depende de nós, daquilo que estamos dispostos a fazer para continuarmos inteiros.
Falemos, por exemplo, do último ritual de Lua Cheia. Pensam que alguma das pessoas que esteve nesse ritual entrou em transe? Não entrou! Nem pouco mais ou menos. Mas, também nem sequer era isso que se pretendia. Tentamos sentir a noite. Esquecemos isso de sermos seres à parte, e caminhamos descalços na terra molhada e fria, deixando que as nossas energias voltassem à terra e que da terra nos viessem energias novas. Que mais? Expressamos na noite os nossos desejos mais profundos. Falamos, dissemos alto e bom som o que realmente queríamos, qual a mudança profunda que necessitávamos. Têm ideia de quão difícil isso é?... De quanto precisamos nos libertar para simplesmente não nos acharmos apenas ridículos?...
Nos nossos rituais certamente não andamos no chão a rebolar e a espumar. Nada disso! Pretende-se tão só que sejamos capazes de ser quem verdadeiramente somos... e assumir o arquétipo dos deuses, se for preciso. Quero dizer com isto, encarná-lo. E manifestá-lo face à necessidade de outrem. Por exemplo, se alguém me abraçar e eu sentir que mais do que a abraçar-me a mim, está a abraçar a Mãe, a Deusa, a trazer de volta esse arquétipo para a sua vida... Bem, que miserável ser limitado seria eu se não fosse capaz de, naquele preciso instante, encarnar esse arquétipo e abraçar com todo o meu ser?...
Que fique bem entendido que não estamos lá para receber, estamos lá para dar. Claro que também recebemos, recebemos na medida em que damos. Mas, que seja a dádiva que nos motiva... E, a pouco e pouco, as mudanças acontecem. Acreditem, acontecem. E se formos capazes de aceitar essas pequenas mudanças, o velho mundo pagão regressa...
Entendem agora o que fazemos? Nós estamos aqui para recriar os velhos templos do paganismo... e nós somos esses templos!...
Na próxima lua cheia, vamos assumir o velho espírito pagão que deu origem a uma das mais bonitas tradições de natal, a troca de presentes. Vamos assumir a mudança que começou para nós naquele instante da última lua cheia, na primeira lua do novo ciclo. E vamos fazer a energia circular. Muitas vezes, queremos provar o novo chá, mas esquecemo-nos de esvaziar a chávena. Se não esvaziarmos completamente a chávena, nunca estaremos a provar o novo chá. Assim, vamos libertar-nos de algumas coisas do passado, que já não nos fazem falta, que não usamos, mas que de algum modo ainda são importantes, enfim, vamos dá-las, e havemos de as dar com alegria. Para que a energia circule, para que na nossa vida comece a haver lugar para o novo... para podermos renascer verdadeiramente no próximo Solstício de Inverno, prontos para uma nova etapa, uma nova vida. Um pouco mais tarde, em Imbolc, acederemos imensas velas nas nossas casas para ajudar a luz do mundo a crescer e, ao mesmo tempo, alimentar a nossa renascida fé. E é assim que nós vivenciamos o tempo cíclico, que tentamos ser um com a roda do ano...
É este o nosso paganismo!
Há dois momentos no filme que quero relembrar: o instante em que nos contam a história do suicida que se afasta de casa de madrugada, pára junto a uma árvore e sobe para prender a corda com que irá enforcar-se. Ao prender a corda, sente nas mãos algo macio, com um cheiro intenso, apercebe-se que é fruta e leva-a à boca. Cerejas (ou amoras). E o homem deixa-se estar um bocadinho, a saborear as cerejas... entretanto, o sol começa a nascer. E é esse o momento de revelação, o momento em que os sentidos que pareciam estar entorpecidos, voltam em pleno. E com o presente, com o agora, acordamos. Ao acordarmos, a sensação de que a vida é absolutamente maravilhosa é inevitável.
Não foi o mundo que se modificou, foi a nossa visão do mundo...
Mostram-nos que é sempre a vida que se revela. Aquilo que nos salva e que nos devolve a nós próprios é algo que sempre esteve lá, algo que nunca perdemos verdadeiramente... a própria vida, feita de pequeninos instantes.
O segundo momento do filme que quero relembrar é o fim. O filme tem um final verdadeiramente assombroso e, na minha opinião, perfeito. O filme acaba precisamente mostrando-nos imagens da equipa de realização, do actor a confraternizar... e não será um pouco assim também na vida? Não estaremos de certa forma a representar também um papel, do qual muitas vezes já não sabemos sair é certo, mas ainda assim e só um papel...
Talvez só estejamos verdadeiramente vivos quando estamos realmente no presente, sem passados e sem futuros. Sem máscaras e sem personagens... agora.
É isso que eu gostaria que fizéssemos nos nossos rituais: permitirmo-nos estar lá, estar lá completamente... como só as crianças sabem estar. Deixarmos de lado todas as máscaras e olharmos de novo com a visão inocente das crianças. Eu sempre disse que a minha via do paganismo era a via da Inocência. Quando recuperamos a inocência, a fé surge novamente. E para voltar a acreditar com a fé inabalável das crianças não é preciso aprender nada novo... mas, talvez seja preciso desaprender algumas das convicções que fomos adquirindo ao longo da vida e que, acima de tudo, nos limitam.
Muitas vezes pensamos que se acreditarmos na beleza da vida acabamos desiludidos, temos medo de sofrer... e esquecemo-nos que, mesmo temendo tudo e fechados na nossa concha, podemos sofrer de milhares de modos diferentes.
Ao longo da vida, a rotina vai-se instalando e o mundo perde as cores de outrora. Não é? Não necessariamente. Depende de nós, daquilo que estamos dispostos a fazer para continuarmos inteiros.
Falemos, por exemplo, do último ritual de Lua Cheia. Pensam que alguma das pessoas que esteve nesse ritual entrou em transe? Não entrou! Nem pouco mais ou menos. Mas, também nem sequer era isso que se pretendia. Tentamos sentir a noite. Esquecemos isso de sermos seres à parte, e caminhamos descalços na terra molhada e fria, deixando que as nossas energias voltassem à terra e que da terra nos viessem energias novas. Que mais? Expressamos na noite os nossos desejos mais profundos. Falamos, dissemos alto e bom som o que realmente queríamos, qual a mudança profunda que necessitávamos. Têm ideia de quão difícil isso é?... De quanto precisamos nos libertar para simplesmente não nos acharmos apenas ridículos?...
Nos nossos rituais certamente não andamos no chão a rebolar e a espumar. Nada disso! Pretende-se tão só que sejamos capazes de ser quem verdadeiramente somos... e assumir o arquétipo dos deuses, se for preciso. Quero dizer com isto, encarná-lo. E manifestá-lo face à necessidade de outrem. Por exemplo, se alguém me abraçar e eu sentir que mais do que a abraçar-me a mim, está a abraçar a Mãe, a Deusa, a trazer de volta esse arquétipo para a sua vida... Bem, que miserável ser limitado seria eu se não fosse capaz de, naquele preciso instante, encarnar esse arquétipo e abraçar com todo o meu ser?...
Que fique bem entendido que não estamos lá para receber, estamos lá para dar. Claro que também recebemos, recebemos na medida em que damos. Mas, que seja a dádiva que nos motiva... E, a pouco e pouco, as mudanças acontecem. Acreditem, acontecem. E se formos capazes de aceitar essas pequenas mudanças, o velho mundo pagão regressa...
Entendem agora o que fazemos? Nós estamos aqui para recriar os velhos templos do paganismo... e nós somos esses templos!...
Na próxima lua cheia, vamos assumir o velho espírito pagão que deu origem a uma das mais bonitas tradições de natal, a troca de presentes. Vamos assumir a mudança que começou para nós naquele instante da última lua cheia, na primeira lua do novo ciclo. E vamos fazer a energia circular. Muitas vezes, queremos provar o novo chá, mas esquecemo-nos de esvaziar a chávena. Se não esvaziarmos completamente a chávena, nunca estaremos a provar o novo chá. Assim, vamos libertar-nos de algumas coisas do passado, que já não nos fazem falta, que não usamos, mas que de algum modo ainda são importantes, enfim, vamos dá-las, e havemos de as dar com alegria. Para que a energia circule, para que na nossa vida comece a haver lugar para o novo... para podermos renascer verdadeiramente no próximo Solstício de Inverno, prontos para uma nova etapa, uma nova vida. Um pouco mais tarde, em Imbolc, acederemos imensas velas nas nossas casas para ajudar a luz do mundo a crescer e, ao mesmo tempo, alimentar a nossa renascida fé. E é assim que nós vivenciamos o tempo cíclico, que tentamos ser um com a roda do ano...
É este o nosso paganismo!
Monday, November 17, 2008
Intuição
«Filósofos antigos como Platão, e modernos como Spinoza, Nietzsche, e, na virada do século, Henri Bergson, apontaram para formas superiores e intuitivas de conhecimento, muito acima da razão e dos sentidos. O mesmo fizeram místicos, românticos, poetas e visionários em todas as culturas. Podemos encontrar escolas "intuitivas" na matemática e na ética, e psicólogos como Gordon Allport, Abrabam Maslow, Carl Jung e Jerome Bruner reconheceram a importância da intuição. Na maior parte, porém, a intuição tem sido apenas um assunto periférico no Ocidente, onde o modo reverenciado de conhecer tem sido o empirismo racional, graças, em grande parte, ao fantástico sucesso da ciência.
Nada que seja dito em relação à intuição deve ser entendido como uma depreciação da ciência ou do pensamento racional. Ao combater a autoridade das cambaleantes instituições religiosas, a ciência e o racionalismo libertaram-nos da tirania do dogma e das idéias arbitrárias. A insistência nas provas e na verificação rigorosa, coração e alma do cientificismo, possibilita-nos, coletivamente e ao longo do tempo, separar o verdadeiro do falso. Em uma sociedade pluralista e secular, tais padrões são imperativos. E a ciência deu-nos uma maneira de analisar e modelar com precisão o mundo material, provendo-nos de fartura, conforto e riqueza sem precedentes.
Mas, como quase todas as rebeliões, a revolução científica criou alguns novos problemas. Ensoberbados pelo sucesso, os fanáticos da ciência invadiram terreno anteriormente dominado pela filosofia, pela metafísica, pela teologia e pela tradição cultural. Pretenderam aplicar os métodos que funcionavam tão bem no mundo material para responder questões sobre a psique, o espírito e a sociedade. Através da experimentação e da aplicação da razão, que foi elevada ao pináculo da mente, presumiu-se que chegaríamos a conhecer os segredos do universo e que aprenderíamos a viver. Para realizá-lo, lançamo-nos a aperfeiçoar os instrumentos objetivos do conhecimento; inventamos aparelhos e procedimentos que ampliavam o alcance dos nossos sentidos e tomavam mais rigorosos nossos cálculos e nossa lógica. Com o tempo, nossas organizações e instituições educacionais transformaram o cientificismo na condição sine qua non do conhecimento, no modelo de como pensar.
Essa tendência ideológica reflete-se no nosso vocabulário; as palavras que sugerem veracidade originam-se da tradição racional-empírica. Nós usamos a palavra lógico, mesmo quando a lógica não foi aplicada, para indicar que uma observação parece correta. Tão grande é a consideração para com a razão que usamos a palavra razoável para referirnos a qualquer coisa que julguemos apropriada, por exemplo: "Mil cruzeiros é um preço razoável para pagarmos por uma entrada de teatro." Também temos a forma substantiva de razão, que é o que lhe pedem que lhe mostre para justificar uma proposição. As pessoas exigem razões; elas raramente dizem "Dê-me uma boa sensação de por que você pensa que ele está errado", ou "Qual é a sua intuição para supor que exercícios físicos irão curar minha insônia?"
A palavra racional, que, estritamente falando, sugere o uso da razão e da lógica, tornou-se sinônimo de sanidade mental, enquanto que irracional conota loucura. Sensato e fazer sentido, junto com seu antônimo sem sentido, relacionam solidez e verdade com os órgãos dos sentidos, como se o significado adequado viesse somente através desses canais - a convicção clássica do empirismo. Objetivo veio a significar justiça, honestidade e precisão, sugerindo que a única maneira de se obter conhecimento puro é permanecer distanciado e tratar o que quer que se estude como um objeto material. Quanto à palavra científico, ela é a justificação definitiva para qualquer asserção.
O aspecto desastroso dessa tendência não é a veneração da racionalidade ou a insistência nas evidências experimentais, mas a depreciação da intuição. Todo o empenho do cientificismo tem sido para minimizar a influência do conhecedor. Mas sabemos, por comprovação da própria ciência, que a consagrada separação teórica entre observador e observado, objeto e sujeito, não mais pode ser admitida. Como Werner Heisenberg observou ao formular o princípio da incerteza, que provou que no nível subatômico o ato da observação influencia o que está observado: "Mesmo na ciência, o objeto da pesquisa não é mais a natureza em si mas a investigação da natureza pelo homem." Além do que, toda disciplina está enraizada em um conjunto de suposições e crenças (o que o filósofo Thomas Kuhn chamou de paradigma) e, como todos nós, os cientistas individualmente possuem convicções, apegos e paixões que influenciam seu trabalho. Realmente, sem isso o cientista nunca reuniria coragem e tenacidade para descobrir alguma coisa que valha a pena.
As instituições que nos ensinam a usar nossas mentes, assim como as organizações onde as usamos, estão de tal modo comprometidas com o ideal racional-empírico, que a intuição raramente é discutida, quanto mais aplaudida ou encorajada. Desde a escola primária até a faculdade, e na maioria dos nossos ambientes de trabalho, somos ensinados a desenvolver o modelo idealizado de cientificismo no nosso modo de pensar, na solução de nossos problemas e nas tomadas de decisões. Como resultado, a intuição é submetida a diversas formas de censura e repressão. O que a psicóloga Blythe Clinchy disse com relação ao início da educação aplica-se a toda a nossa cultura: "Podemos convencer nossos alunos de que esse modo de pensamento é uma maneira irrelevante ou indecente de abordar a matéria formal. Nós realmente não aniquilamos a intuição; pelo contrário, eu acho que nós a enterramos." Há duas ironias nessa situação. Primeiro, o modelo que procuramos imitar é uma espécie de ficção, errado em algumas de suas suposições e inapropriado em muitas de suas aplicações. Segundo, a intuição é um contribuinte vital, embora restrito, às próprias instituições que tentaram enterrá-la.
"Se a sua única ferramenta for um martelo", dizia Abraham Maslow, "você começa a ver tudo em termos de pregos." Se os seus únicos instrumentos cognitivos forem racionais-empíricos, sua visão ficará restrita ao que puder ser analisado e medido. Indague as grandes questões metafísicas sobre a identidade humana e a natureza da realidade, e receberá de volta respostas materialistas. O eu passa a ser visto como um catálogo de traços de personalidade analisáveis, e o cosmos torna-se uma coleção de objetos separados do eu, uma visão incompleta com conseqüências que vão desde o desenvolvimento limitado do potencial humano até a pilhagem da natureza. Apenas a intuição profunda pode penetrar o transcendente e iluminar o sublime.»
PHILIP GOLDBERG
Nada que seja dito em relação à intuição deve ser entendido como uma depreciação da ciência ou do pensamento racional. Ao combater a autoridade das cambaleantes instituições religiosas, a ciência e o racionalismo libertaram-nos da tirania do dogma e das idéias arbitrárias. A insistência nas provas e na verificação rigorosa, coração e alma do cientificismo, possibilita-nos, coletivamente e ao longo do tempo, separar o verdadeiro do falso. Em uma sociedade pluralista e secular, tais padrões são imperativos. E a ciência deu-nos uma maneira de analisar e modelar com precisão o mundo material, provendo-nos de fartura, conforto e riqueza sem precedentes.
Mas, como quase todas as rebeliões, a revolução científica criou alguns novos problemas. Ensoberbados pelo sucesso, os fanáticos da ciência invadiram terreno anteriormente dominado pela filosofia, pela metafísica, pela teologia e pela tradição cultural. Pretenderam aplicar os métodos que funcionavam tão bem no mundo material para responder questões sobre a psique, o espírito e a sociedade. Através da experimentação e da aplicação da razão, que foi elevada ao pináculo da mente, presumiu-se que chegaríamos a conhecer os segredos do universo e que aprenderíamos a viver. Para realizá-lo, lançamo-nos a aperfeiçoar os instrumentos objetivos do conhecimento; inventamos aparelhos e procedimentos que ampliavam o alcance dos nossos sentidos e tomavam mais rigorosos nossos cálculos e nossa lógica. Com o tempo, nossas organizações e instituições educacionais transformaram o cientificismo na condição sine qua non do conhecimento, no modelo de como pensar.
Essa tendência ideológica reflete-se no nosso vocabulário; as palavras que sugerem veracidade originam-se da tradição racional-empírica. Nós usamos a palavra lógico, mesmo quando a lógica não foi aplicada, para indicar que uma observação parece correta. Tão grande é a consideração para com a razão que usamos a palavra razoável para referirnos a qualquer coisa que julguemos apropriada, por exemplo: "Mil cruzeiros é um preço razoável para pagarmos por uma entrada de teatro." Também temos a forma substantiva de razão, que é o que lhe pedem que lhe mostre para justificar uma proposição. As pessoas exigem razões; elas raramente dizem "Dê-me uma boa sensação de por que você pensa que ele está errado", ou "Qual é a sua intuição para supor que exercícios físicos irão curar minha insônia?"
A palavra racional, que, estritamente falando, sugere o uso da razão e da lógica, tornou-se sinônimo de sanidade mental, enquanto que irracional conota loucura. Sensato e fazer sentido, junto com seu antônimo sem sentido, relacionam solidez e verdade com os órgãos dos sentidos, como se o significado adequado viesse somente através desses canais - a convicção clássica do empirismo. Objetivo veio a significar justiça, honestidade e precisão, sugerindo que a única maneira de se obter conhecimento puro é permanecer distanciado e tratar o que quer que se estude como um objeto material. Quanto à palavra científico, ela é a justificação definitiva para qualquer asserção.
O aspecto desastroso dessa tendência não é a veneração da racionalidade ou a insistência nas evidências experimentais, mas a depreciação da intuição. Todo o empenho do cientificismo tem sido para minimizar a influência do conhecedor. Mas sabemos, por comprovação da própria ciência, que a consagrada separação teórica entre observador e observado, objeto e sujeito, não mais pode ser admitida. Como Werner Heisenberg observou ao formular o princípio da incerteza, que provou que no nível subatômico o ato da observação influencia o que está observado: "Mesmo na ciência, o objeto da pesquisa não é mais a natureza em si mas a investigação da natureza pelo homem." Além do que, toda disciplina está enraizada em um conjunto de suposições e crenças (o que o filósofo Thomas Kuhn chamou de paradigma) e, como todos nós, os cientistas individualmente possuem convicções, apegos e paixões que influenciam seu trabalho. Realmente, sem isso o cientista nunca reuniria coragem e tenacidade para descobrir alguma coisa que valha a pena.
As instituições que nos ensinam a usar nossas mentes, assim como as organizações onde as usamos, estão de tal modo comprometidas com o ideal racional-empírico, que a intuição raramente é discutida, quanto mais aplaudida ou encorajada. Desde a escola primária até a faculdade, e na maioria dos nossos ambientes de trabalho, somos ensinados a desenvolver o modelo idealizado de cientificismo no nosso modo de pensar, na solução de nossos problemas e nas tomadas de decisões. Como resultado, a intuição é submetida a diversas formas de censura e repressão. O que a psicóloga Blythe Clinchy disse com relação ao início da educação aplica-se a toda a nossa cultura: "Podemos convencer nossos alunos de que esse modo de pensamento é uma maneira irrelevante ou indecente de abordar a matéria formal. Nós realmente não aniquilamos a intuição; pelo contrário, eu acho que nós a enterramos." Há duas ironias nessa situação. Primeiro, o modelo que procuramos imitar é uma espécie de ficção, errado em algumas de suas suposições e inapropriado em muitas de suas aplicações. Segundo, a intuição é um contribuinte vital, embora restrito, às próprias instituições que tentaram enterrá-la.
"Se a sua única ferramenta for um martelo", dizia Abraham Maslow, "você começa a ver tudo em termos de pregos." Se os seus únicos instrumentos cognitivos forem racionais-empíricos, sua visão ficará restrita ao que puder ser analisado e medido. Indague as grandes questões metafísicas sobre a identidade humana e a natureza da realidade, e receberá de volta respostas materialistas. O eu passa a ser visto como um catálogo de traços de personalidade analisáveis, e o cosmos torna-se uma coleção de objetos separados do eu, uma visão incompleta com conseqüências que vão desde o desenvolvimento limitado do potencial humano até a pilhagem da natureza. Apenas a intuição profunda pode penetrar o transcendente e iluminar o sublime.»
PHILIP GOLDBERG
Monday, November 10, 2008
Doação e entrega
No último piquenique nocturno de lua cheia, no mês de Setembro, afastei-me para sentir os deuses sozinha. Foi um ritual intenso... quando estava quase a acabar, notei que estava cheia de sede. Estranhei a sede. Entretanto senti que alguém se aproximava e comecei a terminar o ritual rapidamente. Era a minha amiga. Ela ficou tão espantada com a energia que se sentia ainda no local e à minha volta, que ficou visivelmente comovida.
A verdade era que, mesmo tendo terminado a invocação, o círculo continuava à minha volta. Senti que havia algo que faltava, que o ritual não se completara. A minha amiga começou a falar-me de todas as vezes que sentiu que existia algo mais no universo, estava emocionada... E eis que nessa altura, quase à meia noite, chegam dois homens que abrem a capela da Senhora da Lapa, uma pequena capela numa antiga gruta. Nós estávamos sentadas junto à porta. Um dos homens pergunta-nos se não queremos beber água da fonte sagrada, diz-nos que há muitas pessoas que vão lá só para beber aquela água. Incrível, dentro da capela havia uma fonte, no ponto mais interior da gruta. Eu não fazia ideia, nunca tinha encontrado a gruta/capela aberta...
Eu segurei a caneca de água, com as mãos a tremer, e dei-a à minha amiga, que bebeu um pequenino gole, quase com relutância. Quando eu bebi, o líquido na minha garganta era a água primordial, era água viva. Agradeci em silêncio à Senhora, agradeci-lhe com todo o meu coração. As dúvidas desapareceram. Senti-me acompanhada. Senti que de modo algum fazia os meus rituais sozinha. E agradeci também àqueles que me acompanhavam. Mentalmente fiz a invocação da velha oração celta que começa com "Que o caminho se abra à tua frente". Quando acabei, a energia dissipou-se e o ritual terminou. A espiral voltou para a terra, o círculo foi devolvido ao universo. A minha amiga começou a falar de coisas mais terra a terra e tudo voltou ao normal.
Mas há instantes que valem uma vida inteira... há instantes em que deixamos de ser quem somos, deixamos de ser um pequenino lugar e somos todo o universo. Apenas temos que ser capazes de nos entregar com todo o nosso ser a esses instantes, para que se realizem.
A verdade era que, mesmo tendo terminado a invocação, o círculo continuava à minha volta. Senti que havia algo que faltava, que o ritual não se completara. A minha amiga começou a falar-me de todas as vezes que sentiu que existia algo mais no universo, estava emocionada... E eis que nessa altura, quase à meia noite, chegam dois homens que abrem a capela da Senhora da Lapa, uma pequena capela numa antiga gruta. Nós estávamos sentadas junto à porta. Um dos homens pergunta-nos se não queremos beber água da fonte sagrada, diz-nos que há muitas pessoas que vão lá só para beber aquela água. Incrível, dentro da capela havia uma fonte, no ponto mais interior da gruta. Eu não fazia ideia, nunca tinha encontrado a gruta/capela aberta...
Eu segurei a caneca de água, com as mãos a tremer, e dei-a à minha amiga, que bebeu um pequenino gole, quase com relutância. Quando eu bebi, o líquido na minha garganta era a água primordial, era água viva. Agradeci em silêncio à Senhora, agradeci-lhe com todo o meu coração. As dúvidas desapareceram. Senti-me acompanhada. Senti que de modo algum fazia os meus rituais sozinha. E agradeci também àqueles que me acompanhavam. Mentalmente fiz a invocação da velha oração celta que começa com "Que o caminho se abra à tua frente". Quando acabei, a energia dissipou-se e o ritual terminou. A espiral voltou para a terra, o círculo foi devolvido ao universo. A minha amiga começou a falar de coisas mais terra a terra e tudo voltou ao normal.
Mas há instantes que valem uma vida inteira... há instantes em que deixamos de ser quem somos, deixamos de ser um pequenino lugar e somos todo o universo. Apenas temos que ser capazes de nos entregar com todo o nosso ser a esses instantes, para que se realizem.
Thursday, November 06, 2008
Jantares de Lua Cheia
Como sabem, a próxima lua cheia é dia 13 de Novembro às 06h17m, assim, a noite de lua cheia é no dia 12 de Novembro, quarta-feira.
Esta é não só a primeira lua cheia do novo ciclo, como também uma das mais especiais, se não a mais especial. Paul Fetan diz que "sendo um facto que o ano celta possuía doze meses lunares, mais um mês intercalar para alcançar o ciclo solar, e que cada mês começava com a lua cheia, as festas de Samain e de Beltaine não calhavam em datas fixas: será mais concreto dizer «na lua cheia mais próxima do 1º de Novembro ou do 1º de Maio»".
É esta a lua! E nós vamos celebrá-la. :)
Proponho que comecemos este ciclo com o primeiro jantar de Lua Cheia, que esperamos poder repetir todos os meses, durante o inverno, para nas noites quentes da primavera e verão, passarmos aos piqueniques nocturnos de lua cheia. :)
O jantar será, então, na próxima quarta-feira, dia 12, pelas 20 horas, em Braga, num restaurante a combinar. Se quiserem participar, por favor mandem-me um mail.
É um jantar inserido numa comemoração de cariz pagão. Pretendemos mais do que o convivio em si, que os ritmos cósmicos voltem a sentir-se...
Espero que aceitem o meu convite. :)
Selene by Albert Aublet, 1880.
Esta é não só a primeira lua cheia do novo ciclo, como também uma das mais especiais, se não a mais especial. Paul Fetan diz que "sendo um facto que o ano celta possuía doze meses lunares, mais um mês intercalar para alcançar o ciclo solar, e que cada mês começava com a lua cheia, as festas de Samain e de Beltaine não calhavam em datas fixas: será mais concreto dizer «na lua cheia mais próxima do 1º de Novembro ou do 1º de Maio»".
É esta a lua! E nós vamos celebrá-la. :)
Proponho que comecemos este ciclo com o primeiro jantar de Lua Cheia, que esperamos poder repetir todos os meses, durante o inverno, para nas noites quentes da primavera e verão, passarmos aos piqueniques nocturnos de lua cheia. :)
O jantar será, então, na próxima quarta-feira, dia 12, pelas 20 horas, em Braga, num restaurante a combinar. Se quiserem participar, por favor mandem-me um mail.
É um jantar inserido numa comemoração de cariz pagão. Pretendemos mais do que o convivio em si, que os ritmos cósmicos voltem a sentir-se...
Espero que aceitem o meu convite. :)
Selene by Albert Aublet, 1880.
Sunday, November 02, 2008
Friday, October 31, 2008
Thursday, October 16, 2008
O Caminho
"O Caminho é eterno e não tem nome".
"O Caminho, enquanto existência é indistinguível e indescritível".
"O caminho que pode ser expresso não é o Caminho".
"A iluminação do Caminho é como se fosse a obscuridade".
"O avanço do Caminho é como se fosse o retrocesso".
Mas "quem segue e realiza através do Caminho adquire o Caminho".
Fairies in the battle of the flowers by Edith Mendham (1888-1911).
"O Caminho, enquanto existência é indistinguível e indescritível".
"O caminho que pode ser expresso não é o Caminho".
"A iluminação do Caminho é como se fosse a obscuridade".
"O avanço do Caminho é como se fosse o retrocesso".
Mas "quem segue e realiza através do Caminho adquire o Caminho".
Fairies in the battle of the flowers by Edith Mendham (1888-1911).
Monday, October 13, 2008
Mestre Lima de Freitas
"O mais importante de tudo é saber quem sou: não o que penso ser ou desejo ser ou pareço ser ou quero parecer. O que sou. Na total disponibilidade, com a falta de vergonha do simples, do ignorante, do arrogante.
Eu - sem o meu ego a fazer obstáculo. Totalmente desinteressado de mim mesmo, e das consequências que poderá acarretar para a minha pessoa esse entregar-me todo nas mãos de quem sou. Tamanha sinceridade só tem por limite Deus.
Mas ousá-lo é bem difícil. Estou cheio dos outros! O meu ego timorato acolhe-se sucessivamente nos alvéolos de assumir o que outrem de mim exige, sendo outro outrem dia a dia, ao sabor dos outros. Outros que a mim são iguais nisso de não serem senão outrem: e então, quem veradeiramente é?"
21 de Maio de 1986, Diário 20, Lima de Freitas
Sunday, October 12, 2008
Eterna criança
Senhora, que te posso dizer? Não te amei?
Quando ouvi o canto da cotovia não te escutei?
Ou nos silêncios clarividentes das noites de luar...
Não te pressenti na sombra e na luz, por não te amar?
E não te invoquei nas chamas das antigas fogueiras?
Não fui sempre tua, desde as primeiras brincadeiras?
Não te encontrei numa ancestral fonte sagrada?
E quando bebi a tua água viva, não te sentiste amada?
Não percorri as tuas clareiras com fé no meu coração?
Não te procurei nos velhos carvalhos e não comi o teu pão?
Não celebrei e não talhei o círculo como antigamente?
Não te invoquei no poder da ave e da serpente?
Não senti por ti o sabor frio e amargo da discriminação
daqueles que, por te ignorarem, se julgam quem não são?
Não subi todas as montanhas cheia de alegria?
Não procurei sempre a tua eterna sabedoria
que se encontra nos sonhos e nas ideias solitárias?
Não acreditei nas minhas intuições visionárias?
Não atravessei rios gelados em longínquas terras
e não fui onde me mandaste ir em todas as eras?
Não te senti na neve e na chuva, e na terra molhada?
Não te encontrei na claridade da manhã desejada?
Ou na alegria e na beleza do olhar de velhas e crianças
quando nos seus olhos brilhavam as tuas danças?
Não te senti no murmúrio de brisas e ventos
que me traziam memórias antigas e pensamentos
daqueles que há muito haviam sido esquecidos?
Senhora, não é por ti que recrio tempos perdidos?...
Quando ouvi o canto da cotovia não te escutei?
Ou nos silêncios clarividentes das noites de luar...
Não te pressenti na sombra e na luz, por não te amar?
E não te invoquei nas chamas das antigas fogueiras?
Não fui sempre tua, desde as primeiras brincadeiras?
Não te encontrei numa ancestral fonte sagrada?
E quando bebi a tua água viva, não te sentiste amada?
Não percorri as tuas clareiras com fé no meu coração?
Não te procurei nos velhos carvalhos e não comi o teu pão?
Não celebrei e não talhei o círculo como antigamente?
Não te invoquei no poder da ave e da serpente?
Não senti por ti o sabor frio e amargo da discriminação
daqueles que, por te ignorarem, se julgam quem não são?
Não subi todas as montanhas cheia de alegria?
Não procurei sempre a tua eterna sabedoria
que se encontra nos sonhos e nas ideias solitárias?
Não acreditei nas minhas intuições visionárias?
Não atravessei rios gelados em longínquas terras
e não fui onde me mandaste ir em todas as eras?
Não te senti na neve e na chuva, e na terra molhada?
Não te encontrei na claridade da manhã desejada?
Ou na alegria e na beleza do olhar de velhas e crianças
quando nos seus olhos brilhavam as tuas danças?
Não te senti no murmúrio de brisas e ventos
que me traziam memórias antigas e pensamentos
daqueles que há muito haviam sido esquecidos?
Senhora, não é por ti que recrio tempos perdidos?...
Friday, October 10, 2008
Vem, vem cá...
The Hosting of the Sidhe, W. B. Yeats
The host is riding from Knocknare
And over the grave of Clooth-na-bare;
Caolte tossing his burning hair
And Niamh calling Away, come away:
Empty your heart of its mortal dream.
The winds awaken, the leaves whirl round,
Our cheeks are pale, our hair is unbound,
Our breasts are heaving, our eyes are a-gleam,
Our arms are waving, our lips are apart;
And if any gaze on our rushing band,
We come between him and the deed of his hand,
We come between him and the hope of his heart.
The host is rushing 'twixt night and day,
And where is there hope or deed as fair?
Caolte tossing his burning hair,
And Niamh calling Away, come away.
Niamh, Niamh... Onde está o teu cavaleiro de cabelos de fogo que cavalga veloz e destemido entre noites e dias? Quem escuta ainda o teu chamamento, minha senhora das fadas?... Eles já nem sequer sabem que quando tu chegas, os ventos acordam e as folhas rodopiam pelo ar...
“Vem, vem cá” murmura a tua voz, cada vez mais longe... e o meu coração fica despedaçado, senhora minha, porque não se pode perder o teu chamamento, que transforma as noites de luar em noites misteriosas e mágicas, onde todos os sentidos te enaltecem. Onde nós e o mundo tornamo-nos outros, para que no tempo fora do tempo e no espaço fora do espaço, o teu cavaleiro te encontre, senhora.
Celebramos o vosso encontro, e as nossas faces pálidas à luz da lua são os vossos rostos na noite e ao luar. São vossos os cabelos soltos, os olhos brilhantes e os lábios entreabertos. E tu, senhora, regressas de verdade e encontras o teu amado...
Senhora, que os nossos corpos sejam de novo templos, que reencontremos a pureza que nos permita honrar-te com todo o nosso amor e desejo, na floresta que é a tua casa.
Wednesday, October 08, 2008
Deusa da Floresta
Senhora, pelo poder da ave e pelo poder da serpente
Que na Tua clareira o círculo se abra como antigamente!
Tuesday, October 07, 2008
Sunday, October 05, 2008
Pão de Bolota
Friday, October 03, 2008
Ritual
Comece por invocar o seu círculo sagrado. Diga: "Invoco o meu círculo sagrado". Imagine que do infinito surge uma imensa esfera, composta por uma camada de Ar, outra de Fogo, outra de Água e no centro Terra.
Visualize-se a projectar-se no ar, a ir ao encontro da sua esfera. Veja-se a vir de Leste, dê três passos e entre no seu círculo sagrado composto pelo Ar Primordial, pelo Sopro Divino. Sinta à sua volta a força do Ar, deixe que essa energia o guie, deixe que essa energia trabalhe dentro de si. Sinta o poder da INTENÇÃO.
Na sua mente diga alto e bom som o que pretende, diga-o de um modo positivo. Repita três vezes. Sinta o Verbo dentro de si, tornando possíveis as suas palavras, dando-lhes SER.
Avance agora para Sul, passe do círculo de Ar para o elemento imediatamente seguinte: o Fogo. À medida que atravessa o círculo composto por Fogo Primordial, sinta esta energia primitiva a passar por si e a purificá-lo.
Enquanto atravessa o círculo de Fogo, o seu problema é desfeito pela Energia Pura, e os pensamentos negativos ou obstáculos que se ocultavam atrás desse problema são agora revelados. Não procure os pensamentos negativos, permita apenas que venham à superfície à medida que atravessa o círculo de Fogo, à medida que se purifica.
À medida que os pensamentos negativos e os obstáculos são purificados, dá-se uma transmutação de energia, criando assim à sua volta súbitas e poderosas explosões de energia que foi purificada, sendo agora positiva.
Imagine essa energia a alimentar aquilo que quer que aconteça, imagine essa energia positiva a solucionar-lhe o problema. Sinta a força da TRANSMUTAÇÃO da energia.
Avance agora para Oeste, passe do círculo de Fogo para o próximo elemento: a Água. Deixe-se flutuar dentro da Água Primordial, sinta o seu poder curador. Sinta a força da Água da Vida a actuar em si, sinta GERMINAR no seu subconsciente e no plano espiritual aquilo que quer que surja na sua vida.
Avance agora para Norte, passe para o círculo sagrado da Terra Primordal, uma maravilhosa ilha no meio dos outros elementos. Deixe os seus pés enterrarem-se um pouco na Terra negra e macia. Sinta a fertilidade da Terra a subir por todo o seu corpo, partindo dos seus pés. Sinta a força Viva da Terra a actuar em si, sinta FRUTIFICAR no seu consciente e no plano material aquilo que quer que surja na sua vida.
Caminhe até ao Leste e complete o seu círculo sagrado. Dirija-se agora ao centro do seu círculo.
Olhe para o céu infinito por cima de si e sinta-se UM com o universo. Seja Espírito Puro. Seja uno com a fonte de todas as possibilidades... Dê agora um momento da sua atenção à visualização da vivência do problema resolvido. Sinta-se como se já tivesse acontecido. Agradeça.
Agradeça também a presença do Espírito, agradeça a força da intenção do AR, a força da purificação do Fogo, a força da germinação da Água e a força da frutificação da Terra.
Fique em silêncio mais uns minutos e agradeça todas as provações por que tem passado e os momentos felizes que viveu.
O seu círculo mágico está fora do tempo/espaço profano, assim, o seu círculo mágico estará sempre ali, no tempo/espaço sagrado, para si, à sua espera. E poderá voltar sempre que desejar àquele lugar que não pertence a lugar nenhum, àquele tempo que não pertence a tempo nenhum.
Olhe uma vez mais o céu por cima de si e veja o seu círculo sagrado, de todos e cada um dos elementos primordiais, partir para o infinito...
Visualize-se a projectar-se no ar, a ir ao encontro da sua esfera. Veja-se a vir de Leste, dê três passos e entre no seu círculo sagrado composto pelo Ar Primordial, pelo Sopro Divino. Sinta à sua volta a força do Ar, deixe que essa energia o guie, deixe que essa energia trabalhe dentro de si. Sinta o poder da INTENÇÃO.
Na sua mente diga alto e bom som o que pretende, diga-o de um modo positivo. Repita três vezes. Sinta o Verbo dentro de si, tornando possíveis as suas palavras, dando-lhes SER.
Avance agora para Sul, passe do círculo de Ar para o elemento imediatamente seguinte: o Fogo. À medida que atravessa o círculo composto por Fogo Primordial, sinta esta energia primitiva a passar por si e a purificá-lo.
Enquanto atravessa o círculo de Fogo, o seu problema é desfeito pela Energia Pura, e os pensamentos negativos ou obstáculos que se ocultavam atrás desse problema são agora revelados. Não procure os pensamentos negativos, permita apenas que venham à superfície à medida que atravessa o círculo de Fogo, à medida que se purifica.
À medida que os pensamentos negativos e os obstáculos são purificados, dá-se uma transmutação de energia, criando assim à sua volta súbitas e poderosas explosões de energia que foi purificada, sendo agora positiva.
Imagine essa energia a alimentar aquilo que quer que aconteça, imagine essa energia positiva a solucionar-lhe o problema. Sinta a força da TRANSMUTAÇÃO da energia.
Avance agora para Oeste, passe do círculo de Fogo para o próximo elemento: a Água. Deixe-se flutuar dentro da Água Primordial, sinta o seu poder curador. Sinta a força da Água da Vida a actuar em si, sinta GERMINAR no seu subconsciente e no plano espiritual aquilo que quer que surja na sua vida.
Avance agora para Norte, passe para o círculo sagrado da Terra Primordal, uma maravilhosa ilha no meio dos outros elementos. Deixe os seus pés enterrarem-se um pouco na Terra negra e macia. Sinta a fertilidade da Terra a subir por todo o seu corpo, partindo dos seus pés. Sinta a força Viva da Terra a actuar em si, sinta FRUTIFICAR no seu consciente e no plano material aquilo que quer que surja na sua vida.
Caminhe até ao Leste e complete o seu círculo sagrado. Dirija-se agora ao centro do seu círculo.
Olhe para o céu infinito por cima de si e sinta-se UM com o universo. Seja Espírito Puro. Seja uno com a fonte de todas as possibilidades... Dê agora um momento da sua atenção à visualização da vivência do problema resolvido. Sinta-se como se já tivesse acontecido. Agradeça.
Agradeça também a presença do Espírito, agradeça a força da intenção do AR, a força da purificação do Fogo, a força da germinação da Água e a força da frutificação da Terra.
Fique em silêncio mais uns minutos e agradeça todas as provações por que tem passado e os momentos felizes que viveu.
O seu círculo mágico está fora do tempo/espaço profano, assim, o seu círculo mágico estará sempre ali, no tempo/espaço sagrado, para si, à sua espera. E poderá voltar sempre que desejar àquele lugar que não pertence a lugar nenhum, àquele tempo que não pertence a tempo nenhum.
Olhe uma vez mais o céu por cima de si e veja o seu círculo sagrado, de todos e cada um dos elementos primordiais, partir para o infinito...
Wednesday, October 01, 2008
Que o caminho se abra à tua frente...
Caminho com a roda do ano, para o fim de um ciclo. E o início de outro ciclo. Todos os meus sentidos estão despertos, o meu mundo amadurece em cores e aromas intensos, é Outubro.
Em Outubro o caminho abre-se à minha frente na terra arada, negra e fecunda. E do Norte e da Terra, caminho para o Este e para o Ar, levada pela intensidade do cheiro a terra molhada, que me faz pensar em mim própria como uma semente, que me faz querer voltar ao ventre da Terra Mãe e encolher com a estação, ficar de novo pequenina, libertar-me do supérfluo, deixar para trás as minhas máscaras, que inadvertidamente criei ao longo do ano, para renascer com a minha própria face em Yule.
Mas é ainda cedo, Outubro é tempo de colheita, as últimas colheitas do ano. E nada se compara à intensidade das cores, dos sabores e dos aromas de Outono. O cheiro das castanhas assadas que suavemente começa a aparecer nas ruas da minha cidade. Os dias a meio da semana, que se transformam em fantásticos fins de tarde solarengos, em clareiras em maravilhosos tons outonais, que sobrestimulam os sentidos. Os fins de semana a apanhar bolota e outros frutos silvestres. Os últimos piqueniques. E a minha cozinha transformada no meu laboratório alquímico, com os aromas das tartes de maçã e de abóbora a cozer no forno, com a cor intensa das taças de marmelada a apanhar sol junto à janela.
É Outubro, o tempo místico das primeiras fogueiras, do fumo branco que faz pensar em brumas misteriosas e mágicas, que me transporta para outros mundos. Volto-me, então, para o Fogo e para o Sul, agradecendo o suave calor do sol, sentindo fortemente a luz dos meus dias.
Nunca, em nenhuma outra altura do ano, sinto assim tanto a necessidade de apreciar o sol quando o dia é claro e luminoso, e a chuva quando chove. A maravilhosa chuva de Outono, que alimenta a terra ressequida nos meses de estio, que me vivifica. Estou, agora, no mundo da Água, no Oeste. Caminho descalça na minha praia vazia, na areia húmida, e o mundo à minha volta é um mundo que, a cada instante, se revela. É Outubro.
Marcadores:
Caminho,
o meu mundo,
roda do ano
O Poder do Mito
MOYERS: Por quê mitos? Por que deveríamos importar nos com os mitos? O que eles têm a ver com minha vida?
CAMPBELL: Minha primeira resposta seria: “Vá em frente, viva a sua vida, é uma boa vida – você não precisa de mitologia”. Não acredito que se possa ter interesse por um assunto só porque alguém diz que isso é importante. Acredito em ser capturado pelo assunto, de uma maneira ou de outra. Mas você poderá descobrir que, com uma introdução apropriada, o mito é capaz de capturá-lo. E então, o que ele poderá fazer por você, caso o capture de fato?
Um de nossos problemas, hoje em dia, é que não estamos familiarizados com a literatura do espírito. Estamos interessados nas notícias do dia e nos problemas do momento. Antigamente, o campus de uma universidade era uma espécie de área hermeticamente fechada, onde as notícias do dia não se chocavam com a atenção que você dedicava à vida interior, nem com a magnífica herança humana que recebemos de nossa grande tradição – Platão, Confúcio, o Buda, Goethe e outros, que falam dos valores eternos, que têm a ver com o centro de nossas vidas. Quando um dia você ficar velho e, tendo as necessidades imediatas todas atendidas, então se voltar para a vida interior, aí bem, se você não souber onde está ou o que é esse centro, você vai sofrer. As literaturas grega e latina e a Bíblia costumavam fazer parte da educação de toda gente. Tendo sido suprimidas, toda uma tradição de informação mitológica do Ocidente se perdeu. Muitas histórias se conservavam, de hábito, na mente das pessoas. Quando a história está em sua mente, você percebe sua relevância para com aquilo que esteja acontecendo em sua vida. Isso dá perspectiva ao que lhe está acontecendo. Com a perda disso, perdemos efetivamente algo, porque não possuímos nada semelhante para pôr no lugar. Esses bocados de informação, provenientes dos tempos antigos, que têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, que construíram civilizações e enformaram religiões através dos séculos, têm a ver com os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares da travessia, e se você não souber o que dizem os sinais ao longo do caminho, terá de produzi-los por sua conta. Mas assim que for apanhado pelo assunto, haverá um tal senso de informação, de uma ou outra dessas tradições, de uma espécie tão profunda, tão rica e vivificadora, que você não quererá abrir mão dele.
(...)
MOYERS: Através da leitura de seus livros – The Masks of God e The Hero with a Thousand Faces – vim a compreender que aquilo que os seres humanos têm em comum se revela nos mitos. Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos. Todos nós precisamos contar nossa história, compreender nossa história. Todos nós precisamos compreender a morte e enfrentar a morte, e todos nós precisamos de ajuda em nossa passagem do nascimento à vida e depois à morte. Precisamos que a vida tenha significação, precisamos tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir o que somos.
CAMPBELL: Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior de nosso ser e de nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos. É disso que se trata, afinal, e é o que essas pistas nos ajudam a procurar, dentro de nós mesmos.
MOYERS: Mitos são pistas?
CAMPBELL: Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana.
MOYERS: Aquilo que somos capazes de conhecer e experimentar interiormente?
CAMPBELL: Sim.
MOYERS: Você mudou a definição de mito, de busca de sentido para experiência de sentido.
CAMPBELL: Experiência de vida. A mente se ocupa do sentido. Qual é o sentido de uma flor? Há uma história zen sobre um sermão do Buda, em que este simplesmente colheu uma flor. Houve apenas um homem que demonstrou, pelo olhar, ter compreendido o que o Buda pretendera mostrar. Pois bem, o próprio Buda é chamado “aquele que assim chegou”. Não faz sentido. Qual é o sentido do universo? Qual é o sentido de uma pulga? Está exatamente ali. É isso. E o seu próprio sentido é que você está aí. Estamos tão empenhados em realizar determinados feitos, com o propósito de atingir objetivos de um outro valor, que nos esquecemos de que o valor genuíno, o prodígio de estar vivo, é o que de fato conta.
MOYERS: Como chegar a essa experiência?
CAMPBELL: Lendo mitos. Eles ensinam que você pode se voltar para dentro, e você começa a captar a mensagem dos símbolos. Leia mitos de outros povos, não os da sua própria religião, porque você tenderá a interpretar sua própria religião em termos de fatos – mas lendo os mitos alheios você começa a captar a mensagem. O mito o ajuda a colocar sua mente em contato com essa experiência de estar vivo. Ele lhe diz o que a experiência é.
O Poder do Mito, Joseph Campbell
CAMPBELL: Minha primeira resposta seria: “Vá em frente, viva a sua vida, é uma boa vida – você não precisa de mitologia”. Não acredito que se possa ter interesse por um assunto só porque alguém diz que isso é importante. Acredito em ser capturado pelo assunto, de uma maneira ou de outra. Mas você poderá descobrir que, com uma introdução apropriada, o mito é capaz de capturá-lo. E então, o que ele poderá fazer por você, caso o capture de fato?
Um de nossos problemas, hoje em dia, é que não estamos familiarizados com a literatura do espírito. Estamos interessados nas notícias do dia e nos problemas do momento. Antigamente, o campus de uma universidade era uma espécie de área hermeticamente fechada, onde as notícias do dia não se chocavam com a atenção que você dedicava à vida interior, nem com a magnífica herança humana que recebemos de nossa grande tradição – Platão, Confúcio, o Buda, Goethe e outros, que falam dos valores eternos, que têm a ver com o centro de nossas vidas. Quando um dia você ficar velho e, tendo as necessidades imediatas todas atendidas, então se voltar para a vida interior, aí bem, se você não souber onde está ou o que é esse centro, você vai sofrer. As literaturas grega e latina e a Bíblia costumavam fazer parte da educação de toda gente. Tendo sido suprimidas, toda uma tradição de informação mitológica do Ocidente se perdeu. Muitas histórias se conservavam, de hábito, na mente das pessoas. Quando a história está em sua mente, você percebe sua relevância para com aquilo que esteja acontecendo em sua vida. Isso dá perspectiva ao que lhe está acontecendo. Com a perda disso, perdemos efetivamente algo, porque não possuímos nada semelhante para pôr no lugar. Esses bocados de informação, provenientes dos tempos antigos, que têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, que construíram civilizações e enformaram religiões através dos séculos, têm a ver com os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares da travessia, e se você não souber o que dizem os sinais ao longo do caminho, terá de produzi-los por sua conta. Mas assim que for apanhado pelo assunto, haverá um tal senso de informação, de uma ou outra dessas tradições, de uma espécie tão profunda, tão rica e vivificadora, que você não quererá abrir mão dele.
(...)
MOYERS: Através da leitura de seus livros – The Masks of God e The Hero with a Thousand Faces – vim a compreender que aquilo que os seres humanos têm em comum se revela nos mitos. Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos. Todos nós precisamos contar nossa história, compreender nossa história. Todos nós precisamos compreender a morte e enfrentar a morte, e todos nós precisamos de ajuda em nossa passagem do nascimento à vida e depois à morte. Precisamos que a vida tenha significação, precisamos tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir o que somos.
CAMPBELL: Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior de nosso ser e de nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos. É disso que se trata, afinal, e é o que essas pistas nos ajudam a procurar, dentro de nós mesmos.
MOYERS: Mitos são pistas?
CAMPBELL: Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana.
MOYERS: Aquilo que somos capazes de conhecer e experimentar interiormente?
CAMPBELL: Sim.
MOYERS: Você mudou a definição de mito, de busca de sentido para experiência de sentido.
CAMPBELL: Experiência de vida. A mente se ocupa do sentido. Qual é o sentido de uma flor? Há uma história zen sobre um sermão do Buda, em que este simplesmente colheu uma flor. Houve apenas um homem que demonstrou, pelo olhar, ter compreendido o que o Buda pretendera mostrar. Pois bem, o próprio Buda é chamado “aquele que assim chegou”. Não faz sentido. Qual é o sentido do universo? Qual é o sentido de uma pulga? Está exatamente ali. É isso. E o seu próprio sentido é que você está aí. Estamos tão empenhados em realizar determinados feitos, com o propósito de atingir objetivos de um outro valor, que nos esquecemos de que o valor genuíno, o prodígio de estar vivo, é o que de fato conta.
MOYERS: Como chegar a essa experiência?
CAMPBELL: Lendo mitos. Eles ensinam que você pode se voltar para dentro, e você começa a captar a mensagem dos símbolos. Leia mitos de outros povos, não os da sua própria religião, porque você tenderá a interpretar sua própria religião em termos de fatos – mas lendo os mitos alheios você começa a captar a mensagem. O mito o ajuda a colocar sua mente em contato com essa experiência de estar vivo. Ele lhe diz o que a experiência é.
O Poder do Mito, Joseph Campbell
Monday, September 22, 2008
Thursday, September 18, 2008
Preparando a festa do Equinócio do Outono.
O Equinócio do Outono, sendo um equinócio, um momento em que a noite é igual ao dia, é assim uma altura em que o Yin e o Yang se equilibram. É sobretudo isso, um tempo de equilíbrio.
Este ano, eu estou realmente a precisar de encontrar o meu equilíbrio, de modo que vou começar a preparar esta minha festa, onde tentarei também eu interiorizar esse equilíbrio.
Reservo o dia do Equinócio de Outono, na próxima segunda-feira, para as minhas celebrações pessoais. Começarei, então, a celebrar no domingo à tarde, em parte por questões laborais. O que também está certo...
Eu e os meus amigos, começaremos então no domingo à tarde, vamos plantar árvores, cada um de nós levará uma árvore para plantar - até porque agora é que é a altura certa para plantar árvores e não na primavera. Depois, teremos o habitual chá e scones no meio da natureza. Terminaremos com um jantar na minha casa. :)
Que mais? Lembraremos o tradicional mito desta festa, o mito de Perséfone. Conhecem-no, certamente. Mesmo assim, permitam-me resumi-lo.
Segundo o antigo mito, no dia do Equinócio de Outono, Hades (o deus grego do Submundo) encontrou a bela e jovem Perséfone, que colhia flores. Ficou tão encantado com a sua beleza que, instantaneamente, se apaixonou por ela. Agarrou-a, raptou-a e levou-a para a escuridão do seu reino, no Submundo. A deusa Deméter, mãe de Perséfone, procurou-a por todos os lugares mas, não a encontou. O seu sofrimento foi tão intenso que as flores e as árvores começaram imediatamente a murchar e a morrer. Os outros deuses viram-se então obrigados a negociar com Hades o retorno de Perséfone. Hades aceitou devolvê-la, desde que ela nada comesse no seu reino. Porém, a bela Perséfone foi enganada e comeu uma pequena semente de romã, tendo, então, que passar metade de cada ano com Hades no Submundo, por toda a eternidade.
E também nós comeremos as tradicionais sementes de romã. Comemo-las de livre vontade, sem enganos, assumindo que também nós aceitamos sem medo descer ao nosso submundo, porque sabemos que o regresso à claridade será sempre inevitável. É um ponto importante, sabem? Precisamos dos mitos que nos indicam o caminho... nesse momento de equilíbrio no mundo, com a noite igual ao dia, lembraremos a jornada de Perséfone. Lembraremos a nós próprios que precisamos tanto da noite como do dia, e lembraremos que o equilíbrio é sempre possível. E que temos que aceitar a nossa luz e as nossas trevas...
É este o mito. Um mito universal, como são todos os mitos.
É este o festival.
São estes os rituais.
É este o meu paganismo.
Este ano, eu estou realmente a precisar de encontrar o meu equilíbrio, de modo que vou começar a preparar esta minha festa, onde tentarei também eu interiorizar esse equilíbrio.
Reservo o dia do Equinócio de Outono, na próxima segunda-feira, para as minhas celebrações pessoais. Começarei, então, a celebrar no domingo à tarde, em parte por questões laborais. O que também está certo...
Eu e os meus amigos, começaremos então no domingo à tarde, vamos plantar árvores, cada um de nós levará uma árvore para plantar - até porque agora é que é a altura certa para plantar árvores e não na primavera. Depois, teremos o habitual chá e scones no meio da natureza. Terminaremos com um jantar na minha casa. :)
Que mais? Lembraremos o tradicional mito desta festa, o mito de Perséfone. Conhecem-no, certamente. Mesmo assim, permitam-me resumi-lo.
Segundo o antigo mito, no dia do Equinócio de Outono, Hades (o deus grego do Submundo) encontrou a bela e jovem Perséfone, que colhia flores. Ficou tão encantado com a sua beleza que, instantaneamente, se apaixonou por ela. Agarrou-a, raptou-a e levou-a para a escuridão do seu reino, no Submundo. A deusa Deméter, mãe de Perséfone, procurou-a por todos os lugares mas, não a encontou. O seu sofrimento foi tão intenso que as flores e as árvores começaram imediatamente a murchar e a morrer. Os outros deuses viram-se então obrigados a negociar com Hades o retorno de Perséfone. Hades aceitou devolvê-la, desde que ela nada comesse no seu reino. Porém, a bela Perséfone foi enganada e comeu uma pequena semente de romã, tendo, então, que passar metade de cada ano com Hades no Submundo, por toda a eternidade.
E também nós comeremos as tradicionais sementes de romã. Comemo-las de livre vontade, sem enganos, assumindo que também nós aceitamos sem medo descer ao nosso submundo, porque sabemos que o regresso à claridade será sempre inevitável. É um ponto importante, sabem? Precisamos dos mitos que nos indicam o caminho... nesse momento de equilíbrio no mundo, com a noite igual ao dia, lembraremos a jornada de Perséfone. Lembraremos a nós próprios que precisamos tanto da noite como do dia, e lembraremos que o equilíbrio é sempre possível. E que temos que aceitar a nossa luz e as nossas trevas...
É este o mito. Um mito universal, como são todos os mitos.
É este o festival.
São estes os rituais.
É este o meu paganismo.
Sunday, September 14, 2008
Piqueniques em noites de lua cheia...
Somos só quatro, mas parece que estamos todos a viciar-nos nos nossos piqueniques de lua cheia. Não há rituais. Mas que ritual seria preciso, se os nossos sentidos estão em festa? Se sentimos a energia da lua a ressoar nas nossas células? Se os sons da noite se entranham e nos fazem sentir profundamente todo o mundo à nossa volta? Isolada do ruído e das luzes das cidades, a noite é noitíssima. E nós somos UM com a noite, e a lua e o mundo. Pertencemos.
Neste piquenique eu queria sonhar, brincar e fazer de conta. E eles deixam-me fazer isso mas, querem que sejamos ainda e sempre quem somos. E eu vi a felicidade deles e entendi que não é preciso mais nada, que aquele momento vale por ele próprio, tentar criar algo diferente seria como pintar de dourado um belo lírio.
Friday, September 12, 2008
O mito de Hórus, Osíris e Ísis.
Tenho esta imagem junto aos meus livros, porque quero que este mito seja a base da minha vida, sobretudo da minha vida com o Alexandre. :)
Bem, a verdade, verdadinha, é que passo a vida a contá-lo a toda a gente. Conto e volto a contar este mito aos meus amigos... que querem, eles esquecem-se. :P
Se repararem, junto com a imagem da trindade egipcia, está a mais especial de todas as minhas pedras coração. E, digam lá, não gostam das minhas pedras quase pirâmides? :)
Conhecem o mito? Bem, vou fazer um pequeno resumo:
Osíris e Ísis reinavam no Egipto. E o reino crescia com eles em beleza e sabedoria. Era um tempo feliz. Osíris, o senhor do sol, e Ísis, a senhora da lua e da magia, eram amados por todos. Ou quase todos. Seth sentia crescer dentro de si a ira e a inveja do sucesso do irmão Osíris. Seth queria o trono.
Osíris afastou-se do Egipto para travar uma batalha, deixando Ísis a governar em seu lugar, o que apenas enfureceu mais Seth. Quando Osíris regressou triunfante, Seth juntamente com 72 amigos fiéis foram saudá-lo e dar-lhe as boas vindas num grande banquete. Quando a festa em honra de Osíris estava a terminar, abriram-se as grandes portas e um magnífico sarcófago em ouro foi transportado para o meio do salão. Perante a aclamação de todos, Seth informou que o sarcófago seria para aquele que lá ficasse melhor. Contudo, o sarcófago tinha sido feito de modo a que servisse na perfeição a Osíris, que era mais alto, mais largo de ombros e mais forte que qualquer outro homem. Quando, por fim, foi a vez de Osíris experimentar o sarcófago, Seth e os amigos puseram-lhe de imediato a tampa, fecharam-no e atiraram-no ao nilo.
Após muitas dificuldades, Ísis conseguiu recuperar o sarcófago e o corpo de Osíris. Senhora da sua arte, Ísis usou a magia e trouxe de novo Osíris à vida. Durante o ritual, Ísis uniu-se com Osíris num acto sagrado e, assim, engravidou do divino Hórus. Mas, enquanto ambos descansavam, Seth rastejou sob a capa da escuridão até ao corpo de Osíris e retalhou-o em 14 pedaços que, de imediato, mandou os seus seguidores espalharem por todo o Egipto.
E a bela Ísis, com um coração profundamente dolorido, nunca desistiu de procurar o seu amado Osíris. Mesmo quando a gravidez e o desespero cresciam, Ísis manteve-se na sua busca. Sempre leal. E, com muita perseverança, Ísis encontrou, um a um, os pedaços do seu amado senhor. Todos menos um: o falo de Osíris tinha sido comido por um peixe e estava perdido para sempre.
Usando novamente a magia, Ísis uniu de novo o corpo de Osíris. Contudo, este agora estava incompleto. Não podendo ser o senhor da vida, passou a presidir no mundo dos mortos.
E a luta de Ísis continuou, teve que lutar sempre pela vida do seu filho Hórus que, enquanto criança, sofreu diversos atentados por parte do seu tio Seth. Mas a frágil criança Horus cresceu e transformou-se num guerreiro ao nível do seu divino pai. E as lutas entre Hórus e Seth começaram. Travaram-se muitas batalhas sangrentas, todas elas ganhas por Hórus que, após cada triunfo, pedia à Grande Enéada a devolução da terra e do título de seu pai. Mas a Enéada mantinha-se indiferente. E as batalhas recomeçavam.
Seth surgia numa grande variedade de disfarces. Mas Hórus sempre o reconhecia e matava-o. Contudo, numa dessas batalhas, Seth tirou o olho esquerdo a Hórus. Ísis substitui-o pelo poderoso Olho Udyat.
Por fim, Hórus parou de lutar e dirigiu-se a Ísis, pedindo que o ajudasse a conquistar a sua herança. E, porque Ísis era o trono, a Enéada concedeu-o, finalmente, a Hórus.
Este o mito. E, como nos tempos que correm, os mitos são vistos como analogias e estão sujeitos a interpretações, interpretemos também este.
Em primeiro lugar, temos o conceito de lealdade absoluta. Ísis nunca coloca sequer a possibilidade de desistir de Osíris. Consideremos que o contrário também seria verdadeiro. Assim, ensina-nos que não se desite de uma união, mesmo diante do fracasso e da derrota. É um conceito que me parece redentor.
Temos ainda o pormenor da concepção de Hórus, que nos mostra que um filho é sempre uma fonte de esperança, quaisquer que sejam as circunstâncias externas. E nada há de mais sagrado do que a própria vida. É a incapaciade de gerar vida que leva Osíris a reinar no mundo dos mortos.
Em terceiro lugar, temos a infância de Hórus: difícil, necessitando de cuidados continuos. O que nos mostra que também devemos cuidar do que ainda não amadureceu em nós, devemos ser capazes de proteger os nossos dons e tudo aquilo que nos é precioso e vulnerável, para que cresça e o nosso destino se cumpra.
Por último, há que referir, que o sucesso mais do que por mérito próprio, vem pela generosidade dos deuses. Invoquemos, então, a divina Ísis, o verdadeiro trono, para que por seu intermédio a nossa vida floresça em beleza, sabedoria e riqueza.
Este é o mito. Mas o que é exactamente um mito? Volto a insistir: só para o homem moderno que, infelizmente, perdeu quase todo o contacto com os mitos, é que um mito passou a ser uma fábula. Para a humanidade que o criou, o mito era suposto exprimir a verdade absoluta, pois contava uma história sagrada.
Antes de acabar, quero ainda referir que o mito de Hórus continua no nosso mundo. Sabemos que em Edfu, a casa de Hórus, todos os anos se realizavam festivais e recriações das antigas batalhas para celebrar a vitória de Hórus sobre Seth. Já na era romana, vemos uma estátua, que se encontra no British Museum, de Hórus vestido como centurião romano, montado num cavalo e espetando um lança em Seth, o crocodilo. Ainda mais tarde, a batalha de Hórus e Seth, tornou-se na luta de S. Jorge e o Dragão. Há até quem pense que o nome egípcio de Seth, Sutekh, pode ter evoluído para a palvra Satã.
Deixem-me só referir outro aspecto: para os egípcios, a primeira luz era Re-Hor-em-akhet, Re que é o Hórus do horizonte, em que Hórus é representado como um falcão, com as suas asas estendidas reflectindo o sol. E Hórus será sempre a primeira luz da manhã, nas nossas noites.
Termino, desejando que as nossas noites se unam com os nossos dias, que a serpente e a ave parem de combater e que ambos, o poder da ave e o poder da serpente, nos fortaleçam.
p.s. Já agora, deixo o link para o lugar dos meus sonhos e devaneios: Clareirazinha. :)
Bem, a verdade, verdadinha, é que passo a vida a contá-lo a toda a gente. Conto e volto a contar este mito aos meus amigos... que querem, eles esquecem-se. :P
Se repararem, junto com a imagem da trindade egipcia, está a mais especial de todas as minhas pedras coração. E, digam lá, não gostam das minhas pedras quase pirâmides? :)
Conhecem o mito? Bem, vou fazer um pequeno resumo:
Osíris e Ísis reinavam no Egipto. E o reino crescia com eles em beleza e sabedoria. Era um tempo feliz. Osíris, o senhor do sol, e Ísis, a senhora da lua e da magia, eram amados por todos. Ou quase todos. Seth sentia crescer dentro de si a ira e a inveja do sucesso do irmão Osíris. Seth queria o trono.
Osíris afastou-se do Egipto para travar uma batalha, deixando Ísis a governar em seu lugar, o que apenas enfureceu mais Seth. Quando Osíris regressou triunfante, Seth juntamente com 72 amigos fiéis foram saudá-lo e dar-lhe as boas vindas num grande banquete. Quando a festa em honra de Osíris estava a terminar, abriram-se as grandes portas e um magnífico sarcófago em ouro foi transportado para o meio do salão. Perante a aclamação de todos, Seth informou que o sarcófago seria para aquele que lá ficasse melhor. Contudo, o sarcófago tinha sido feito de modo a que servisse na perfeição a Osíris, que era mais alto, mais largo de ombros e mais forte que qualquer outro homem. Quando, por fim, foi a vez de Osíris experimentar o sarcófago, Seth e os amigos puseram-lhe de imediato a tampa, fecharam-no e atiraram-no ao nilo.
Após muitas dificuldades, Ísis conseguiu recuperar o sarcófago e o corpo de Osíris. Senhora da sua arte, Ísis usou a magia e trouxe de novo Osíris à vida. Durante o ritual, Ísis uniu-se com Osíris num acto sagrado e, assim, engravidou do divino Hórus. Mas, enquanto ambos descansavam, Seth rastejou sob a capa da escuridão até ao corpo de Osíris e retalhou-o em 14 pedaços que, de imediato, mandou os seus seguidores espalharem por todo o Egipto.
E a bela Ísis, com um coração profundamente dolorido, nunca desistiu de procurar o seu amado Osíris. Mesmo quando a gravidez e o desespero cresciam, Ísis manteve-se na sua busca. Sempre leal. E, com muita perseverança, Ísis encontrou, um a um, os pedaços do seu amado senhor. Todos menos um: o falo de Osíris tinha sido comido por um peixe e estava perdido para sempre.
Usando novamente a magia, Ísis uniu de novo o corpo de Osíris. Contudo, este agora estava incompleto. Não podendo ser o senhor da vida, passou a presidir no mundo dos mortos.
E a luta de Ísis continuou, teve que lutar sempre pela vida do seu filho Hórus que, enquanto criança, sofreu diversos atentados por parte do seu tio Seth. Mas a frágil criança Horus cresceu e transformou-se num guerreiro ao nível do seu divino pai. E as lutas entre Hórus e Seth começaram. Travaram-se muitas batalhas sangrentas, todas elas ganhas por Hórus que, após cada triunfo, pedia à Grande Enéada a devolução da terra e do título de seu pai. Mas a Enéada mantinha-se indiferente. E as batalhas recomeçavam.
Seth surgia numa grande variedade de disfarces. Mas Hórus sempre o reconhecia e matava-o. Contudo, numa dessas batalhas, Seth tirou o olho esquerdo a Hórus. Ísis substitui-o pelo poderoso Olho Udyat.
Por fim, Hórus parou de lutar e dirigiu-se a Ísis, pedindo que o ajudasse a conquistar a sua herança. E, porque Ísis era o trono, a Enéada concedeu-o, finalmente, a Hórus.
Este o mito. E, como nos tempos que correm, os mitos são vistos como analogias e estão sujeitos a interpretações, interpretemos também este.
Em primeiro lugar, temos o conceito de lealdade absoluta. Ísis nunca coloca sequer a possibilidade de desistir de Osíris. Consideremos que o contrário também seria verdadeiro. Assim, ensina-nos que não se desite de uma união, mesmo diante do fracasso e da derrota. É um conceito que me parece redentor.
Temos ainda o pormenor da concepção de Hórus, que nos mostra que um filho é sempre uma fonte de esperança, quaisquer que sejam as circunstâncias externas. E nada há de mais sagrado do que a própria vida. É a incapaciade de gerar vida que leva Osíris a reinar no mundo dos mortos.
Em terceiro lugar, temos a infância de Hórus: difícil, necessitando de cuidados continuos. O que nos mostra que também devemos cuidar do que ainda não amadureceu em nós, devemos ser capazes de proteger os nossos dons e tudo aquilo que nos é precioso e vulnerável, para que cresça e o nosso destino se cumpra.
Por último, há que referir, que o sucesso mais do que por mérito próprio, vem pela generosidade dos deuses. Invoquemos, então, a divina Ísis, o verdadeiro trono, para que por seu intermédio a nossa vida floresça em beleza, sabedoria e riqueza.
Este é o mito. Mas o que é exactamente um mito? Volto a insistir: só para o homem moderno que, infelizmente, perdeu quase todo o contacto com os mitos, é que um mito passou a ser uma fábula. Para a humanidade que o criou, o mito era suposto exprimir a verdade absoluta, pois contava uma história sagrada.
Antes de acabar, quero ainda referir que o mito de Hórus continua no nosso mundo. Sabemos que em Edfu, a casa de Hórus, todos os anos se realizavam festivais e recriações das antigas batalhas para celebrar a vitória de Hórus sobre Seth. Já na era romana, vemos uma estátua, que se encontra no British Museum, de Hórus vestido como centurião romano, montado num cavalo e espetando um lança em Seth, o crocodilo. Ainda mais tarde, a batalha de Hórus e Seth, tornou-se na luta de S. Jorge e o Dragão. Há até quem pense que o nome egípcio de Seth, Sutekh, pode ter evoluído para a palvra Satã.
Deixem-me só referir outro aspecto: para os egípcios, a primeira luz era Re-Hor-em-akhet, Re que é o Hórus do horizonte, em que Hórus é representado como um falcão, com as suas asas estendidas reflectindo o sol. E Hórus será sempre a primeira luz da manhã, nas nossas noites.
Termino, desejando que as nossas noites se unam com os nossos dias, que a serpente e a ave parem de combater e que ambos, o poder da ave e o poder da serpente, nos fortaleçam.
p.s. Já agora, deixo o link para o lugar dos meus sonhos e devaneios: Clareirazinha. :)
Tuesday, September 09, 2008
Sonho é destino.
"Há uma venerável tradição de feiticeiros, xamãs e visionários que aperfeiçoaram a arte da viagem onírica, o chamado estado de sonho lúcido, onde, ao controlarmos os sonhos, ao nos mantermos conscientes durante os sonhos, podemos descobrir coisas para lá da nossa apreensão no estado de vigília."
"Dizem que os sonhos só são reais enquanto duram. Não podemos dizer o mesmo da vida?"
"Muitos de nós cartografamos a relação entre mente e corpo dos sonhos. Somos chamados onironautas, exploradores do mundo dos sonhos."
"Dizem que os sonhos só são reais enquanto duram. Não podemos dizer o mesmo da vida?"
"Muitos de nós cartografamos a relação entre mente e corpo dos sonhos. Somos chamados onironautas, exploradores do mundo dos sonhos."
"Há dois estados de consciência opostos, que não se opõem de todo. Na vigília, o sistema neurológico inibe a nitidez das recordações. Faz sentido a nível evolucionário. Seria inadaptado se um predador fosse enganado pela recordação de uma presa e vice-versa. Se a recordação de um predador invocasse uma imagem mental, correríamos sempre ao ter uma ideia assustadora. Os neurónios seratónicos inibem as alucinações. Mas eles próprios estão inibidos durante o sono. Isto permite os sonhos parecerem reais, mas impede a competição de outras percepções. É por isso que se confudem sonhos com a realidade. Para o sistema funcional da actividade neurológica que cria o mundo não há diferença entre sonhar uma percepção e uma acção e, na verdade, a percepção e a acção em vigília."
"Um amigo disse-me uma vez que o pior erro que se comete é pensar-se que se está vivo quando, de facto, se dorme na sala de espera da vida. O truque é combinar as capacidades racionais da vigília com as possibilidades infinitas dos sonhos. Porque se conseguirmos isso, conseguimos tudo."
"... ajudar as pessoas a ficarem lúcidas.
Elimina-se o medo e a ansiedade e depois é só rock'n'roll. "
"«Ficar lúcido significa saber que se está a sonhar?» Sim. Depois, podemos controlar os sonhos. São mais realistas que os sonhos não-lúcidos. "
"Antes de mais, tens de perceber que estás a sonhar. Reconhecê-lo. Tens de ser capaz de te perguntar: «É um sonho?» A maioria das pessoas nunca se pergunta isso, acordada ou a dormir."
"Dizem que o sonho está morto. Já ninguém o faz... Não está morto, foi apenas esquecido, retirado da nossa língua. Ninguém o ensina, por isso, ninguém sabe que existe. O sonhador foi banido para a obscuridade. Estou a tentar mudar isso, espero que também tu estejas, ao sonhares todos os dias."
"Sonhando com as nossas mãos e mentes..."
"Exercita a tua mente plenamente, sabendo que é só um exercício. Constrói objectos, resolve problemas, explora os segredos do universo. Saboreia o que captam os sentidos. Sente alegria, mágoa, riso, empatia. E leva a memória na mala de viagem."
"Pensamos que estamos tão limitados pelo mundo e pelos confins, mas estamos apenas a criá-los."
"Continua a tentar perceber o universo mas, agora que sabes que sonhas, podes fazer qualquer coisa. Estás a dormir, mas acordado. Tens tantas opções... e a vida resume-se a isso."
"Examina a natureza de tudo o que observas.
Podes dar contigo a atravessar um parque de estacionamento onírico. E, sim, são pés de sonho dentro dos teus sapatos de sonho. Parte do teu sonho. Portanto, a pessoa que pareces ser no sonho não pode ser quem és realmente. É uma imagem, um modelo mental."
"Durante anos, a noção de que a vida é um sonho tem sido tema difuso de filósofos e poetas. Não faz sentido que a morte esteja envolta num sonho? Que, após a morte, a vida consciente continue num corpo onírico? Seria o mesmo corpo onírico que na vida onírica de todos os dias, só que, no estado pós-mortal, não poderias voltar a acordar. Nunca mais voltarias ao corpo físico."
"... O que somos é apenas esta estrutura lógica. Um lugar para albergar, temporariamente, todas as abstracções. É altura de nos tornarmos conscientes, e dar forma e coerência ao mistério. Fazer parte disso é uma dádiva."
"Sonhando com as nossas mãos e mentes..."
"Exercita a tua mente plenamente, sabendo que é só um exercício. Constrói objectos, resolve problemas, explora os segredos do universo. Saboreia o que captam os sentidos. Sente alegria, mágoa, riso, empatia. E leva a memória na mala de viagem."
"Pensamos que estamos tão limitados pelo mundo e pelos confins, mas estamos apenas a criá-los."
"Continua a tentar perceber o universo mas, agora que sabes que sonhas, podes fazer qualquer coisa. Estás a dormir, mas acordado. Tens tantas opções... e a vida resume-se a isso."
"Examina a natureza de tudo o que observas.
Podes dar contigo a atravessar um parque de estacionamento onírico. E, sim, são pés de sonho dentro dos teus sapatos de sonho. Parte do teu sonho. Portanto, a pessoa que pareces ser no sonho não pode ser quem és realmente. É uma imagem, um modelo mental."
"Durante anos, a noção de que a vida é um sonho tem sido tema difuso de filósofos e poetas. Não faz sentido que a morte esteja envolta num sonho? Que, após a morte, a vida consciente continue num corpo onírico? Seria o mesmo corpo onírico que na vida onírica de todos os dias, só que, no estado pós-mortal, não poderias voltar a acordar. Nunca mais voltarias ao corpo físico."
"... O que somos é apenas esta estrutura lógica. Um lugar para albergar, temporariamente, todas as abstracções. É altura de nos tornarmos conscientes, e dar forma e coerência ao mistério. Fazer parte disso é uma dádiva."
WAKING LIFE, RICHARD LINKLATER
Um sonho de uma onironauta:
Para recomeçar... do começo.
"Recuso-me a ver o existêncialismo como apenas outra moda ou curiosidade histórica, pois era algo importante a oferecer ao novo século. Receio que estejamos a perder as virtudes de viver apaixonadamente, assumindo responsabilidade por quem somos... fazendo algo por nós e estando bem com a vida. O existêncialismo é discutido como uma filosofia do desespero, mas acho que é o oposto. Uma vez, Sartre disse que nunca sentiu um dia de desespero na vida. Uma coisa que nos chega da leitura destes autores, não é tanto uma sensação de angústia mas, uma espécie de exuberância de se sentir acima da própria vida. É como se a vida fosse para ser criada por nós."
"... os nossos actos fazem diferença."
"A mensagem é: nunca devemos anular-nos e ver-nos como vítimas de várias forças. Quem somos é sempre decisão nossa."
"A demanda é ser-se libertado do negativismo, que é realmente a nossa própria tendência para o nada. Em se dizendo «SIM» ao instante, a afirmação é contagiosa. Explode numa corrente de afirmações que não conhece limite. Dizer «SIM» a um instante é dizer «SIM» a toda a existência."
"O momento não é apenas um vazio passageiro, um nada... é um vazio com tal volume que o grande momento, a grande vida do universo está a pulsar nele. E cada um, cada objecto, cada lugar, cada acto, deixa uma marca..."
"Sabes o que Benedict Anderson diz da identidade? Ele fala, por exemplo, de um fotografia de bebé. Pegas numa imagem a duas dimensões e dizes: «sou eu». Para realmente relacionares este bebé da imagem contigo mesmo, actualmente, tens de criar uma história. É necessária uma história, que é na verdade ficção, para te tornar a ti e ao bebé idênticos. Para criar a identidade.
As nossas células regeneram-se completamente de sete em sete anos... Fomos a todos os níveis várias pessoas diferentes. Contudo, permanecemos essencialmente nós mesmos sempre."
"Nós, os inquietos, continuamos à procura... preenchedo silêncios com desejos, medos e fantasias. Induzidos pelo facto de que, por mais vazio que o mundo parecesse, por mais degradado e gasto... tudo era possível. Dadas as circunstâncias certas, um novo mundo era tão provável como o velho."
"... os nossos actos fazem diferença."
"A mensagem é: nunca devemos anular-nos e ver-nos como vítimas de várias forças. Quem somos é sempre decisão nossa."
"A demanda é ser-se libertado do negativismo, que é realmente a nossa própria tendência para o nada. Em se dizendo «SIM» ao instante, a afirmação é contagiosa. Explode numa corrente de afirmações que não conhece limite. Dizer «SIM» a um instante é dizer «SIM» a toda a existência."
"O momento não é apenas um vazio passageiro, um nada... é um vazio com tal volume que o grande momento, a grande vida do universo está a pulsar nele. E cada um, cada objecto, cada lugar, cada acto, deixa uma marca..."
"Sabes o que Benedict Anderson diz da identidade? Ele fala, por exemplo, de um fotografia de bebé. Pegas numa imagem a duas dimensões e dizes: «sou eu». Para realmente relacionares este bebé da imagem contigo mesmo, actualmente, tens de criar uma história. É necessária uma história, que é na verdade ficção, para te tornar a ti e ao bebé idênticos. Para criar a identidade.
As nossas células regeneram-se completamente de sete em sete anos... Fomos a todos os níveis várias pessoas diferentes. Contudo, permanecemos essencialmente nós mesmos sempre."
"Nós, os inquietos, continuamos à procura... preenchedo silêncios com desejos, medos e fantasias. Induzidos pelo facto de que, por mais vazio que o mundo parecesse, por mais degradado e gasto... tudo era possível. Dadas as circunstâncias certas, um novo mundo era tão provável como o velho."
"Se o mundo é falso e nada é verdadeiro, tudo é possível."
"Há dois tipos de sofredores: os que sofrem por falta de vida e os que sofrem por excesso de vida."
"O fosso entre Platão ou Nietzsche e o homem comum é maior do que aquele que existe entre o chimpanzé e o homem comum. O domínio do verdadeiro espírito, do verdadeiro artista, do santo, do filósofo, raramente é atingido. Porquê tão poucos? Por que razão a história e a evolução não são histórias de progresso mas uma interminável e fútil adição de zeros? Não se desenvolveram valores mais nobres. Os gregos, há 3 mil anos, eram tão avançados como nós. Quais são as barreiras que impedem as pessoas de alcançarem o seu verdadeiro potencial? A resposta a isso pode ser encontrada noutra pergunta, que é: qual é a característica humana mais universal? O medo ou a perguiça?"
"Não espero o futuro antecipando salvação, absolvição ou sequer esclarecimento. Acredito que esta perfeição defeituosa é suficiente e completa em todos os inefáveis momentos."
"O fosso entre Platão ou Nietzsche e o homem comum é maior do que aquele que existe entre o chimpanzé e o homem comum. O domínio do verdadeiro espírito, do verdadeiro artista, do santo, do filósofo, raramente é atingido. Porquê tão poucos? Por que razão a história e a evolução não são histórias de progresso mas uma interminável e fútil adição de zeros? Não se desenvolveram valores mais nobres. Os gregos, há 3 mil anos, eram tão avançados como nós. Quais são as barreiras que impedem as pessoas de alcançarem o seu verdadeiro potencial? A resposta a isso pode ser encontrada noutra pergunta, que é: qual é a característica humana mais universal? O medo ou a perguiça?"
"Não espero o futuro antecipando salvação, absolvição ou sequer esclarecimento. Acredito que esta perfeição defeituosa é suficiente e completa em todos os inefáveis momentos."
"A afirmação da liberdade resume-se à negação da limitação."
WAKING LIFE, RICHARD LINKLATER
Subscribe to:
Posts (Atom)